‘Sou uma pessoa de explorar muitas faces que a universidade oferece’: André Martins comenta sobre experiência como intercambista na Europa

André Martins, graduando de Jornalismo na UnB e produtor de conteúdo digital, conta sobre sua experiência como intercambista na Europa através da mobilidade estudantil
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Fazer um intercâmbio é uma excelente oportunidade de contato com outras culturas, outros hábitos e claro, com um novo idioma. Mas o que diferencia um intercâmbio por mobilidade estudantil de uma viagem internacional tradicional é a chance de aprimorar seus conhecimentos acadêmicos e enriquecer o currículo, além do suporte financeiro oferecido pela maioria das universidades através dos programas de bolsa.

Tainá: André, para começarmos gostaria que você contasse um pouco sobre a faculdade que fez no Brasil e o que te motivou a fazer intercâmbio. 

André: Oi, eu sou o André Martins, tenho 22 anos e a faculdade que eu faço no Brasil atualmente, porque, todavia ainda não terminei, é a faculdade de Jornalismo na UnB. Estou no nono semestre, já era pra eu ter me formado, mas por conta da pandemia e também por essa possibilidade do intercâmbio, acabou atrasando. O que me motivou a fazer esse intercâmbio é porque sempre foi uma vontade minha, mas eu não sabia que entrando na faculdade eu teria essa oportunidade de uma forma muito mais acessível por conta dessas parcerias que a minha universidade tem com outras universidades do mundo inteiro. Além disso, eu sou uma pessoa de explorar muitas faces que a universidade oferece. Então, eu já participei de estágios, de projetos de extensão e tudo que a universidade oferece, ainda mais por ser uma universidade federal, considero uma ‘baita’ oportunidade, uma chance do universitário explorar outros lados dele. Então, juntou esse sonho que eu sempre tive desde criança de fazer um intercâmbio com a minha vontade de estudar, de aprimorar meus conhecimentos e de ter um contato com outras universidades, outros universitários, outra cultura, em um país diferente.

Tainá: Em qual cidade e em qual universidade ou instituição de ensino você está estudando? Como é a vida acadêmica por aí?

André: Eu estou na cidade de Pamplona, na Espanha, na província de Navarra, e é uma das melhores universidades aqui, principalmente para o meu curso, então eu estou na Faculdade de Comunicação. Tenho matérias tanto de marketing, quanto de relações públicas, publicidade, embora no Brasil eu estudo somente jornalismo, por aqui estou estudando comunicação de uma forma geral. E por eu ser um aluno de intercâmbio, eu tive a possibilidade de criar e de montar a minha grade de uma forma bem mais flexível, de acordo com as matérias que eu queria. Então, eu não tinha matérias obrigatórias a serem cumpridas, eles divulgam uma lista completa das matérias que você pode pegar, e eu selecionei matérias que eu queria me dedicar um pouco mais ou que eu não via no Brasil, porque lá era mais jornalismo de produção e redação. Eu tenho aula de segunda a sexta, basicamente todas as minhas aulas são à tarde e duram uma hora e meia, é bem puxado em relação à minha faculdade do Brasil. É uma faculdade privada, eu acho que é importante também situar isso, então as diferenças estão sendo bem grandes, principalmente por conta disso, eu acho. E, enfim, tanto de questões de infraestrutura, que é uma uma ‘baita’ infraestrutura mesmo de uma faculdade privada, que a gente sabe que é muito diferente da faculdade pública no Brasil.

A Universidade de Navarra está entre as dez melhores universidades da Espanha, segundo o QS World University Ranking. (Imagem: Reprodução/ André Martins)

Tainá: Para quem também sonha em ser intercambista na Europa, poderia comentar mais sobre como se preparou para esse intercâmbio?

André: Sim, todo semestre a UnB libera um edital de mobilidade acadêmica, no qual eles divulgam uma lista com todas as universidades que a UnB, no caso, tem parceria. São diversos países que você pode escolher: Coreia do Sul, Japão, Colômbia, Espanha, Inglaterra, vários países. Você aplica para aquele que tenha mais interesse. Pode selecionar cinco opções. E aí, nesse edital que foi divulgado em janeiro deste ano, eu me inscrevi super de última hora, mas você tem alguns pré-requisitos para realmente se inscrever neste edital. Tem que ter cursado pelo menos 25% do seu curso e no máximo 90%, precisa saber falar o idioma do lugar que pretende ir, e você tem que comprovar isso através de certificados. Então, por exemplo, aqui no meu caso da Espanha, eu tinha que saber falar ou inglês ou espanhol, porque aqui é uma universidade bilíngue, e apesar de eu comprovar que eu queria as minhas aulas em espanhol, sempre acaba tendo algumas coisas em inglês. Então, eu utilizei os meus certificados de curso de idiomas aí do Brasil para assegurar que eu sabia falar esses idiomas. Eu me inscrevi no edital e em fevereiro saiu o resultado, porque eles fazem essa valoração de acordo com a sua nota do IRA (índice de rendimento acadêmico) lá no Brasil, entre todos os estudantes porque são poucas vagas. Aqui para a minha universidade eram apenas duas vagas, e o fator de desempate é exatamente essa nota do IRA. E quando eu passei começou toda a parte burocrática que é, a parte mais chata de se preparar, porque você precisa de seguro de saúde, quem não tem passaporte, quem não tem visto, você tem que correr atrás disso. Então, realmente, é uma parte que demanda muito mais do seu tempo, que é bem mais trabalhoso, porque não depende só da gente, depende dessas instituições, depende do consulado da Espanha, por exemplo, que nunca tinha vaga direito para entrevista. Mas pelo fato do nosso visto ser um visto estudantil, é um pouco mais tranquilo, é muito difícil eles negarem, porque, enfim, não tem motivos para isso, né? A gente está indo para estudar. Então desde fevereiro até julho, basicamente, eu já tinha finalizado tudo. Já tinha comprado passagem, hospedagem já estava ok, e tudo ok. E você fica com aquela ansiedade, de “precisa dar certo”, e ao mesmo tempo, “não depende só de você”, “por favor, que dê certo logo” enfim, é um pouco burocrático, trabalhoso, mas sempre dá certo.

Tainá: Como funciona a moradia para intercambistas?

André: Pamplona é uma cidade universitária, eles recebem estudantes do mundo inteiro. Então, tanto é que os amigos que eu fiz aqui, a maioria são de outros países. Tem gente da Guatemala, da Colômbia, da Venezuela, do Peru. Eu, que sou do Brasil, né? Enfim, eles estão acostumados a receber muitos estudantes, porque aqui tem uma universidade pública também, que é muito conhecida, que é a UPNA. E tem a Universidade de Navarra, a UNAV, que é a faculdade particular onde eu estudo. Então, a cidade em si, ela já está meio que preparada para receber esses intercambistas. Tem empresas especializadas que já fazem essa ponte. Por exemplo, quando eu comecei a procurar hospedagens por aqui, já existiam essas empresas que alugavam apartamentos específicos para estudantes. Então, você pode, sim, procurar de modo independente, em alguns grupos de WhatsApp, as pessoas divulgam: “Ah, tem um quarto sobrando no meu apartamento. Alguém tem interesse em alugar?”  E aí, vocês conversam no particular e fecham. Mas a maioria das vezes, e que eu acho mais confiável, foi a forma que eu selecionei foi ir através dessas empresas. Aqui na minha cidade tem a empresa, por exemplo, da Campus Home, da One Casa. Que são empresas que já alugam esses quartos somente para estudantes. Eles têm o site, o contato, os e-mails. Do Brasil mesmo, você já consegue ter acesso aos quartos que estão disponíveis, o preço, o que é incluso e o que não é, a localização, pra ver se fica perto da sua universidade ou não, com quantas pessoas você vai dividir esse apartamento, as fotos do seu apartamento. No meu caso, a universidade não cobre esse valor, então, eu estou bancando do meu dinheiro. Porque a universidade não cobre nada, a não ser que você seja um aluno de assistência, de auxílio socioeconômico. Às vezes, existem essas situações que eles dão uma ajuda a mais, mas não era o meu caso. Enfim , é isso, você entra em contato com essas empresas direto do Brasil mesmo e já consegue reservar o seu apartamento, o seu quarto. 

Tainá: E como é o sistema de transporte público na sua cidade?

André: Eu não tive muita chance de usar, de fato, o transporte público aqui em Pamplona, porque a cidade é muito pequena, então eu faço tudo andando. Tudo mesmo. Eu vou para a faculdade andando, para o mercado andando, para a academia andando, porque é realmente muito, muito próximo, tudo que você vai fazer. Aqui a coisa mais longe para você fazer é, sei lá, 30 minutos. Eu só usei o ônibus uma vez aqui, que era para ir para o aniversário de uma amiga minha, mas, pelo que eu sei, o transporte público funciona muito bem e a galera usa bastante. Em Barcelona, por exemplo, que eu já estive lá, tem ônibus que passam de noite e que você consegue fazer o seu cartão, assim, como se fosse o cartão do Brasil mesmo, coloca um crédito nesse cartão e você vai passando. Ou, às vezes, se você trabalha em alguma empresa, eles também te dão esse vale transporte, assim como funciona no Brasil. Mas, de fato, aqui os horários são bem mais pontuais em relação ao transporte público. O Metrô, também, que eu peguei bastante em Barcelona, eles são bem pontuais, passam com muita frequência, são várias linhas. Então, é tipo São Paulo que você fica até um pouco perdido. Aqui em Pamplona não tem metrô, é tudo ônibus, eu não usei muito, mas eu sei que funciona.

Tainá: Como está sendo sua experiência com a língua local? Você fez/ faz curso de idiomas?

André: Eu selecionei todas as minhas aulas para ser em espanhol, alguns textos, alguns vídeos, os professores acabam passando em inglês. Eu sou formado em inglês, mas eu não me considero fluente, porque fiquei cerca de mais de quatro anos sem praticar. Então, eu tenho uma ideia do inglês, eu consigo entender a maioria das coisas, mas eu prefiro falar e estudar em espanhol, porque foi a língua que eu estava estudando mais recente, lá na UnB, no curso da UnB Idiomas, eu fiz durante três anos. Ainda não me considero fluente, mas por ser uma língua que já estava bem mais “fresca” na minha cabeça, me deu mais confiança. Então, eu já tinha uma base boa aqui pra me comunicar em espanhol. Mas, óbvio, quando você chega aqui no dia a dia e realmente conversa com fluentes e com pessoas nativas, você descobre que tem várias expressões, vários jargões que só se aprende na prática. E sem contar que aqui tem pessoas do mundo inteiro. Então, apesar do espanhol ser uma língua só, tem expressões que são só da Colômbia, tem expressões que são só da Argentina. O sotaque, às vezes, da galera da Espanha, por exemplo, é muito diferente da galera do Peru. Enfim, mas é isso. Então, eu estou aprendendo muito aqui. Mas já tinha uma base boa, porque eu já tinha estudado lá por três anos, porém sigo aprendendo aqui. E acho que toda a experiência, não só com as pessoas, com os outros estudantes, mas com os professores e a vivência aqui, lendo textos, assistindo vídeos, me ajuda bastante.

Tainá: Considerando as diversas variedades culturais em relação ao seu país de origem, como você tem lidado com esses desafios? 

André: A alimentação foi algo que eu achei que ia ser o pior, pra ser bem sincero. Porque a outra vez que eu saí do Brasil, eu fui pros Estados Unidos e realmente lá era um caos a minha alimentação. De fato, assim, é muito estereotipado, né?  na cultura norte-americana. Porque, enfim, muita gordura, muita pizza, muito fast food. Então eu já fiquei assim “meu Deus, será que na Espanha vai ser do mesmo jeito?” Mas aqui, como eu estou morando sozinho, eu vou no mercado e faço minhas próprias compras. E cozinho comidas que eu já estava acostumado a comer no Brasil. Então, não está sendo um problema muito grande. E quando eu saio, é pra comer hambúrguer, pizza, coisa que também eu já fazia no Brasil. Sistema de saúde, eu não tive que usar aqui, graças a Deus e espero que eu não precise. Acho que uma das maiores dificuldades, com certeza, está sendo o clima. Porque apesar de eu ter chegado bem no verão, agora já está no outono. Então já tá esfriando bem mais e eu não gosto de frio. Como eu morava em Brasília, o nosso frio lá, quando é realmente muito frio é tipo uns 16, 17 graus. Mas aqui já tem noite que está chegando a 8 graus. Eu sei que só vai piorar, daqui a pouco vai começar a nevar. As nossas roupas não são roupas apropriadas pro clima daqui, então a gente que está acostumado com o clima totalmente tropical, não espera esse frio todo. Em relação ao custo de vida, acho que é a maior dificuldade. Porque você tem que ter uma preparação financeira muito boa, muito mais estável pra vir morar em outro país. E aqui, como tudo é em euro, você tem que multiplicar cinco vezes mais. Você tem que ter tido essa preparação muito bem calculada. Porque chegando aqui, a gente tá gastando em euro. Então, realmente, é uma “facadinha”. Mas de resto, por exemplo, em relação a lazer, ir ao cinema, ir ao parque, ir a uma academia, ir ao teatro, fazer compras, está sendo super tranquilo.

Tainá: Nesse período que você está no intercâmbio, já sofreu ou presenciou alguma xenofobia?

André: Por incrível que pareça, não. Inclusive, quando eu falo que eu sou do Brasil, a galera fica tipo: “Ai, sério? eu amo o Brasil! Amo as músicas do Brasil! eu tenho que conhecer o Rio de Janeiro…” Enfim, é aquela visão bem estereotipada. Mas eles ficam super felizes e animados, fazem várias perguntas sobre mim. A única situação, assim, que foi um pouquinho mais chatinha, foi quando eu estava tentando tirar o meu visto na Embaixada da Espanha, lá em Brasília. Mas eu não acho que foi uma situação de xenofobia. Eu acho que foi uma situação sobre várias coisas. Preconceito, racismo, enfim. Eles acabaram pegando um pouco mais no meu pé, pedindo documentos que eles não pediram pra minha amiga que é branquinha, de olho verde. E comigo, eles ‘encucaram’ muito mais. Fizeram eu reconhecer firma em cartório de documentos que não eram obrigatórios, para comprovar, principalmente, que eu tinha condições financeiras de me manter em outro país. Sendo que para outras pessoas, eles não pediram esses documentos. Mas comigo, sim. E eu sei por quê? Não, mas a gente imagina todo o contexto. Porque, de fato, eu fui atendido por pessoas que não eram brasileiras e estavam lá trabalhando no consulado, na Embaixada. Mas tirando isso aqui, de fato, na Espanha eu não sofri nada.

Tainá: Para finalizarmos, quais dicas ou conselhos você daria para quem está planejando fazer intercâmbio na Europa?

André: Primeiro de tudo: tenha uma reserva, um planejamento financeiro muito bem definido. Você precisa se preparar por meses e dedicar uma parte do seu dinheiro para o intercâmbio, sabe? Se você tem a chance de ter seus pais te ajudando com isso, ótimo. Não foi o meu caso. Basicamente aqui tudo sou eu que estou pagando, então eu estou entendendo, na pele essa parte de planejamento financeiro e a vida adulta, de fato. Principalmente se o destino for na Europa, porque o real acaba sendo mais desvalorizado em relação ao euro. Mas, se você também conseguir arranjar trabalhos por aqui, é ótimo, porque as coisas não são caras caso você receba em euro. Outro conselho também é você conhecer bem a cidade para onde você está indo, porque aqui, por mais que as cidades sejam bem próximas umas das outras aqui, cada cidade tem sua cultura, tem seus costumes muito bem definidos, tem regras, tem leis muito diferentes, às vezes, do Brasil. Por exemplo, aqui na minha cidade se uma pessoa está sem cinto de segurança no carro, quem leva a multa é a pessoa que está sem cinto de segurança e não o motorista, como acontece no Brasil. Tem várias cidades aqui da Espanha que você não pode comer ou beber no meio da rua, senão você leva multa. Enfim, vários costumes que é bom você ter uma noção antes de você chegar em outro país. Ah, e um conselho extra aqui, que serviu muito pra mim é que você tá chegando em um país totalmente desconhecido, mas que cabe a você resolver as coisas. Principalmente se você tá chegando sozinho e se é a sua primeira vez indo para um país diferente. E aquela expressão de “quem tem boca vaia Roma”, é você realmente ter muita cara de pau, no sentido bom. Você não ter vergonha de conhecer novos lugares, de falar com as pessoas que você nunca nem viu na vida, puxar ali um papo. Porque você vai precisar ter esse apoio. Você vai precisar conhecer pessoas. Então não tenha vergonha pense que é uma nova experiência, são novas aventuras que você está enfrentando na sua vida. E que a vergonha, na verdade, só vai te atrapalhar. Então que você seja um pouco cara de pau, que você não tenha vergonha de perguntar. Eu já pedi para um desconhecido rotear internet pra mim. Até com taxista, já puxei papo para conhecer um pouco da cidade. E esse é o momento de você realmente explorar as mil e uma possibilidades que o intercâmbio traz. Pra você não se sentir acanhado com isso e realmente se jogar dentro dessa experiência, sabe?

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