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Eu via de longe. Será que ninguém vai ajudar? O garotinho contava e recontava, faltava alguma coisa. A outra criança, rica, já estava impaciente, fazia calor e ela só queria o picolé. O outro garotinho, já suando, naquele sol que ardia, não sabia se segurava o carrinho ou o dinheiro. Perdia as contas. E recontava.
E eu aqui, também queria um picolé, será que ele também não? Será que comera um, outrora? O trabalho ardia em suas mãos e no consciente. Tal qual a vontade do outro menininho que só queria o refresco e sair brincando, por aí. Será que ninguém vai ajudar? Ninguém está vendo? A rua está movimentada, homens e mulheres, alguém deve estar vendo aquilo.
Até que, aquela moeda que faltará, que o garoto esperará, que o outro procurará, que era necessária para o troco, que levaria o retorno para as duas crianças, que as saciariam, que mataria a fome de alguém, cai no chão. Ela caiu. Caiu entre as pedrinhas no chão, paralelepípedos que formam a rua, inúmeros e incontáveis.
A moeda faria falta naquele dia, mas nenhum dos garotos conseguiu recupera-la. Talvez outras crianças, em outras décadas, tenham perdido, aquela mesma moeda, naquele mesmo lugar, com o mesmo sol e suor.
Eu continuava a ver de longe, os paralelepípedos permaneciam em silêncio, ninguém os notava, estavam cegos com os olhos abertos. A cada piscar as crianças desapareciam no horizonte, uma fazia mais silêncio que a outra.
Mas, ora, era calor, alguém tinha que comprar todos aqueles picolés e encontrar a moeda esquecida. Comprar e esquecer. Fechar os olhos para aquela criança que ficou ali naquele paralelepípedo, algum dia.