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O escritor Ricardo Cabello, de 34 anos, nascido em Britânia, Goiás, é fundador do projeto social Nunca Desista dos Seus Sonhos. Desde 2015 ele construiu 22 bibliotecas comunitárias em creches e escolas carentes no Estado de Goiás, e na próxima semana vai inaugurar a vigésima terceira biblioteca.
O projeto possui trinta voluntários, e dispõe de padrinhos oficiais, como o Shopping Flamboyant e o Bougainville, além de artistas como Tiago Abravanel, Maiara e Maraisa, e Felipe Araújo. Você pode conhecer mais do projeto pelo site Nunca desista dos seus sonhos.
Nesta entrevista ao Lab Notícias, Ricardo Cabello compartilha como a trajetória da sua vida o levou a desenvolver esse projeto. Além disso, também comenta sobre o lançamento do seu novo livro “Amizades que transformam”, que vai acontecer dia 15 de dezembro na livraria Leitura do Goiânia Shopping.
Trajetória de vida e criação do projeto
LN: Você possui um projeto social chamado Nunca desista dos seus sonhos. O que te motivou a criar esse projeto? Como ele funciona?
Ricardo Cabello: Para falar do projeto eu vou ter que voltar na minha infância. Eu sofri bullying aos dez anos de idade pois tinha as orelhas grandes e abertas. “Deixa eu fazer uma ligação”, “Dumbo”, os alunos das outras salas me esperavam no final da aula para me bater, e eu sempre me perguntava o porquê, mas não tinha justificativa, era só porque eu era diferente. Foi daí que eu tive a ideia de ir para a biblioteca da escola, eu ia me divertir com os livros. Você sabe que o conhecimento abre portas. Um belo dia eu fui para biblioteca, abri um livro que tinha os países do mundo inteiro, e o primeiro país que saiu foi a Irlanda. É o país que eu vivo hoje.
Respondendo a sua pergunta, depois que eu conquistei a minha independência, eu decidi que tinha chegado o momento de realizar o meu grande sonho: ajudar os Ricardinhos que estão espalhados pelo Estado de Goiás. Foi nesse momento que nasceu o projeto “Nunca desista dos seus sonhos”. Como eu sempre tive o hábito de escrever, eu montei um diário. Fiz várias entrevistas com goianos que vieram morar em Dublin e tiveram êxito, peguei essas histórias e mandei produzir em Goiânia 100 diários. Ia de loja em loja no Goiânia Shopping vendendo eles, e falava que era para um natal solidário, no mesmo dia eu consegui vender todos. Peguei o dinheiro e fiz uma festa imensa em uma comunidade carente.
Depois disso eu resolvi publicar a minha própria história de vida, e lancei o livro “Nunca desista dos seus sonhos”, que ficou por 7 meses na lista de mais vendidos em São Paulo. Eu vou lançar o novo livro “Amizades que Transformam”, e eu tenho orgulho de falar que o projeto faz sete anos agora em 2022. Eu fui na páscoa para o Brasil e inaugurei a vigésima primeira biblioteca, e na próxima semana eu vou de novo para o lançamento do meu segundo livro. Além disso, vou fazer o natal solidário, e lançar a vigésima segunda biblioteca.
Lançamento do novo livro
LN: Além da inauguração da vigésima segunda biblioteca, você também possui o lançamento do seu novo livro “Amizades que transformam”, que vai acontecer dia 15 de dezembro na livraria Leitura do Goiânia Shopping. Qual a história do livro e como ele vai influenciar na vida dos leitores que tiverem acesso a ele?
Ricardo Cabello: É uma história real, que eu sempre quis contar, mas eu nunca tive coragem por não dominar o assunto, que fala sobre crianças especiais. Na minha infância eu convivi muito com cadeirantes e autistas. Desde aquela época a gente percebia as dificuldades, os preconceitos que essas crianças passavam. Certo dia a presidente do Espaço Vida, que é uma escola totalmente voltada para crianças especiais, me fez um convite para dar uma palestra para crianças autistas. Foi um grande desafio, porque eu não tinha nenhuma experiência, mas foi a palestra mais linda da minha vida, foi emocionante. Todo mundo se abriu, foi uma conexão muito grande. A partir desse momento, eu decidi que precisava fazer alguma coisa por essas crianças.
O intuito do livro é dar voz a essas crianças e mostrar o tanto que elas são excluídas da sociedade. Não só isso, tem um capítulo em que eu dou voz para os pais, que relatam o que eles já passaram e como eles conseguiram reverter tudo isso. O intuito é dar voz a todos, porque quando se tem uma criança especial na família, não é somente a criança que sofre. Então chegou o momento da gente se unir e ter um pouco de compaixão, se colocar no lugar do outro. A gente como cidadão tem o dever de fazer alguma coisa, nem que seja orientando. O livro conta histórias reais. Eu quero mostrar que independente deles terem algum tipo de deficiência, eles lutaram e conseguiram vencer. Portanto, essa é a mensagem principal, respeito e inclusão social.
LN: Não só os seus livros, como também o seu projeto, ajuda muitas crianças. Qual é a sensação de já ter ajudado tantas crianças carentes, e saber que o projeto que você desenvolveu atingiu o propósito que ele tinha?
Ricardo Cabello: Eu acredito no fundo do meu coração que o meu maior sonho foi esse projeto ganhando vida. Porque hoje milhares de pessoas são beneficiadas com esse projeto. Nós fazemos todos os anos: páscoa solidária, aniversário solidário, festa junina, dia das crianças, natal solidário, e a entrega das bibliotecas. Além de apoio a orfanatos, asilo e clínica de habilitação. O projeto é grandioso, ele vai onde ninguém quer chegar. Não teria lógica abrir uma biblioteca solidária no setor Bueno ou no setor Marista. Hoje eu sou padrinho de mais de sete comunidades, pessoas que vivem em extrema pobreza.
No começo eu fui muito criticado por expor as ações nas redes sociais, então eu parei para analisar: essas pessoas que estão me criticando não fazem nada para ajudar o próximo, a única coisa que elas fazem é atacar. Eu simplesmente ignorei porque foi através do instagram que eu consegui chegar em todos os artistas, porque eles veem que tem entrega, tem um plano, tem um movimento e arrecadação, e eu consigo fazer com que aquela arrecadação chegue em quem precisa.
“Não existem barreiras muito menos fronteiras para quem realmente quer ajudar o próximo.”
Críticas, dificuldades e aprendizados
LN: Você mencionou a questão de já ter sido criticado. Além disso, quais foram as maiores dificuldades que você enfrentou para a realização desse projeto?
Ricardo Cabello: Foi no começo. Eu diria que hoje a gente tem vários voluntários, mas no começo eu não tive apoio nem dos amigos, eles não acreditaram quando eu cheguei e falei que ia fazer um diário, que ia contar essas histórias, fazer um natal solidário. “Vocês estão comigo?” “Me ajudam a vender?”. Nenhum quis. Hoje em dia os voluntários que vem, eu recebo mensagem de pessoas falando que querem ser voluntárias.
Hoje tudo mudou, mas no começo acho que todo projeto social passa por isso, as pessoas se perguntam se a gente realmente vai ajudar. E como todo mundo passa por isso, eu também passei, então desde o começo eu não aceito dinheiro, eu montava um projeto e apresentava. Dessa forma, várias empresas viraram madrinhas do projeto, como Goiânia Shopping, e a Smart Fit. Eu tive a ideia de fazer caixas de mdf com acrílico que possuem o símbolo do trevo e tem o Ricardinho em cima dos livros, eu espalhei essas caixas em clínicas, hospitais, academias, shopping. A gente arrecada os livros, e depois que tem uma quantidade a gente escolhe uma comunidade carente. Tem comunidades que a gente chegou a construir o espaço porque não tinha.
LN: É nítido que a sua paixão pela leitura e pela escrita está ligada com o tema do seu projeto social. Para você, qual a diferença de experiências e aprendizados que vive uma criança que possui acesso a livros, para uma criança que não possui as mesmas condições?
Ricardo Cabello: A gente faz um acompanhamento depois de montar a biblioteca, o único compromisso que a escola e a diretora têm é de manter o acervo na biblioteca. Toda semana uma criança tem que levar um livro para casa, ler com os pais ou responsável, e na semana seguinte a gente faz o momento do livro, em que cada criança tem que compartilhar com os coleguinhas o que aprendeu com os pais. A finalidade do projeto em si é criar o hábito de leitura dos pais com os filhos. Eles perceberam que hoje em dia as crianças têm mais confiança, questionam mais, sendo que antes eram crianças mais caladas, que aceitavam tudo, e hoje não, porque elas possuem mais conhecimento.
O intuito é preparar essas crianças para que elas tenham acesso à leitura, a livros grátis, que elas adquiram conhecimento, para que lá na frente elas tenham o mesmo direito de disputar uma vaga de emprego, uma vaga na federal. O projeto tem várias ações, mas o que eu dou mais destaque são as bibliotecas, porque a minha vida foi transformada através dos livros, e eu sei que a vida dessas crianças da periferia também pode se transformar, mas não é fechando bibliotecas. A gente vai inaugurar a vigésima segunda biblioteca, e meu intuito é que todo o estado de Goiás seja contemplado. Abrimos a última em Jataí, o maior acervo, são 4500 livros, sempre a nossa média é entre 3500 e 4500 livros.
Expansão do projeto e diferenças entre países
LN: Você menciona muito a sua vontade de oferecer oportunidade principalmente no estado de Goiás. Você possui planos de expandir esse projeto para outros estados, e até mesmo para o resto do mundo, já que você mora na Irlanda?
Ricardo Cabello: Tenho. Depois que eu conseguir atingir o estado de Goiás, o meu próximo destino vai ser o Piauí, porque eu tenho muitos seguidores que me mandam mensagens direto pedindo para levar o meu projeto para lá, que eles precisam. Eles fazem vídeos das escolas, mostram a situação deles, e isso me tocou. Agora é um sonho, mas com certeza vai se concretizar. Inclusive eu já estou em contato com pessoas de lá, e a gente já fez doações de livros para algumas escolas do piauí.
LN: Morando na Irlanda você com certeza percebeu muita discrepância entre o Brasil e aquele país em relação ao acesso à leitura. O que você acha que o Brasil poderia adotar para um dia chegar no nível que é a Irlanda?
Ricardo Cabello: É um choque cultural muito grande. Por exemplo, aqui na Irlanda tem muito museu para criança, eu acho isso simplesmente fantástico. Se eu tivesse o poder que um político tem, eu espalharia museu para criança em cada bairro. Ali eles estão ensinando uma criança a lidar com o dinheiro. Tem espalhado na cidade inteira casinhas dos livros, que qualquer um pode pegar, e as pessoas possuem tanta consciência que nunca houve roubo de livro. A pessoa pega o livro, leva para casa, e depois devolve, e se tem um livro em casa que não usa mais, ela coloca nessa casinha.
Eu acho que poderiam criar esse tipo de museu. Talvez no Brasil não daria certo a questão da casinha, mas poderia criar um espaço de leitura e deixar uma pessoa ali para monitorar, e espalhar nos bairros mais carentes e que não têm acesso. Eu acho que daria certo, mas falta iniciativa, porque muitos políticos me convidam para ir em gabinetes, e eu vou, falo do projeto, e eles falam que vão fazer, no entanto é tudo um show.
‘Se você não tiver coragem e pagar o preço, ninguém vai pagar por você.’
LN: Para finalizar, eu gostaria que você enviasse um recado para as pessoas que já sofreram bullying, desse um conselho de como elas podem levar isso como motivação para serem pessoas melhores, e influenciar o mundo de uma forma boa assim como você fez.
Ricardo Cabello: A mensagem que eu daria para essas pessoas é que elas não se fechem no seu mundo. Normalmente a primeira atitude das pessoas que sofrem pelo fato de serem excluídas é se fechar. Elas podem transformar aquela dor que estão sentindo e colocar pra fora, não guardar aquilo, como eu fiz.
Na minha escola teve o concurso de redação, que tem tudo a ver com a pergunta que você me fez. Eu tinha dez anos, e a professora de língua portuguesa disse que estava tendo um concurso de redação na escola com tema livre. Cada aluno escreveu sobre algo, e eu fiz uma carta aberta, coloquei todo o meu sofrimento. Quando eu terminei de ler a minha carta eu percebi que todo mundo ali estava chorando. A minha redação ganhou como a melhor da sala e da escola, e a partir daquele momento a minha vida foi transformada.
Eu decidi que ia fazer diferente, eu não ia pagar o mal com o mal. A mensagem que eu quero passar é que tem muitas maneiras de você combater o bullying, mas que você jamais se feche no seu mundo, jamais se cale. Se tiver que gritar, grite, se a única arma que você tiver em mãos seja jogar isso pra fora, jogue, mas não carregue isso dentro de si. Porque com o passar dos anos isso pode se transformar em feridas que nem o tempo seja capaz de curar.
A última mensagem que eu diria é para nunca desistir dos seus sonhos. Não importa quais sejam, mas que você tenha coragem de lutar por eles, como eu tive coragem de lutar. Graças a Deus consegui realizar o meu sonho, da minha família, e luto para realizar o sonho de milhares de crianças. É possível, mas você tem que ter a coragem, se você não tiver coragem e pagar o preço, ninguém vai pagar por você.
Primeiro, fiquei bastante surpresa com o projeto. Não o conhecia, mas saber que algo existe me deixa muito feliz. Como uma criança que também usou a escrita e leitura como “fuga”, em muitos momentos me vi nas falas do Ricardo. E isso é interessante, porque a entrevista em si foi responsável por proporcionar primeiro o deslumbramento com o assunto, e depois essa identificação. Foi muito bom entender também não só do projeto, mas das motivações e desafios que Ricardo enfrentou. No final, minha pergunta/resposta favorita foi sobre a diferença entre Brasil e Irlanda, porque é interessante demais conhecer esse contraste entre os dois países e como a gente tem longos passos para dar na área de leitura na infância. Enfim, muitooo obrigada por essa entrevista! Eu amei demais conhecer um pouco do trabalho e da visão do Ricardo. Ficou incrível!