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“É chocolate de guarda-chuvinha”, exclamou em alto e bom som a moça sentada em uma das cadeiras da cantina. E com a boca cheia do pão-de-mel, que havia acabado rapidamente na semana passada, ela tinha dado o veredito: o docinho que alegrava seus dias não agradava mais o seu paladar. Após duas mordidas veio a certeza de que o confeiteiro tinha trocado a matéria-prima, provavelmente por uma mais barata e menos saborosa. Era o fim do docinho, que, neste momento, já estava mal falado e acusado de ter adulterado sua composição.
O chocolate ao leite parece não ter sido o único mártir da inflação. A mudança na composição de alimentos está se tornando cada vez mais comum nas dispensas e geladeiras dos brasileiros. As primeiras vítimas das indústrias alimentícias foram os produtos que têm como matéria-prima o leite: queijos, iogurtes e leites condensados. Esses têm grandes chances de virarem parte da memória afetiva das gerações que conseguiram comer um brigadeiro tradicional em festinhas de crianças.
Em 12 meses, o preço do leite teve um aumento de 41,76%, o que deu espaço aos produtos fakes, ou pior: “misturas e compostos lácteos acrescidos de soro e amido”. Bom, é este o nome chique que estão empurrando goela abaixo, literalmente. Já a embalagem com a jovem garota parece a mesma, não apresenta uma diferença grande ao consumidor que passa entre os corredores da mercearia. O que dispara aos olhos é a diferença de preço: quase 30% mais barato. É óbvio que com o aumento da comida, o consumidor nem pensa duas vezes, e acredita estar levando um produto de mesma qualidade.
Na lista de fakes incluem-se o leite em pó, o requeijão e até o creme de leite. Mas nas prateleiras do supermercado, o suspeito da vez é o café, que já está sendo acusado de falso pelos seus admiradores. A bebida cotidiana não poderia passar despercebida pela população que é sommelier do grãozinho preto e aromático. E ele ganhou o título de “pó para preparo de bebida sabor café tradicional”, para os haters do Twitter: “cafake”. Sem ressalvas, uma água saborizada de café é o que está sendo entregue para o desavisado que não leu a embalagem.
O Google já está tendo que responder “Como fazer brownie sem leite?”. Esse é o questionamento, feito pelos internautas, que deu um salto de quase 300% no último mês. Como fazer uma receita sem leite? Como substituir o arroz no dia-a-dia? Como se alimentar no Brasil? Essas são perguntas que vão além da curiosidade de saber o que mudou no pãozinho-de-mel da cantina. O mais afetado é o cidadão que não sabe o que está no seu prato, ou que não tem o que colocar no prato. Para Bolsonaro, ainda “não é pra valer”, mas a fome no Brasil já atinge 33,1 milhões de pessoas.