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Há quase nove anos, as vítimas do rompimento da barragem do fundão em 2015, ainda lutam por justiça após perderem famílias, casas e um distrito inteiro
Na segunda-feira do dia 21 de outubro, começou o processo de julgamento da empresa BHP, responsável pela maior tragédia ambiental do Brasil: o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana. A barragem pertencia à mineradora Samarco em parceria com a BHP Brasil e a mineradora Vale.
O julgamento acontece na Corte de Tecnologia e Construção de Londres, na Inglaterra e visa determinar a responsabilidade da mineradora anglo-australiana BHP sobre o desastre que aconteceu em 2015 na cidade de Mariana, em Minas Gerais, resultando na morte de 19 pessoas. A previsão é que o julgamento se estenda até março de 2025.
Segundo o escritório de advocacia Pogust Goodhead (PG), que representa os demandantes, mais de 620 mil pessoas estão processando a mineradora por causa do desastre. Além disso, 46 municípios e cerca de 1,5 mil empresas participam também da ação.
De acordo com a PG, ainda não há definição de valores de indenizações, mas a equipe do escritório estima que os valores a serem pagos às vítimas do rompimento girem em torno de R$ 260 bilhões, o que seria considerado o maior valor da história da Justiça Britânica e uma das maiores do mundo.
Julgamento
A primeira fase das audiências começa com as declarações iniciais dos advogados de ambas as partes. Após isso, serão ouvidas testemunhas da BHP Brasil.
A próxima etapa é com os especialistas em direito ambiental, societário e de responsabilidade civil, convidados tanto pela BHP quanto pela PG, explicarem à Justiça Britânica como funcionam as leis brasileiras.
Depois disso, especialistas na área de geotecnia explicarão detalhes técnicos sobre o incidente. Por fim, as audiências se encerram com a sustentação oral dos advogados dos autores da ação e da BHP. A previsão é que a justiça britânica leve até três meses para divulgar a decisão final.
Cronograma previsto para o julgamento:
- 21 a 24 de outubro: declarações iniciais de ambas as partes
- 28 de outubro a 14 de novembro: interrogatório das testemunhas da BHP;
- 18 de novembro a 19 de dezembro: oitiva de especialistas em direito civil, societário e ambiental brasileiro;
- 20 de dezembro a 13 de janeiro: recesso;
- 13 a 16 de janeiro: oitiva de especialistas em questões geotécnicas e de licenciamento;
- 17 de janeiro a 23 de fevereiro: preparação das alegações finais;
- 24 de fevereiro a 5 de março: apresentação das alegações finais.
Conversa com especialista
O LN conversou com o advogado especialista em direito ambiental Victor Alencar a respeito de como funciona o processo de julgamento relacionado ao rompimento de barragens.
LN: Quais os principais pontos da legislação ambiental brasileira que regulam a segurança de barragens e de que maneira a empresa responsável pelo rompimento teria desrespeitado essas normas?
Atualmente, a nível federal, a lei de maior relevo em vigor é a Lei nº 12.334 de 2010, que institui a Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB) e cria o Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens.
De início, a norma trata especificamente sobre parâmetros de segurança pertinentes à instalação de barragens, o que era tratado apenas de forma esparsa pela legislação até então existente. Tanto a legislação ambiental (Direito Ambiental) quanto a legislação minerária (Direito Minerário), tratavam do assunto mediante normas gerais que impõe a todo empreendimento ou atividade, o licenciamento ambiental prévio e o requerimento prévio de lavra minerária.
Quanto ao licenciamento ambiental, a empresa deve apresentar projetos e estudos que comprovem a segurança da atividade e de suas estruturas, de modo a prever os impactos ambientais previstos e amenizá-los, bem como prevenir desastres como os que ocorreram.
Em verdade, as normas atualmente em vigor sequer permitem a construção ou o alteamento de barragem de mineração pelo método a montante, como foi o caso da Barragem de Fundão, em Mariana. Entende-se por alteamento a montante a metodologia construtiva de barragem em que os diques de contenção (as “paredes” que fazem a contenção do resíduo de mineração) se apoiam sobre o próprio rejeito ou sedimento previamente lançado e depositado.
Em suma, as “paredes” da estrutura são aumentadas progressivamente em “espessura” e “verticalmente”, utilizando o próprio rejeito de minério, lançando-o na parte interna da estrutura.
Além disso, o processo aponta desrespeito à regularidade na realização de inspeções, ausência de técnica adequada na elaboração de projetos e planos de segurança e de emergência e até mesmo foram apontados indícios de fraude em alguns desses documentos.
LN: Em processos de grandes desastres ambientais, como é determinada a extensão da responsabilidade penal e civil das empresas envolvidas? Que fatores são considerados nesse cálculo?
De acordo com a nossa legislação em vigor, todos os que colaboraram de qualquer forma para a ocorrência do resultado devem arcar com a reparação dos danos e a indenização do que não puder ser reparado. Tal responsabilidade afeta o patrimônio de pessoas jurídicas envolvidas, podendo se estender ao patrimônio pessoal de seus sócios, bem como de qualquer pessoa física envolvida, a exemplo dos técnicos e profissionais eventualmente envolvidos e, por fim, os órgãos públicos de fiscalização e controle que se omitiram de qualquer forma no exercício de suas funções.
Quanto à responsabilidade penal, todo aquele que participou da ocorrência do dano será punido na medida de sua culpabilidade, ou seja, a pena será apurada proporcionalmente à relevância de sua participação, podendo ser apurada na modalidade dolosa, quando for comprovada intenção de causar o dano ou que conscientemente tenha assumido o risco de que o resultado ocorresse, ou podendo ser apurada na modalidade culposa, quando o agente, mesmo não desejando o resultado, agiu de forma negligente, foi imperito ou se omitiu no dever que lhe cabia.
Para apurar a extensão das responsabilidades, durante a tramitação do processo, seja cível ou penal, são realizadas perícias, ouvidas testemunhas, apurados documentos e realizado interrogatório das partes envolvidas, além de outras investigações que eventualmente se mostrem necessárias.
LN: Como a defesa e a acusação geralmente abordam o cálculo dos danos ambientais em casos como o de Mariana, e quais critérios devem ser atendidos para que a compensação financeira e ambiental seja considerada adequada?
A defesa técnica dos acusados se valerá de contraprovas às provas produzidas pela acusação, utilizando-se de profissionais legalmente habilitados, para contestar eventuais equívocos ou desproporções que constatarem. Além disso, a defesa poderá produzir suas próprias perícias, arrolar testemunhas, apresentar todo e qualquer documento em seu favor.
A regra processual geral é de que a comprovação dos fatos está a cargo de quem os alega, ou seja, quem propõe a ação deverá produzir provas que darão suporte a todas as alegações, incumbindo à defesa contestar tais alegações utilizando-se de meios de prova a seu dispor.
LN: Quais são as implicações legais para uma empresa no cumprimento de Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) em desastres de grande porte? Como esses acordos impactam o julgamento final?
O Termo de Ajustamento de Conduta é um instrumento que visa por fim à lide, ou seja, tem como objetivo chegar a uma solução negociada que dê uma resposta adequada ao problema apresentado. Podem ser estabelecidas obrigações de pagar (indenizações) e/ou obrigações de fazer, que consistem em execução de projetos e estudos visando a recuperação do dano ambiental causado ou dos danos causados a uma coletividade.
Em caso de descumprimento das obrigações assumidas, os signatários estarão à mercê de graves penalidades financeiras, sem contar que o processo seguirá direto para a chamada “fase de execução”, na qual não será possível levantar as mesmas teses de defesa e acessar os mesmos recursos que estariam disponíveis, caso o TAC não fosse celebrado.
Em suma, o TAC servirá como um título executivo, basicamente discutindo-se apenas o valor a ser pago e as obrigações serão executadas de forma forçada, mediante ordem judicial.
Indenização
Se a empresa BHP for condenada a pagar indenização, a acionista brasileira da Samarco, a Vale, vai arcar com metade do custo. Em julho, as duas companhias fecharam um acordo que, em caso de condenação em qualquer um dos processos, vão dividir igualmente entre si os valores devidos.
Além da ação no Reino Unido, há uma outra ação em andamento na Justiça holandesa em que a empresa Vale é a ré. Nesse caso, os atingidos pedem mais de R$ 18 bilhões em indenizações.
A BHP afirmou que “refuta as alegações acerca do nível de controle em relação à Samarco, que sempre foi uma empresa com operação e gestão independentes. Continuamos a trabalhar em estreita colaboração com a Samarco e a Vale para apoiar o processo contínuo de reparação e compensação em andamento no Brasil”.
As companhias (BHP e Vale) argumentam que a ação legal no Reino Unido é “desnecessária, pois duplica questões já cobertas pelo trabalho existente e em andamento da Fundação Renova e outros procedimentos legais no Brasil”.
A Fundação Renova, criada pelas duas companhias (BHP e Vale) para a reparação dos danos causados pela tragédia, afirma já ter destinado mais de R$ 37 bilhões às ações.
O que aconteceu
Em 5 de novembro de 2015, a barragem de Fundão, localizada no município de Mariana, Minas Gerais, se rompeu, liberando cerca de 60 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração.
Essa lama tóxica devastou o distrito de Bento Rodrigues, causando a morte de 19 pessoas e um rastro de destruição que se estendeu por centenas de quilômetros, atingindo o Rio Doce e chegando até o Oceano Atlântico pelo estado do Espírito Santo.
A lama contaminou rios e causou danos ao ecossistema local. A qualidade da água foi comprometida, afetando o abastecimento de cidades e a pesca. Além disso, milhares de pessoas perderam suas casas, bens e seus meios de subsistência. A economia local, especialmente a agricultura e o turismo, foi fortemente impactada.
Ferramentas de IA utilizadas
Gemini: Usado para resumir o caso da barragem de Fundão no intertítulo “O que aconteceu”.
PinPoint: Usado para transcrever os áudios da entrevista no intertítulo “Conversa com especialista”.