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Assédio sexual, agressão, estupro e violência. Essas são uma das temáticas que estão recorrentemente nas manchetes que envolvem as mulheres. Confesso que como parte da categoria, as últimas semanas foram mais difíceis de acompanhar, pela crueldade com que a integridade feminina é ferida, tanto de forma física como psicológica. Não somente no ato de agressão, mas infelizmente na denúncia do ocorrido.

Segundo um levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mais de 100 mil meninas e mulheres sofreram violência sexual entre março de 2020 e dezembro de 2021. O Fórum também divulgou que nesse período foram mais de dois mil casos de feminicídio. Mas vale lembrar que grande parte das mulheres não se sentem seguras para denunciar a violência que sofrem, logo esses números não englobam todas as vítimas. O medo de ser desacreditada ou não ser amparada na hora da denúncia é um dos empecilhos que as vítimas do gênero feminino – aqui inclui-se crianças – encontram na hora em que decidem delatar o agressor. 

Após a fala de uma apresentadora em live no Youtube, a vida privada da atriz Klara Castanho foi exposta de maneira alarmante e brutal na imprensa. As alegações, que incitavam ódio, eram de que a jovem atriz teria engravidado e entregado o bebê para adoção. O que fez com que as redes sociais eclodissem com mensagens contrárias e críticas à decisão legal de Klara. Em carta aberta, no dia 25 de junho, a atriz revelou que foi vítima de estupro – o qual não denunciou – e que apenas soube da gravidez no término da gestação.

O processo de adoção, que em tese deveria ser sigiloso e seguro, foi além das paredes do hospital e parou nas mãos de colunistas de tablóides. De acordo com Klara, após uma ameaça vinda de uma enfermeira que estava na sala de cirurgia, mensagens com todas as informações já chegavam até às mãos dela, antes mesmo de receber alta. E ela completa sua carta dizendo que aqueles que a deveriam proteger não o fizeram. 

Neste caso, o que espanta é que Klara estava requerendo o direito previsto em Lei de entregar de forma voluntária e sigilosa o bebê à adoção – mesmo sem haver o ato de estupro, este é um direito da mulher. O que se observa aqui, e em outros casos, é que quando a mulher procura o que lhe é garantido, ela não o recebe, mas encontra um sistema despreparado em amparar a dor que a acomete. Mas há também toda uma sociedade crítica e julgadora quando quem está na linha de frente é uma mulher. 

Outro caso que repercutiu foi o de uma procuradora-geral do município de Registro, no interior de São Paulo, que foi agredida pelo colega após abrir um processo administrativo contra ele. Gabriela Barros decidiu cobrar providências legais por ter medo de trabalhar no mesmo ambiente que Demetrius Macedo, que segundo ela tinha um comportamento suspeito e grosseiro. Novamente, o sistema não foi capaz de garantir a segurança ou o sigilo da identidade da procuradora, que acabou sendo atacada violentamente por Demetrius, com socos e chutes, assim que o agressor soube da denúncia.

Em Goiânia, o caso da jovem Kênnia Yanka Leão também chamou a atenção. Após terminar o relacionamento conturbado e abusivo com Felipe Gabriel Jardim, Yanka teve sua vida ameaçada pelo rapaz. O que levou o pai da vítima a registrar ocorrência contra Felipe. Mas novamente, a justiça confirmou o despreparo em garantir a proteção de quem mais precisa. Em menos de três horas o jovem soube da denúncia e se dirigiu à farmácia do ex-sogro, atirando várias vezes contra ele, que não resistiu. Yanka alegou que essa foi a forma que o ex encontrou para machucá-la, pois ela amava muito o pai.

Quantas Klaras, Gabrielas e Yankas terão que sofrer com o despreparo da justiça brasileira para atender mulheres vítimas de violência? Nesses casos é possível observar que, após a denúncia, elas tiveram seus direitos violados mais uma vez, seja pela falta de sigilo profissional ou por não manter a integridade e segurança da vítima. Não adianta ter um sistema legislativo que defenda os direitos das mulheres se na execução há uma incapacidade para atendê-las após a queixa. Mais leis, não proporcionarão uma nova realidade a essas mulheres, mas a qualificação de profissionais que possam atendê-las e entendê-las, poderá trazer um futuro melhor a elas.

Para a psicóloga e pesquisadora Lenira Politano, no momento em que a mulher violentada procura ajuda, o modo com que ela é atendida se torna algo decisivo para essa vítima. No artigo “Serviços de atendimento a mulheres vítimas de violência”, a estudiosa afirma que a qualificação de quem atende essas mulheres deve ser incorporada às políticas públicas.

“A relação face-a-face com a mulher em situação de violência é um evento único, que pode influir de forma decisiva no processo de ruptura ou na manutenção da mulher no ciclo de violência. A formação na perspectiva de gênero, a capacitação continuada, e o apoio aos técnicos na forma de supervisão são elementos que podem pesar decisivamente na qualidade da atenção; e que devem ser incorporados de forma sistemática às políticas de violência”

Em relatos de mulheres violentadas, um padrão que se segue é a falta de amparo no momento de denúncia, a crítica e o julgamento dentro de um ambiente que deveria ser seguro. Ou, ainda, o ato de culpar a vítima e desacreditá-la de que o agressor terá uma punição. Essa mudança no atendimento da vítima, não é algo fácil de ser feito em uma sociedade enraizada no patriarcalismo e machismo. Um profissional qualificado e capacitado para informar e orientar uma vítima não diminuirá o número de mulheres violentadas, porque para isso é necessária uma mudança comportamental da sociedade como um todo. Mas é extremamente necessário para uma mudança na perspectiva de vida dessas mulheres que tiverem coragem de denunciar o agressor.

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