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A experiência universitária é constituída por todas as miudezas e excessos que a juventude nos provoca. Dos incontáveis lugares e horas que passamos durante essa etapa de incertezas profundas e convicções inquestionáveis, somos facilmente localizáveis atrás de alguma mesa. Seja no estágio, na biblioteca ou na sala de aula, sobre a mesa o universitário debruça seu cansaço, distrai o olhar da matéria, despeja suas bugigangas, ou, a minha favorita de todas elas, alimenta o corpo físico, refaz suas reservas, mata a fome e com ela muitas vezes vão embora também outros problemas ali debruçados.
Por essas e outras, o restaurante universitário é território de trégua (de si e das cobranças que aguardam do outro lado da catraca) e de recarga íntima de cada um que porta sua bandeja e o direito de se debruçar sobre aquelas mesas. É apenas entendendo o que significa esse espaço para os universitários que se torna possível compreender porque esse habitante tradicional dos Rus e Resuns espalhados pelo Brasil se levanta da sua trégua para defender a integridade de todos os princípios pelos quais esses ambientes foram criados. Na UFG, há alguns meses as bandeiras brancas tiveram de ser convertidas em cartazes de protestos contra o descaso para com os estudantes e tudo que o RU representa.
Em janeiro de 2022 os valores das refeições nos restaurantes universitários da UFG passaram por reajustes que, justificados por limitações de orçamento e pela nova licitação da empresa responsável, propunham redefinir o subsídio parcial de R$ 3,00 para R$ 5,00. Considerando o impacto desse aumento, incompatível com a realidade dos 63% de discentes da graduação que se encontram na faixa de renda familiar per capita de 0 a 1,5 salários mínimos, de acordo com os dados da plataforma Analisa UFG, os estudantes expressaram a necessidade de um valor inferior ao da redefinição proposta, e tiveram sua reivindicação atendida pela Reitoria.
Contudo, nos últimos meses os discentes da pós-graduação observaram sua permanência na Universidade ser comprometida. Sob semelhante justificativa orçamentária, os mestrandos e doutorandos que até então pagavam R$ 4,00 pelas grandes refeições, passaram a pagar R$ 11,00 (valor cobrado ao público em geral). Contudo, no caso dos pós-graduandos, as medidas tomadas pela UFG, a isenção total aos estudantes com renda familiar mensal per capita de até 1,0 salário mínimo e o subsídio de 40% do valor do almoço e do jantar, se mostraram insuficientes e contrárias ao discurso de permanência.
Em um contexto no qual, também conforme observado na plataforma Analisa UFG, a Universidade oferece mais de 60 programas de mestrado e doutorado e apresentou números preocupantes de trancamento de matrícula na graduação durante a pandemia – 3.522 no 2º semestre de 2020, o maior quantitativo desde 2010 – tais medidas se revelam como tentativas incoerentes e falhas, incapazes de assegurar verdadeiramente a continuidade desses estudantes.
Ainda que esteja inserida em uma conjuntura política de desmonte, que ao invés de garantir os recursos necessários para manter o ensino, a pesquisa e a extensão nas instituições públicas federais, promove o contrário com bloqueios e remanejamentos de verba para outros órgãos e setores que não a Educação. É preciso considerar a fome e a miséria acentuadas com a pandemia. Em estudo realizado pela FGV, Goiás aparece em 5º lugar com o maior aumento da pobreza no período entre o primeiro trimestre de 2019 e o primeiro trimestre de 2020. Antes mesmo do contexto pandêmico, a Pesquisa de Orçamentos Familiares realizada pelo IBGE, relativa ao intervalo entre 2017 e 2018, revelou que 2,35 milhões de domicílios goianos apresentavam algum nível de insegurança alimentar.
Além disso, o que esperar de uma Universidade que atende a um perfil de estudante majoritariamente de baixa renda, que foi inclusive pioneira em 2022 ao implementar uma Secretaria de Inclusão e que percebe a quantidade crescente e gritante do número de estudantes atendidos pela assistência estudantil? Desde 2010 a UFG se destaca em 2022 com o maior número de estudantes atendidos por política assistenciais – atualmente: 8.198 discentes, dado também observado na plataforma Analisa UFG. Contudo, como essa mesma Universidade, ciente de que os estudantes teriam dificuldades em pagar R$ 5,00, acredita que os discentes da pós-graduação não teriam sua continuidade ameaçada tendo de desembolsar R$ 7,34?
Nós, estudantes, queremos que as catracas do RU não sejam roletas que sentenciam espaços de privilégio e desigualdade, queremos permanecer, queremos ter força para nos debruçarmos sobre a pesquisa, a ciência e o conhecimento. Essa força vem da união pelos nossos direitos, da certeza de que a Educação salva e liberta, e da bandeja acessível para todos.