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RICARDO RODRIGUES
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Houve uma época na história da humanidade em que o livro era um artigo de luxo e somente pessoas com um alto poder aquisitivo conseguiam adquirir um exemplar. Eram tempos sombrios para as sociedades, que em quase sua totalidade, eram analfabetas e distantes desse objeto construído a partir de um processo que se assemelhava a uma tecitura artística; manual e cuidadosa. Essa realidade mudou a partir do século XV, quando a prensa e tipos móveis foram inventados por Johann Gutenberg e os livros ganharam esse formato que conhecemos hoje, além de se tornarem mais acessíveis.

Enquanto na Europa, no pós-Iluminismo, a corrida pela alfabetização e acesso ao conhecimento perscrutava caminhos mais massivos, no Brasil, com sua herança colonial, se construía uma relação de atraso na formação e educação de seu povo e da produção literária. Primeiramente parca — e não parca em qualidade e sim em números de escritores e leitores –, atentava e procurava corresponder à altura aos movimentos e escolas que apareciam, no entanto, a alfabetização, fator primordial para que se desperte interesse pelos livros, dava passos lentos nas terras de Pindorama.

É importante destacar que no final do século XX, marcado pela redemocratização e aliado ao novo plano econômico que redesenhou a situação do país, alguns avanços foram notáveis. Entre tantos aspectos pensados para reorganizar um Brasil que saía enlameado de uma ditadura militar, a nova Constituição Federal abria os olhos às necessidades de democratizar o acesso aos livros, o que garantia, a partir desta carta-magna, a isenção de impostos. Além do mercado livreiro não contribuir com o PIS/Pasep e Confins, a partir de uma lei de 2004.

Contudo, não devemos nos enganar. Livro não é um item barato e de fácil acesso se consideramos o valor final comparado à média salarial do brasileiro. Esse objeto, que caminha entre o conhecimento e o entretenimento, mesmo sem os impostos, ainda pesa na decisão do consumidor que infelizmente precisa fazer escolhas precisas em seu orçamento para que tenha comida na mesa, o que vestir, entre outras necessidades essenciais. E mesmo que existam ideias romantizadas a respeito de toda a “magia” do livro, nós precisamos avançar muito para que ele faça parte do cotidiano de um número maior de pessoas.

Lamentavelmente, o atual governo brasileiro, chegando em sua reta final, nunca elaborou nenhuma política de acessibilidade aos livros. Um país de extensão continental e com mais de duzentos milhões de habitantes tem apenas uma biblioteca pública para cada 34 mil pessoas. No ano passado, circulou um projeto de lei em Brasília que pretendia retirar as isenções e taxar o livro em 12% com a justificativa esdrúxula da Receita Federal de que no Brasil “só rico lê”. O mais irônico nessa parafernália política é o fato de, ao mesmo tempo que miraram nos livros, o presidente zerou os impostos de importação de armas.

Afinal, armar a população tem sido uma das principais pautas desde o início do mandato de Jair Bolsonaro. De 2019 para cá, o presidente assinou mais de trinta decretos que facilitaram o acesso às armas no país. Os grupos de CAC’s (Caçadores, Atiradores e Colecionadores Registrados), por exemplo, contabilizam mais de 600 mil armas, segundo os dados do Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (SIGMA). No entanto, uma reportagem investigativa do The Intercept Brasil, publicada no início desta semana, revelou que mais de duas mil armas foram perdidas ou roubadas de integrantes dos CAC’s.

A reportagem foi veiculada alguns dias depois da Folha de São Paulo divulgar uma matéria na qual o Exército brasileiro admite que não consegue detalhar o número de armas nas mãos de atiradores e caçadores. Diante de tantos absurdos, o presidente Bolsonaro, em sua última live no Youtube, onde sempre fala diretamente com seus apoiadores, rememorou uma fala do ex-presidente Lula, que disse que se eleito substituiria os clubes de tiros por de livros. “Não esqueçam que o outro cara, o de nove dedos, falou que vai acabar com a questão do armamento no Brasil, tá? Vai recolher as armas, clube de tiro vai virar biblioteca”, afirmou o atual presidente, como se a substituição destes clubes por bibliotecas fosse algo perigoso para a população.

Do alto de sua mediocridade, Bolsonaro me faz recordar uma outra pessoa extremamente oposta. Enquanto para o governante, os livros seriam talvez um problema ou algo sem necessidade, esta outra pessoa viu neles um caminho de liberdade do pensamento e de saída da pobreza da qual vivia. Me refiro à Carolina Maria de Jesus, uma mulher preta, que viveu na favela do Canindé, em São Paulo, e catava papel para sobreviver. Seus primeiros livros foram encontrados no lixo que diariamente era revirado pelas suas mãos calejadas e maltratadas pelo trabalho.

Carolina acreditava que o livro era o caminho da educação e formação intelectual capaz de combater qualquer ignorância e violência, chegando a escrever que “o livro é a melhor invenção humana”. Ela, que atualmente figura entre os grandes escritores brasileiros, me faz ter esperança em um país melhor, que não necessite de armas para se auto afirmar e consequentemente construir rastros de violência. Sim, Bolsonaro! Queremos menos clubes de tiros e mais bibliotecas. Mais Carolinas e menos Jaires. Mais histórias sobre lugares extraordinários sendo contadas e menos relatos de violência e morte nas páginas de jornais.

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