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Garoto abandonado na Bahia é Capitão de Areia, é Capitão de Areia

Garoto abandonado na Bahia é Capitão de Areia, é Capitão de Areia

— Agenor Ribeiro, 1964

Jorge Amado, escritor baiano, completaria 110 anos na última quarta-feira (10) — e, completou também, 21 anos de seu falecimento no último sábado (6). O escritor possui obras consagradas, de reconhecimento nacional e adaptações cinematográficas, em produções como “Gabriela, Cravo e Canela“, “Dona Flor e Seus Dois Maridos” e “Tieta do Agreste“. Dentre as mais de 49 produções ao todo do autor, “Capitães da Areia“, de 1937, se destaca pela acidez e crítica ao sistema político, pobreza, injustiça e justiça.

Na sociedade, a produção gera pautas de discussões sociais e divide o gosto do público quase um século depois. O livro, que foi queimado na época de sua publicação durante o contexto getulista do Estado Novo, segue até hoje sendo um dos mais vendidos do autor. No literário, o romance continua atemporal ao provocar discussões sobre o social, a violência, normas sociais, abandono, educação, repressão e à individualidade de cada brasileiro, que em uma só obra se desdobra em diferentes perfis.

O tempo vai fechando de vez no país. É a ditadura do Estado Novo que se implanta. Recolhido na cidade de Estância, no interior de Sergipe, Jorge Amado começara a escrever um outro livro, terminando a sua redação já a bordo do navio Rakuyo Maru, em viagem para o México. É Capitães da areia.

Fundação Casa de Jorge Amado

Garoto Abandonado na Bahia é…

Pedro Bala, Dora, Sem-Pernas, Boa-Vida, Volta Seca, João Grande, Professor, Gato, Pirulito e Barandão. A falta de identidade e de “nomes completos” explica, à primeira vista, a marginalização que os principais personagens do grupo são impostos. Características inertes (como a aparência ou raça) e comportamentais são usadas para identificar o grupo.

A obra é ambientada em Salvador da Bahia, na década de 1920. Sua narrativa é focada na história desse grupo de jovens, que vivem nas ruas e sobrevivem sem se atentar aos padrões do que é considerado justo, moral e ético pelo “cidadão de bem”. A falta de pudor ou de traquejo social marca a discussão sobre o livre arbítrio, a população infantil no crime e o efeito da precarização social.

Porém, julgar as crianças só se torna possível se o livro não for lido. Ao leitor absorver as narrativas e pontos de vistas, fica claro que, o foco dos personagens é a sobrevivência: e para sobreviver, o grupo precisa conviver com a miséria, a violência e o preconceito social. A “gangue” leva a vida à base de furtos e roubos e acaba se tornando temida pelas autoridades de segurança e pela população da cidade.

Capitão de Areia

Narra, então, a trajetória de crianças a deriva na sociedade, de seu amadurecimento — e eventual apodrecimento — ao decorrer cronológico. É possível entender, porém, os agentes interventores e acontecimentos decisivos que levaram a cada um dos destinos traçados. A disparidade, portanto, de um final ao outro, apresenta as diversas potencialidades do ser humano, em especial, da maturação e das consequências do quais os agentes sociais presentes no imaginário de cada um (bons ou ruins, em um espectro binário) possuem na sociedade e na formação como cidadão.

Ao percorrer tais personas, o livro se divide em quatro partes:

  • 1 – “Cartas à redação”
  • 2 – “Sob a Lua num velho trapiche abandonado”
  • 3 – “Noite da grande paz, da grande paz dos teus olhos”
  • 4 – “Canção da Bahia, canção da liberdade”

Com o primeiro capítulo nomeado “Crianças Ladronas” e o último em “…Uma pátria e uma família”, existe uma linearidade proposta pelo autor ao longo da temporalidade do livro. Com narração em terceira pessoa, a onisciência, característica desse tipo de narração, é usada com precisão cirúrgica para apresentar ao leitor o essencial para se colocar na pele do grupo.

A obra, que levanta tantas pautas sociais, é tida como símbolo de expressão do autor, que pintou as mazelas da sociedade brasileira com esperança e fome. Fome, no literal. E fome, no desejo de mostrar a quem lê, a realidade do além de seus olhos, de seu lar, de sua segurança econômica e alimentar. Capitães da Areia é um livro sobre o(s) outro(s) que encontramos em nossas ruas.

“Que culpa eles têm? Roubam para comer porque todos estes ricos que têm para botar fora, para dar para as igrejas, não se lembram que existem crianças com fome.”

― Jorge Amado, Capitães da Areia

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