O Anuário Brasileiro de Segurança Pública e os dados sobre a violência contra a mulher

Relatório lançado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública revela aumento dos índices de violência doméstica contra a mulher entre os anos de 2021 e 2023.
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RAFAEL DAVID NOLETO
Comissão Permanente Mista de Combate à Violência contra a Mulher (CMCVM) realiza marcha pelo fim da cultura do estupro em, 2016 (Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)

Publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) no último dia 20 de julho, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública apontou os novos dados estatísticos sobre a violência no Brasil. Com informações coletadas a partir dos governos estaduais e polícias civil, militar e federal – além de outros órgãos – o relatório apontou o crescimento da violência doméstica e sexual contra a mulher no ano de 2022 no país. Desfinanciamento de políticas de proteção às mulheres e ascensão de movimentos ultraconservadores são considerados fatores agravantes para o quadro segundo o Fórum.

Dados, crescimentos e cenários registrados

Alterado pela lei Lei 13.104/15, o Código Penal Brasileiro passou a considerar como crime de feminicídio os assassinatos envolvendo violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher da vítima. Em 2022, o número de feminicídios no Brasil subiu em 6,1% em relação ao ano anterior. Foram 1437 mulheres mortas no país – 90 a mais que em 2021 – e 7 em cada 10 dessas mulheres foram mortas dentro de suas casas. 61,1% das vítimas eram negras.

Agressões em contextos domésticos e registros de assédio sexual também cresceram. Foram 245.713 casos de violência praticada no ambiente familiar das vítimas – um aumento de 2,9% – e 6.144 registros de assédio, quase o dobro do ano anterior.

No relatório “Visível e Invisível”, publicação do FBSP dedicada ao detalhamento da violência contra a mulher, três hipóteses principais explicam o crescimento dos dados naquele ano: o desfinanciamento das políticas públicas de proteção à mulher no Governo Bolsonaro, o impacto da pandemia de Covid-19 nos serviços de acolhimento e proteção às mulheres e o cenário de crescimento dos crimes de ódio por ascensão de movimentos ultraconservadores na política brasileira. Para os autores do texto, os ataques desses grupos aos debates sobre a igualdade de gênero foram mais uma condição de impacto ao cenário dos dados.

Para o velho ditado, a lata de lixo

Alexandre Pinto Lourenço, ex-delegado geral da Polícia Civil do Estado de Goiás, afirma que o motivo basilar para que as denúncias venham a tona é a massificação e acessibilidade da comunicação. “Ela [a comunicação] trouxe para a população conhecimento do que seja a violência. Muitos recortes de violência contra a mulher não eram tratados como tal – violência psicológica, financeira e moral, por exemplo – e até mesmo a violência física não era reconhecida pelas próprias vítimas como tal.” Ele explica que depois da criação da Lei Maria da Penha, em 2006, veio à luz o entendimento social para o grande público do que era de fato a violência contra a mulher e como ela acontece.

“Em briga de marido e mulher a gente mete a colher sim, justamente para não tornar a agressão algo ainda mais grave”
Alexandre Lourenço, ex-delegado geral da Polícia Civil de Goiás
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Outros fator que pesa à realidade da violência é, para Lourenço, o ethos masculino, o machismo cultural. “As políticas e debates de igualdade de gênero mexem na estrutura [psicológica] do homem, culturalmente colocado como chefe de família, provedor, detentor do poder familiar. Isso tudo foi por terra já muito tarde, o que mexe com os homens que ainda se acham os ‘alpha’ e consideram que a mulher tem de estar subserviente a eles”, explica o ex-delegado.

Em sua análise, a realidade da violência está posta e exije uma mudança de postura da sociedade e do poder público. O Estado possui estruturas e instâncias que devem cada vez mais promover a melhoria dos processos de acolhimento das vítimas e processar os agressores para que esses enfrentem as punições legais devidas. “Em briga de marido e mulher a gente mete a colher sim, justamente para não tornar a agressão algo ainda mais grave”, completa Alexandre.

As dificuldades em denunciar

“A principal dificuldade encontrada por mulheres vítimas de violência em fazer a denúncia é o medo”, afirma Gleicy Cristina, jornalista e colunista social. Em seu trabalho de conclusão do curso de jornalismo, Gleicy esteve em contato com diversas mulheres vítimas de violência por parte de seus então companheiros. Ela fala que poder aquisitivo menor em comparação ao cônjuge, chantagens e ameaças fazem parte do cotidiano e do ciclo de violência. Além disso ela conta que há ainda o medo de que, após o cumprimento das penas, os agressores voltem para se vingar.


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