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Lista dos duzentos filmes com maior arrecadação de bilheteria mundial mostra que há alguns fatores determinantes para o sucesso de um filme nas bilheterias
Por Gabriel Rodrigues e João Pedro Santos Ferreira
Nos últimos 25 anos, os filmes vêm arrecadando como nunca antes. Orçamentos foram ampliados, recordes foram estabelecidos, bilhões de dólares foram alcançados e relançamentos de filmes mais antigos têm trazido ainda mais lucro para as grandes distribuidoras e produtoras. E aí vem a pergunta que não quer calar: existem fatores determinantes para o sucesso financeiro de um filme nas bilheterias?
Baseado na lista dos 200 filmes com maior bilheteria mundial, compilada pelo Box Office Mojo – subsidiária do IMDb (Internet Movie Database), o maior banco de dados sobre filmes do mundo, há alguns aspectos a serem considerados em relação ao sucesso das obras cinematográficas analisadas. De acordo com os dados observados, os fatores que merecem uma maior atenção são as distribuidoras, o orçamento, a presença de franquias, a classificação indicativa nos EUA, a vitória em alguma categoria do Oscar e a nacionalidade.
Há um domínio notável das grandes distribuidoras (Disney, Paramount, Sony, Universal e Warner) na lista. Algo que vale a pena ressaltar é que os serviços de streaming, como Netflix e Amazon Prime Video, cujos filmes têm se tornado cada vez mais ambiciosos, a ponto de terem lançamentos limitados nas telonas, estão muito pouco presentes, com a Netflix tendo posse de apenas um dos 200 filmes com maior bilheteria
Isaac Brum, cineasta goiano e professor na escola de cinema Espaço Kino, situada em Goiânia, tem muito a dizer sobre isso. “A nível global, a Disney ocupa um lugar muito forte nessa relação da produção no cinema com um grande alcance de público, e eles fazem isso há muito tempo, se especializaram nisso. Então, é importantíssimo que a empresa tenha este poder de não só produzir um filme, mas também de mobilizar a mídia em uma grande campanha de marketing, de disponibilizar um filme pro público em muitas salas de cinema ou em uma plataforma de streaming, como a Disney tem a dela agora. Então, tudo isso faz parte dessas ações que possibilitam um filme ter grande sucesso”, explica.
A partir dos anos 2000, os orçamentos das produções com maior bilheteria aumentaram exponencialmente e, desde então, continuam crescendo. Em média, os filmes mais bem sucedidos dos anos 2010 custam US$175 milhões. O único filme dos anos 1970 que conseguiu ficar entre os 200 com maior bilheteria foi “Guerra Nas Estrelas”, que custou, corrigida a inflação, pouco menos de US$50 milhões. O mesmo ocorre para os anos 1980, desta década apenas “E.T.: O Extraterrestre” está no ranking, na 98° posição. Foi gasto o equivalente a US$33 milhões em sua produção.
Até setembro de 2022, os filmes mais caros da história são “Piratas do Caribe: Navegando em Águas Misteriosas”, de 2011, com US$379 milhões de orçamento; “Vingadores: Era de Ultron”, de 2015, com US$365 milhões de orçamento; e suas sequências “Vingadores: Guerra Infinita” e “Ultimato”, que, juntas, custaram mais de US$400 milhões. As semelhanças? Os quatro filmes são da mesma década, têm a mesma classificação indicativa e pertencem à mesma distribuidora, no caso, a Disney. Na lista, as obras ocupam a 42°, 12°, quinta e segunda posições, respectivamente.
Outro fator a ser notado é a presença de vários filmes pertencentes à uma mesma franquia na lista. Ao todo, 45% das 200 obras cinematográficas na lista fazem parte de uma franquia ou um universo conectado. Liderando, a Marvel é proprietária de aproximadamente 11% dos 200 filmes; seguida pela Pixar, com 6,5%; e pela franquia Wizarding World (Mundo Bruxo/Harry Potter), com 5%. Há até casos onde todos os filmes pertencentes à franquia estão presentes na lista, como ocorre com os filmes ambientados na Terra-média de J.R.R Tolkien, com ambas as trilogias O Senhor dos Anéis e O Hobbit estando presentes na lista.
“Essas empresas de mídia, os streamings, os estúdios, eles gostam de trabalhar com esses filmes […] com personagens já conhecidos, porque o público já está familiarizado. É mais fácil convencer alguém a assistir um filme, ou pagar para assistir um filme de um personagem que o público já conhece. Então, é por isso que existem tantos filmes com super-heróis, dessas franquias como Harry Potter, O Senhor dos Anéis e Os Vingadores”, diz Isaac.
Um aspecto bem estratégico a ser observado é a classificação indicativa nos EUA, e aqui temos um fato bem curioso: quase 65% dos 200 filmes com maior bilheteria tem a mesma classificação indicativa americana, que é a PG-13 (não recomendado para menores de 13 anos). Em seguida temos a PG (acompanhamento dos pais recomendado), e a R (não recomendado para menores de 17 anos). É interessante notar isso, já que, para a maioria dos filmes analisados, os espectadores não precisam ter uma idade muito avançada para irem ao cinema e assisti-los sozinhos. Essa abordagem mais branda das distribuidoras permite que famílias com crianças menores, crianças maiores, adolescentes, jovens, adultos e até idosos aproveitem um filme que não é tão pesado para um público mais jovem, mas também não é tão leve para um público adulto. Essa classificação se encontra presente em especial nos vários filmes de super-heróis da lista, onde são raros aqueles que são mais restritos.
Se um filme ganhar um Oscar no ano seguinte ao seu lançamento, seria um sinônimo de que ele foi um sucesso de bilheteria, certo? De acordo com a lista do Box Office Mojo, errado! Entre os 200 filmes com maior bilheteria mundial, apenas 22% das obras são vencedoras de um Oscar, independente da categoria. Um caso a ser levado em consideração é “A Invenção de Hugo Cabret”, filme de 2011 dirigido por Martin Scorsese que ganhou cinco Óscares, mas arrecadou somente US$185 milhões, quase falhando em retornar o orçamento de US$150 milhões para a Paramount. Isso nos faz perguntar: por que o Oscar, o prêmio mais importante da indústria cinematográfica, tem tanta pouca presença na lista?
Para Isaac, não existe uma relação direta entre sucesso nas bilheterias e vitória nas premiações. “Não é necessariamente o filme com maior bilheteria que vai ganhar o Oscar. O Oscar vai premiar o melhor filme, mas quem decide isso são os próprios membros da Academia. Existem prêmios que são dados por críticos e várias outras entidades, mas não tem uma relação mesmo. O público em geral, que paga para ver um filme, eles não estão pensando: ‘Ah, eu vou ver esse filme porque vai ganhar o Oscar’. Eles estão querendo se divertir com o filme que está sendo vendido na mídia, nas campanhas de publicidade. […] O interessante pra mim é quando há uma junção, de um filme ter uma grande repercussão de público e ao mesmo tempo ser um filme que tem um bom desempenho na crítica, como é o exemplo de ‘Parasita’”, explica o cineasta, usando como exemplo o filme vencedor do Oscar de Melhor Filme dirigido pelo sul-coreano Bong Joon-Ho.
Um último aspecto a ser observado é a nacionalidade dos filmes presentes na lista, e aqui nós encontramos o mais próximo de um monopólio nas qualidades analisadas: apenas 10 dos duzentos filmes observados (ou seja, 5%) não são estadunidenses. O mais interessante é que esta minoria é composta por filmes chineses, país responsável por grande parte da bilheteria mundial dos blockbusters americanos. E ainda assim, há uma falta de diversidade nas nacionalidades dos filmes presentes na lista, em especial a ausência da Índia, cuja indústria cinematográfica é a mais produtiva na quantidade de filmes feitos por ano. Vale a pena refletir: o que estas outras nacionalidades poderiam fazer para ampliar seu público-alvo para além de seu país e conquistar um lugar nessa lista?
“Aí também passa por uma questão, que é a dominância do cinema americano. Isso tem raízes na forma em que os EUA trata e valoriza seu cinema, passa também pela dominância econômica do país no nosso passado recente. Então, o cinema americano se tornou a referência de cinema global, mas hoje em dia a gente está vendo mais filmes produzidos por outros países que estão ganhando mais espaço. A tendência é que isso seja democratizado. Tem filmes brasileiros que são lançados na Netflix e fazem sucesso em vários territórios, figurando entre os 10 mais assistidos no mundo, como foi o caso de ‘7 Prisioneiros’ [filme com Rodrigo Santoro], que foi lançado em mais de 180 países simultaneamente [pelo serviço] e isso é incrível. Então, hoje em dia, estão mudando muito os hábitos de consumo de conteúdo audiovisual, graças ao streaming”, finaliza Isaac.
Este é o cenário do cinema de sucesso financeiro na atualidade: 95% americano, ficando cada vez mais caro, brando e quase universal em sua classificação indicativa, e a grande maioria sendo ignorada pelo Oscar. É uma indústria que está ficando cada vez mais unificada, e cabe às várias distribuidoras de inúmeros países ampliarem o alcance de suas obras cinematográficas para que a sétima arte possa se tornar um mercado mais diversificado.