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O final da vida universitária também é o começo para uma fase sem roteiro pré-definido. A aprovação no Trabalho de Conclusão do Curso (TCC), o ingresso no mercado de trabalho e a entrada oficial para a vida adulta tornam apreensivo, para muitos universitários, o momento final da graduação. O jovem, de 24 anos, Guilherme Santos Andrade, se encontrava nesta situação, mas no começo deste mês ele se jogou do prédio onde morava, após apresentar o TCC.

Na música “Pais e Filhos”, Renato Russo já dizia que “nada é fácil de entender” e este ocorrido não é diferente, o que faz com que muitos se questionem sobre o que poderia ser feito para impedir tal ato. O que precisa ser deixado claro é que o suicídio não é uma escolha, e sim um fenômeno complexo que acomete a sociedade, principalmente os jovens. Sendo um problema de saúde pública que necessita ser debatido, não apenas no setembro amarelo.

Ego abusivo

Guilherme teve esse desfecho trágico, após ouvir duras críticas sobre a pesquisa realizada por ele e ser humilhado por uma professora. O estudante baiano não esperou todos os comentários dos docentes e, após desligar a câmera da chamada de vídeo, cometeu suicídio, assim como outras 700 mil pessoas por ano, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Colegas do jovem apontaram que toda sua trajetória acadêmica foi desmerecida durante a fala da professora, que não foi identificada. 

Palavras são tão cortantes quanto facas e que podem dilacerar um jovem se mal empregadas e ditas por alguém que o inspira. O que se sabe é que esse não é um caso único. É comum que graduandos e pós-graduandos relatem uma relação abusiva com os docentes, ou pior ainda, que não saibam identificar um abuso moral cometido pelo mestre. O que se vê na academia é uma necessidade de autoafirmação do título e do conhecimento por parte dos professores.

A agressão verbal com termos pejorativos e palavras de baixo calão, a acusação sem provas e os comentários depreciativos, preconceituosos ou indecorosos fazem parte do cotidiano universitário, segundo pesquisa publicada no artigo “O rebaixamento cognitivo”. Ações e atitudes que podem ser caracterizadas como um ciclo vicioso existente nas universidades, já que os docentes já foram alunos e também passaram por situações semelhantes com seus antigos orientadores. 

Precipício sem guarda-corpo

Além de não terem o apoio dos professores, esses universitários não veem acolhimento, recursos e perspectivas para melhorar a qualidade de vida no meio universitário, por parte da instituição. Em dois meses, três jovens da Universidade de São Paulo (USP), e moradores do Conjunto Residencial da instituição, tiraram a própria vida. Os colegas apontaram a falta de estrutura material, de escuta e de participação nas decisões da universidade como um descaso com os estudantes.

Ainda faz parte da realidade do acadêmico brasileiro o corte de verbas, a falta de emprego e o desprezo com a pesquisa, O jovem na maioria dos casos, enfrenta, uma jornada dupla ou tripla, estudando e trabalhando para se sustentar. A sensação é de que, em meio a um precipício, o universitário não tenha onde se apoiar e tenha que se manter em equilíbrio diante de uma situação de pressão e perigo.

Não há um guarda-corpo ou um corrimão para se segurar, o vôo é livre para aqueles que buscam diante do estudo construir um futuro melhor, mas para alguns se torna uma queda sem volta. Diante deste cenário sem perspectiva e esperança, muitos jovens universitários se encontram em um quadro depressivo e novamente não encontram um suporte, nem para remediar sua saúde mental.

É tudo mi-mi-mi, para quem?

No artigo “Depressão em estudantes universitários”, de 2019, a falta de confiança em si próprio, a competição, a carga horária excessiva, as atividades extracurriculares e as alterações no sono foram alguns fatores apontados como desencadeadores de quadro depressivo. No cotidiano dos jovens, ao longo da graduação, acaba sendo comum observar estes apontamentos, o que pode vir a caracterizar um estado coletivo.

De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), o suicídio é a quarta causa de morte, entre pessoas de 15 a 29 anos, ultrapassando os números de acidentes de trânsito, tuberculose e violência interpessoal. O início e o final do período universitário apresentam muitas mudanças na vida dos jovens, sendo geral o estado depressivo desses estudantes. Segundo o Ministério da Saúde, 96,8% dos casos de suicídio estão ligados, em primeiro lugar, à depressão e, em seguida, ao transtorno bipolar e ao uso abusivo de substâncias, lícitas ou ilícitas. 

Para aqueles que ainda acreditam que a depressão é uma frescura de uma geração, não reconhecem que o mal do século é uma doença. Aqui não há espaço para entendedores e julgadores de mi-mi-mi, a depressão é uma doença que pode ser tratada com medicamentos e terapia. Mas é necessário que as universidades voltem seus olhos e recursos para a saúde mental dos jovens universitários, que em um ambiente de estresse podem ter maiores chances de desencadear este quadro, segundo a Biblioteca Virtual em Saúde.

“Ninguém notou sua depressão” (nas redes sociais)

Mas porque a juventude está mais suscetível ao suicídio? Segundo a Secretaria de Vigilância em Saúde, a geração Z, nascida após 1995 e nato digital, enfrenta a rapidez e fugacidade das redes sociais e das relações interpessoais. O desencadeamento da depressão e do suicídio é influenciado pelos poucos mecanismos que esses jovens tem para lidar com frustrações e adversidades e pela busca do prazer imediato que os impulsionam. 

O uso das redes sociais acaba se tornando um cúmplice deste estado coletivo de depressão. As fotos e vídeos que rolam na tela do celular são uma janela para um universo sem falhas, sem arrependimentos e totalmente perfeito e ilusório. Ninguém mostra a realidade nas redes. Assim como em um álbum de família, apenas os momentos felizes merecem gastar o filme da câmera e serem apresentados aos forasteiros que visitam. 

A depressão não é notada nas redes sociais, como destacado por Tiago Iorc na música “Desconstrução”, que completa dizendo que a jovem da canção “se liquidou em sua liquidez”. Na modernidade líquida de Bauman apenas nos resta relações maleáveis, fugazes e superficiais, e é isso que vemos nas redes, que mostram e amplificam uma sociedade egoísta, narcisista e apática. Como pedir que o jovem universitário não se liquide diante dessa realidade?

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