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A Organização das Nações Unidas (ONU) publicou no último dia (25) um anuário que revelou aumento da violência contra a mulher no mundo. Segundo os dados divulgados mais de 51 mil mulheres foram mortas por seus parceiros ou membros da família em 2023. É o equivalente a 140 mulheres mortas todos os dias. O documento foi publicado no Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a mulher.
“A violência contra as mulheres é uma manifestação perversa fruto da discriminação e da desigualdade de gênero. Para além das consequências humanas imensuráveis que ela traz, tal violência impacta em elevados custos para os serviços de atendimento, incluindo a saúde, a segurança e a justiça. Investir na prevenção e na erradicação da violência contra as mulheres e meninas é muito menos custoso do que tem nos custado a falta de ação”, disse Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres para o site da ONU Mulheres Brasil.
Quando falamos de violência contra mulher, pensamos apenas em agressões físicas. No entanto vão muito além disso, podendo ser psicológica, sexual, moral ou patrimonial. A Lei Maria da Penha, dispositivo legal que dispõe a favor da punição de agressores em casos de violência doméstica, discrimina cinco tipos de atitudes que podem ser praticadas contra as mulheres.
- Violência física: é a agressão física, o atentado contra a integridade física, podendo ou não resultar em lesão corporal;
- Violência psicológica: ações que causem danos psicológicos à mulher, como ameaças, chantagem, humilhação, perseguição e controle;
Violência sexual: é um tema delicado. A nossa sociedade vê a violência sexual apenas como o estupro praticado por um maníaco sexual. No entanto, ela é algo mais amplo, e o estuprador ou o criminoso sexual podem ser qualquer homem que: obrigue e coaja mulheres a participarem ou presenciarem relações sexuais; pratique assédio sexual; impeça a mulher de usar contraceptivos; retire o preservativo durante o ato sexual sem que a mulher perceba; induza uma mulher a praticar aborto sem que seja da vontade dela; exponha e divulgue imagens íntimas da mulher; e explore a mulher sexualmente por meio da prostituição;
Violência moral: quando a imagem da mulher é atacada, por sua condição de mulher, por meio de calúnia e difamação;
Violência patrimonial: quando a mulher tem seus bens restringidos, subtraídos ou controlados pelo homem, retirando-se dela a liberdade financeira.
A Lei Maria Da Penha cria mecanismos para proteger a mulher da violência doméstica e familiar. Está estruturada em 46 artigos distribuídos em sete títulos que estabelecem a quem a lei se destina: medidas de prevenção e assistência; medidas protetivas de urgência e criação de equipamentos públicos, como casas de acolhimento e delegacias especializadas.
Foi através da Lei criada pela Maria Da Penha que foi sancionada em 7 de agosto de 2006, que grandes ações foram e são tomadas todos os dias. Como exemplo disso, temos:
- Prisão dos suspeitos de agressão;
- A violência doméstica passar a ser um agravante para aumentar a pena;
- Não é possível substituir a pena por doação de cesta básica ou multas;
- Ordem de afastamento do agressor à vítima e seus parentes;
- Assistência econômica no caso da vítima ser dependente do agressor.
Aline Chagas que é administradora de empresas e foi vítima de um caso de violência psicológica, conta como começaram, as situações enfrentadas e como “superou” esse momento difícil.
Ela conta que conheceu a pessoa no trabalho, ele a abordou no local e pediu o seu Instagram e assim tudo começou.
“Comecei a sair mesmo com ele a partir do mês de março, às vezes via, às vezes não. A princípio achei meio estranho porque a pessoa vivia se oferecendo para vir me buscar na minha casa, me chamando para sair… Achei melhor não mostrar onde morava e no dia que decidi sair, fui buscá-lo em casa. Daí depois disso ele começou a me pressionar para conhecer minha família e tudo desandou após ele conhecê-la, porque de início ele me chamou para ir morar com ele, mas eu disse que só iria quando eu estivesse casada, porém foi mais uma tentativa de me livrar dele mesmo e logo que eu falei isso, ele mudou a tentativa, começou a dizer que queria casar, ter filhos. Isso nunca me prendeu e nunca me interessou”, diz Aline.
Ela diz que na primeira vez que ele conheceu a sua família, ele fingiu muito bem, fingiu ser uma pessoa excelente e todos gostaram. Mas com o passar do tempo, como eles tinham religiões diferentes, começou a confrontar a mãe dela dentro de casa. “Nós tínhamos crenças diferentes, então ele debatia com ela aqui. Aí ela [mãe da Aline] disse um dia que reparou que enquanto eles estavam conversando, ele ficou nervoso porque eu estava mexendo no celular e rindo de uns vídeos que estava vendo e ela comentou que viu ele mudar a fisionomia, ficou bem nervoso. Ele sempre me cobrava em questão de colocar fotos nas redes sociais, eu não tinha liberdade de decidir se queria ou não“, relata.
Pergunto em relação a violência psicológica, como afetou o seu relacionamento com seus amigos e o seu trabalho, ela diz: “Chegou um tempo que eu parei de sair com o pessoal da empresa para almoçar, então eu ficava só lá, sempre ia dormir para não ter problemas com essa pessoa. Pensa, você ir para um restaurante, senta e começa a receber um monte de mensagens uma atrás da outra, então você não tem como interagir com as pessoas, porque aquela pessoa se sente incomodada e aí ela acha que você tem que sair somente com ela, que sair com os seus colegas de trabalho, está aprontando. Um dia ele chegou a me questionar porque havia passado um batom vermelho, se era para arrumar homem. Na cabeça dele um batom era para realizar uma traição: até nisso eu era regrada“
Questiono a ela sobre o apoio da sua família e do seu ciclo de amigos para realizar a denúncia, ela compartilha que não houve apoio do meio familiar, pois eles achavam que o problema estava nela
“eu só tive o apoio a partir do momento que o esposo de uma amiga minha que é policial, puxou o nome completo e viu que ele já tinha uma maria da penha, aí sim minha família começou a me apoiar a denunciar. Porque até então havia terminado com ele, mas as pessoas atribuíam que eu era uma pessoa problemática, tinha que deixar assim e que se denunciasse poderia piorar, as pessoas têm essa visão de que a denúncia faz com que piore, porém eu acho que ruim mesmo é aguentar isso sem nenhum respaldo na lei“
Em relação a denúncia pergunto quando ela tomou a iniciativa de realizar
“Resolvi tomar a iniciativa dia 12 de janeiro porque eu bloqueei ele em todas as redes sociais, mas por e-mail bloqueava e ele sempre criava um novo. Recebi um dizendo que precisava de uma explicação, daí ele mandou uma mensagem dizendo que estava na porta da minha casa e iria me esperar até o horário que eu iria sair do trabalho, pois eu tinha que explicar o porque do término, que ninguém termina desta forma… Mas assim, ele falou que estava na minha porta e quando puxei as câmeras, no momento em que eu vi, passou um carro. Minha rua tem formato da letra u e passou de um lado como se tivesse deixado alguém aqui na porta mesmo, eu acredito que sim, ele veio, mas hoje em dia alega que não, mas exatamente no horário que eu recebi a mensagem dele falando que estava aqui na porta, fiquei extremamente assustada, pois já sabia da [denúncia pela lei] maria da penha e em um certo momento, ele confessou que já foi usuário de drogas, então não poderia confiar”.
Aline comenta também que achou um absurdo a própria delegacia da mulher ter instruído ela a bloquear um e-mail, como se ela fosse alguém sem instrução.
“A questão era que eu bloqueava, só que ele sempre fazia um novo, as pessoas pensam que a única pessoa que é ameaçada e que sofre a violência, não tem instrução e as coisas não são assim. A Guarda Municipal foi destinada a ir na minha casa, me ensinar a baixar o aplicativo para acioná-la caso ele aparecesse na porta, mas assim, eles iam no meu horário de trabalho na minha residência, eles tinham que ter pego o endereço do meu trabalho para falarem comigo, porém não, eles iam na minha casa e é claro que eu não estaria, porque eu estava trabalhando, então eles pecaram muito nesse quesito”.
Após essas situações, Aline relata que desenvolveu bloqueios para ter relacionamentos
“É um sentimento que não passou, eu iria sair com uma amiga minha esses dias e eu já estava me preparando para caso qualquer pessoa chegasse perto de mim, eu falasse não. Eu fui ensaiando já, “não, eu não quero, não passe o meu número”, então acaba que a gente fica traumatizado. Hoje em dia eu não dou abertura para outras pessoas e chega em um momento em que não estamos dispostos a testar”.
Ela aconselha outras mulheres a denunciarem e ressalta a importância de realizar a denuncia na primeira agressão
“Vá até a delegacia, faça a denúncia, busque ir até o final, faça terapia pois é extremamente importante, depois que você passa por isso é necessário um acompanhamento médico, psiquiátrico e psicológico. E assim, eu só fiz a minha Maria Da Penha, porque alguém lá no passado teve a coragem de ir e fazer, e eu acabei indo e fazendo a minha também”.
Segundo um estudo feito para a A Revista de Psicologia, a violência de gênero é um processo histórico que, como descreve Saffioti (2008), continua se reproduzindo no tempo presente através do controle, dominação e exploração de um sistema patriarcal e capitalista. A problemática da violência contra mulher no Brasil demonstra como a sociedade tradicionalmente vem favorecendo situações de opressão e silenciamento em mulheres vítimas da violência.
Na pesquisa, realizada por Vasconcelos e Cavalcante (2019), revela-se a banalização da violência, principalmente com mulheres, com isso, é considerado como catalisador das agressões o silenciamento devido ao receio e vergonha, seguido da falta de percepção em relação a gravidade das ameaças e de atitudes impetuosas, incluindo: dependência financeira e/ou emocional e a crença de que o agressor não oferece risco ou que retorne a cometer atos violentos