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O dia a dia de mulheres brasileiras

Saiu nove minutos atrasada. Os minutos que gastou secando o cabelo. Geralmente, não toma banho pela manhã. Mas é verão e essa última noite foi muito quente. Teve que correr para alcançar o ônibus. Não adiantou. O motorista, já conhecido, não esperou hoje. Irritada, se arrependeu dos minutos a mais que gastou. Parada ali, esperando o próximo veículo, escuta uma buzina acompanhada do grito de um motoqueiro:

– GOSTOSAAAA! SE EU TE PEGO, HEIN…

A reação foi a mesma de sempre. Com medo de reagir, fingiu que não viu, mas o xingou mentalmente. Isso acontece com bastante frequência. Antes, achava que era por conta do short que usava na época do calor. Até ficou um tempo usando só calça. Mas quem disse que adiantou? Percebeu que o problema não era a roupa. Inverno ou verão, os assobios continuavam. Os gritos não diminuíram. Mas a vida não pode parar, né? Teve que se “acostumar”. Medo. Chateação. Virou parte da rotina.

Treze minutos se passaram e outro ônibus chegou. Lotado. Mal conseguiu passar da catraca. Claro que teve que ficar em pé. Parou em frente a um homem que não parava de encará-la. Tentou sair dali. Estava desagradável a sensação de ser analisada centímetro por centímetro. Mas não conseguia nem virar a cabeça. Seis paradas depois, o rapaz aperta a botoeira e se levanta. Faz questão de se esfregar. O ônibus se aproxima do próximo destino e o rapaz, gargalhando, dá um tapinha na bunda dela e sai correndo. Grita, inconformada. De nada adianta. As portas se fecham e a viagem continua. Ódio. Repulsa. Virou parte da rotina.

Chegando ao trabalho foi chamada à sala do chefe que não economizou na bronca pelo atraso de 21 minutos. Tenta explicar o dia infernal. O velho de uns 60 anos se levanta e tranca a porta. Passando as mãos nos ombros dela, anuncia as duas opções. Uma advertência que deixaria a demissão mais perto ou uma “carícia” que apagaria qualquer erro. Ela se levanta rapidamente. Chorando, abre a porta com pressa afirmando que levaria a advertência. Nojo. Tristeza. Virou parte da rotina.

No fim do dia, volta pra casa, toma um banho e liga uma coisa qualquer na televisão. Estava no automático. Tentando não sentir. Já sentiu demais. O dia foi péssimo. Mas foi só mais um. Não foi o primeiro. Sabia que não era o último. Virou parte da rotina.

Poderia ser o relato de qualquer mulher que sai de casa, que anda pelas ruas, que precisa usar o transporte público ou que trabalha em um escritório.

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em julho de 2022, que consolida dados do setor de segurança pública no Brasil em 2021, os casos de assédio contra as mulheres, ou seja, um constrangimento com teor sexual, como por exemplo um chefe obrigar uma funcionária a qualquer prática sexual para mantê-la no emprego ou para promovê-la, somaram 4.922, aumento de 2,3% em relação a 2020. E importunação sexual, ou seja, práticas libidinosas na presença de uma mulher sem o seu consentimento, como por exemplo, tocar, lamber, passar a mão, masturbar-se, somam 19.209, aumento de 9% em relação ao ano anterior.

Ser mulher é um desafio. É preciso encarar mais de mil demônios todos os dias, porque parar não é uma opção. Lutar e resistir já viraram parte da rotina. 

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