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Imagem: História do mundo (historiadomundo.com.br)

Desde a colonização portuguesa no Brasil, a população negra foi submetida a escravidão, que perpetuou a marginalização e a exclusão social. Ao longo dos séculos, a comunidade negra se organizou e lutou por seus direitos, conquistando importantes marcos como a abolição da escravidão em 1888.

No entanto, a abolição formal da escravidão não significou o fim do racismo e da desigualdade racial no Brasil. As estruturas racistas persistiram, relegando a população negra a uma posição de subalternidade na sociedade. Diante desse cenário, os movimentos negros se fortaleceram e se reinventaram ao longo do século XX, buscando combater o racismo em suas diversas formas e construir uma sociedade mais justa e igualitária.

Com o advento da internet no Brasil, os movimentos negros tiveram a oportunidade de amplificarem suas vozes, denunciarem o racismo de forma mais abrangente e construíssem redes de apoio e solidariedade.

De volta ao passado

Imagem: UOL

O movimento negro no Brasil surge na época da escravidão. Como forma de se defender das violências e injustiças praticadas pelos escravocratas, os negros escravizados se uniram para buscar formas de resistência. Ao longo do tempo, o  o movimento negro se fortaleceu e foi responsável por diversas conquistas desta comunidade injustiçada, cujos reflexos das políticas escravocratas ainda são visíveis na sociedade atual.

Surgindo de forma clandestina e precária, o movimento negro no Brasil teve nomes importantes que impulsionaram o movimento. O mais conhecido é o Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo dos Palmares que comandou a resistência do quilombo contra os ataques portugueses no século XVII.

Pouco tempo depois, o Movimento Liberal Abolicionista passa a ganhar força, desenvolvendo a ideia de fim da escravidão e comércio de escravos. Como resultado, foi promulgada a Lei Áurea, dando início ao fim do longo período de escravidão. A população negra enfrenta um novo desafio: a luta contra o preconceito e a desigualdade social.

Nas décadas de 1970 e 1980, diversos grupos são formados com o intuito de unir os jovens negros e denunciar o preconceito. Protestos e atos públicos das mais diversas formas passam a ser realizados, chamando a atenção da população e governo para o problema social, como a manifestação no Teatro Municipal de São Paulo, que resultaria na formação do Movimento Negro Unificado.

A Marcha Zumbi, realizada em Brasília em 1995, contou com a presença de 30 mil pessoas, despertando a necessidade de políticas públicas destinadas aos negros, como forma compensatória e de inclusão nos campos socioeducativos. Com dados alarmantes do IBGE e IPEA , um decreto do presidente Fernando Henrique Cardoso instituiu o Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorização da População Negra.

Porém, a instauração de medidas práticas passa a ser realizada só após a Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatadas de Intolerância (Durban, África – 2001). A partir desse momento, o governo brasileiro passa a ter interesse em demonstrar, efetivamente, o cumprimento de resoluções determinadas internacionalmente pelos órgãos de Direitos Humanos.

Desse momento em diante, são criados programas de cotas raciais, iniciativas estaduais e municipais, e em 2003, a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (SEPPIR).

MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO

Imagem: mnu.org

Pioneira na luta e conquistas da população negra no Brasil, o Movimento Negro Unificado (MNU) nasceu em meio à ditadura militar, em 1978, e é marcada por uma manifestação que reuniu milhares de pessoas em frente ao Teatro Municipal de São Paulo.

A pauta principal do movimento é o fim da discriminação racial no país e isso já estava demarcado no momento de seu nascimento. O movimento reuniu diversos jovens que foram às ruas pedir o fim da violência policial, do racismo nos veículos de comunicação, no regime militar e no mercado de trabalho.

Contexto atual

A internet se tornou uma ferramenta crucial para os movimentos negros no Brasil, impulsionando o empoderamento individual e coletivo, combatendo o silenciamento histórico e promovendo a visibilidade das suas pautas. Essa transformação digital possibilitou novas formas de engajamento, mobilização, organização e amplificação da luta antirracista, tornando-se um aliado fundamental na busca por uma sociedade mais justa e igualitária.

Um dos principais impactos da internet na luta antirracista foi a democratização do acesso à informação. Pessoas negras de todo o país puderam ter acesso a conteúdos informativos sobre seus direitos, à história da negritude, a casos de racismo e a diversas mobilizações antirracistas. Essa democratização do conhecimento contribuiu para o empoderamento individual e coletivo, combatendo o silenciamento histórico da comunidade negra e promovendo a construção de uma narrativa própria sobre sua história e identidade.

Para falarmos sobre o tema, o LN conversou com Rácio Danilo, acadêmico de direito da Universidade Estadual do Piauí (UESPI) e integrante do grupo de pesquisaLer o Brasil: Um olhar sobre a Negritude”, coordenado por professoras da instituição.

LN: De que forma a internet se tornou uma ferramenta de engajamento e mobilização para os movimentos negros?

A internet permitiu justamente o encurtamento de distâncias e, consequentemente, principalmente pelo advento das ferramentas de comunicação virtual, permitiu o cruzamento de informações do Brasil e obviamente em âmbito internacional de pessoas que trabalham e que estudam e quem tem engajamento na causa negra.

A internet é uma ferramenta de engajamento nesse sentido: de permitir o cruzamento de informações, a captura de dados e, obviamente, a união de forças de pessoas que militam ou que atuam na causa negra.

Rácio Danilo

LN: Você acha que a internet contribui no combate ao racismo? De que forma?

Tem dois viés: primeiramente, pode contribuir principalmente na produção e divulgação de pesquisas, conhecimentos, como por exemplo, a minha pesquisa de TCC, que trabalha a questão da seletividade penal e criminalização do negro da evolução do negro da condição de objeto à condição do sujeito sobre perspectivas pré-colonial. Então, a internet contribui nesse sentido de auxílio de munição do negro de conhecimento. De saber se identificar na sociedade, porque ainda há uma grande carência nesse sentido de Identificação do negro enquanto negro. Então, contribui nesse sentido e ao mesmo tempo na questão da popularização de episódios racista. Isso faz com que a sociedade passe a ter uma consciência mais crítica sobre a questão racial. A internet, nesse sentido, favorece, mas ao mesmo tempo dificulta, principalmente pela divulgação ou pela massificação de políticas contrárias, de ideologias contrárias, ideologias que, às vezes, não contribuem para a evolução da causa Negra e consequentemente contribuem para permanência, na verdade, do racismo tanto estrutural quanto e outras formas de racismo.

LN: A internet fortalece a comunidade negra e ajuda na criação de espaços de apoio mútuo?

Essa eu acho que posso responder positivamente, uma vez que é um exemplo esse grupo de pesquisa que eu participo [Meu Brasil, um olhar Negritude] que não só pessoas da nossa cidade que trabalham ou atuam nas regiões próximas de Corrente [Piauí] e regiões circunvizinhas, como Oeste baiano, mas também é permitido, em razão desses encontros híbridos, acessos de pessoas de todo o Brasil. E outros movimentos, como o Movimento Negro Unificado, os grupos de pesquisas de universidades estaduais e federais, tudo isso favorece a criação de espaços de apoio mútuo, um dos um dos principais elementos desses espaços de apoio mudo é a questão da Identificação do negro. O negro saber que ele é negro, saber dos seus direitos e saber que há uma diferença na sociedade da igualdade formal para a igualdade material. A igualdade formal é aquela que a Lei Seca prevê (todos são iguais perante a lei) e a igualdade material refere-se à igualdade de acesso às oportunidades, a igualdade de tratamento que é na prática a igualdade no fornecimento de oportunidades, por exemplo, de iniciativas como o empreendedorismo negro que existe em comunidades negras, que já atuam nesse sentido. Então a internet fortalece essa comunidade para reunir pessoas que têm interesse e que estudam e militam na causa.

LN: Quais os principais desafios que os movimentos negros enfretam na internet?

O principal desafio é um desafio histórico, que é a questão do silenciamento. As ideologias dominantes (ideologias derivadas de um processo colonizador), como alguns autores falam que tem as perspectivas universalistas que é derivado dessa colonização europeia. Então, quando há esse movimento de silenciamento através da divulgação dessas perspectivas universalistas daquele homem branco hétero de classe alta, tudo isso favorece ao silenciamento da causa negra. Por exemplo, antes da abolição formal. Porque não houve abolição material da escravidão é uma abolição formal da escravidão, havia um processo de escravidão racista bem mais feroz e agressivo, Inclusive com a mutilação e com a exploração da população escravizada da população negra, com o passar do tempo permaneceu essas práticas porém de maneira mais subliminar. Então, com a internet isso não foi diferente, permanece os intentos contra a causa negra, permanece os ataques, porém de uma maneira mais sublime, de uma maneira mais silenciosa. Então, um dos principais desafios é a quebra dessa barreira de racismo silencioso, de racismo subliminar, principalmente por grupos organizados que não apoiam, que não compreendem os intentos, que não compreendem os direitos do movimento negro.

Por outro olhar

De acordo com a professora do curso de jornalismo da Universidade Federal de Goiás (UFG), Mariza Fernandes, a internet é um potencializador de discursos, e tanto discursos racistas como anti-racistas ganham espaço na internet e o que importa é como os grupos conseguem se organizar para usar esse espaço e usar as mídias digitais e a internet para levar o discurso antirracista.

Mariza afirma que um dos principais desafios que o movimento negro enfrenta na internet é o processo de algoritmização da sociabilidade na internet. Um conteúdo que você curte, o algoritmo cria um “movimento” para aparecer mais conteúdo relacionado àquele assunto.

Isso dificulta que esses discurso saia da bolha de pessoas que já tem interesse nele e vá atingir de fato as pessoas que não estão conscientes sobre a questão racial e que tem um conhecimento muito raso, muito pautado por estereótipos. Acaba que, a forma como as as redes sociais funcionam hoje, dentro da lógica de algoritmo, dificulta que esse discurso de fato alcance as pessoas que precisa alcançar

Mariza destaca que apesar da grande massificação da internet, não podemos deixar de frisar que a as vozes foram ampliadas, mas que elas apenas têm dificuldade de reverberar no contexto de construção de bolhas pelo algoritmo.

A professora conta que a internet teve um papel fundamental no processo de reconhecimento como uma pessoa negra: “Eu sou de uma geração que foi muito marcada pelo alisamento de cabelo durante a adolescência. Eu passei por esse processo e decidi parar de alisar o meu cabelo por conta do trabalho das blogueiras negras e de ter visto outras personalidades negras com cabelo crespo, como Taís Araújo na novela das oito com cabelo crespo. Foi uma figura que marcou muito a minha geração. Então, a internet ajudou muito nesse processo de construção da autoestima”, afirma Fernandes.

A internet permite ter acesso a outros grupos e outras pessoas que fazem esses discursos positivos e que buscam estudar e compreender melhor a questão racial no Brasil.

Meios e alternativas

Apesar de a internet contribuir na propagação de informação, ainda existe um grande desafio para os grupos de ativismo negro devido há vários anos de enfrentamento de estereótipos negativo e marginalização.

Uma forma de contribuir com esses movimentos e garantir uma visibilidade positiva é acompanhar criadores de conteúdos negros que pautam a visibilidade e indentificação negra. Acompanhar sites como o Instituto do Negro de Alagoas e o Instituto Alma Preta Jornalismo porque são assuntos falados por negras e que sabem quanda há a falta de algo importante.

A internet é o futuro. A gente percebe que a internet está em constante evolução e consequentemente o seu acesso se tornando mais democratizado e virtualizando e divulgando as informações referente as lutas dos movimentos negros

“O acesso à informação permite essa unificação do negro em movimentos que defendem a causa negra, que estuda e compreende qual os interesse da causa negra. Tudo isso é facilitado através da internet. A  internet vai ser esse meio de comunicação, esse meio de integração aí na luta dos movimentos negros, não só no futuro, mas já está sendo essa ferramenta aí de intersecção”, Afirma Rácio.

A  internet permite o acesso ao conhecimento e o conhecimento é libertador. Portanto, a internet na luta antirracista teve esse impacto de permitir a minha identificação e de permitir que eu consiga alcançar outras pessoas através da divulgação do conhecimento.

Outra forma de garantir a visibilidade positiva dos movimentos negros seria por meio do protagonismo coletivo. Ter negros não somente em posições de representatividade, mas garantir uma base sólida à esses representantes.

Temos que ter negros em posições de representatividade, não só representatividade no Congresso Nacional, representatividade nas escolas, aprender a atividade nas universidades, mas permitir que tais representatividades tem uma base sólida. Trabalhar iniciativas que favoreça a formação do negro para chegar até esses espaços.

A valorização do protagonismo coletivo através de iniciativas que prezam pela conservação e pelo empoderamento negro facilitam o acesso aos espaços de poder e o acesso aos espaços de representatividade consequentemente. São iniciativas, são ferramentas eficazes para garantir essa visibilidade do movimento negro. Só lembrando e frisando mais uma vez que temos que garantir o protagonismo coletivo através do fornecimento de subsídios de ferramentas que auxiliam na formação e na integração do negro aos espaços de poder.

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