Não há conforto em ‘Abraço de Mãe’

Entre subgêneros do terror, longa-metragem nacional traz ameaça cósmica e traumas familiares
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Trailer de “Abraço de Mãe”, filme disponível na plataforma de streaming Netflix

“Pais só querem que seus filhos não sofram”. Essa frase, dita durante o filme Abraço de Mãe, representa a paternidade como algo que protege sua prole dos perigos, mas o que significa isso quando a sua ideia de proteção é o que causa o verdadeiro sofrimento?

No filme que chegou ao catálogo da Netflix no último dia 23, Ana (Marjorie Estiano) é uma bombeira que volta à atividade pela primeira vez desde seu colapso, consequência de uma notícia sobre a sua mãe Cristina (Chandelly Braz), durante um dos maiores temporais da história que atinge o Rio de Janeiro. Na companhia de sua equipe, a protagonista recebe um chamado para evacuar um antigo casarão que está em risco de desabamento. Entretanto, a missão é mais difícil do que parece, já que o local está repleto de idosos que são contrários ao abandono de seu lar.

Chandelly Braz como Cristina em “Abraço de Mãe” (Reprodução: Lupa Filmes)

O longa-metragem, dirigido pelo argentino Cristian Ponce, navega pela dor de Ana, traumatizada por um episódio relacionado à figura materna, através dos mais variados espectros do terror. Não traz apenas a tensão do terror cósmico, mas também elementos de horror sobrenatural, fantasmagórico e de culto, ainda com uma forte presença do psicológico. Ter uma obra que explora o cinema de gênero de forma tão consistente e ampla é uma grata adição à prateleira cinematográfica nacional, ainda tão dominada pelo drama e pela comédia.

Assim, essa é mais uma aventura do diretor e roteirista pelo subgênero ainda não tão explorado nem em território latino, nem nas obras hollywoodianas. Enquanto no seu outro longa, “História do Oculto” (2020), a ameaça era mais contida, nesse vemos a criatura mais explicitamente. A categoria tem como marca o medo gerado pelo externo e desconhecido, com criaturas que vão além da compreensão humana. Tal aspecto é bem extraído em “Abraço de Mãe” e mostra como Cristian Ponce pode caminhar para se consagrar como um grande representante do cosmicismo na sétima arte, ainda tão enraizada nas adaptações dos livros de H.P. Lovecraft.

E por falar no escritor americano, logo no início somos apresentados a um adesivo com um desenho infantilizado de polvo. Na hora, o que pode vir à mente são os tentáculos de Cthulhu, entidade cósmica lovecraftiana, e ao longo do filme, esse leve aceno à criação do autor vai se tornando ainda mais evidente.

Mas para além de perigos sobrenaturais, o longa também consegue trabalhar de forma primorosa as ameaças terrenas. Talvez sua principal potência esteja justamente no suspense e no horror psicológico, pois a trama apela mais para uma atmosfera angustiante no lugar de jump scares fáceis. Ao ter uma seita religiosa como pano de fundo, o medo fica mais palpável e verossímil, despertando o pavor por algo que realmente poderíamos ter contato.

O que comove (e move) “Abraço de Mãe” já está no título. A ânsia de Ana pelo conforto que nunca encontrou, nem mesmo nos braços da pessoa que deveria protegê-la de todo o mal. Inclusive, com esse abraço sendo a origem de seus pesadelos. Com todos os perigos externos, o que realmente amendronta é a maternidade.

No entanto, a grande responsável por fazer o filme acontecer é a sempre brilhante Marjorie Estiano. Na sua segunda vez protagonizando uma obra de terror, a atriz se encaminha para o título de scream queen, ou melhor: a Rainha do Grito do Brasil. Com uma participação mais prolongada do que na sua outra passagem pelo gênero, no misto entre maternidade e licantropismo que forma “As Boas Maneiras”, de Marco Dutra e Juliana Rojas, Marjorie ainda tem mais um lançamento com o diretor Marcos Dutra: “Enterre seus Mortos”, que conta também com Selton Mello no elenco.

Em resumo, nem mesmo o final seguro consegue estragar a experiência desse filme, que não entrega tudo mastigado para o espectador e se torna uma obra a se pensar. Espera-se, após esta longa-metragem, que mais portas sejam abertas para a exploração do horror nacional, principalmente com recursos tão bem utilizados quanto os exibidos aqui.

Esse texto foi produzido pela equipe do Correio Cultural, de autoria de Hayane Bonfim e revisão de Isis Borges.

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