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Breve contextualização e o agravamento da situação:
Este domingo, dia 8 de janeiro de 2023, marcou o mais agressivo dos atos criminosos realizados por apoiadores do ex-presidente, Jair Bolsonaro, que se instauraram no país nesses últimos meses. Terroristas sob a alcunha de “patriotas” invadiram e depredaram o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional em um ataque covarde às instituições democráticas do país e, mais especificamente, ao Ministro do Superior Tribunal Federal, Alexandre de Moraes. Entretanto, é válido explorar não apenas a extensão de seus atos, mas o porquê dessa massa estar pronta para uma espécie de “matar ou morrer”, em prol de um líder que se provou várias vezes para os próprios seguidores, apático e ausente, bem como tentar compreender como essas pessoas acreditam veemente no conteúdo repercutido em seus círculos sociais.
Uma das principais estratégias dessa militância é a descredibilização dos veículos tradicionais de imprensa e a criação de um consórcio próprio para divulgar informações, geralmente na forma de grupos de Telegram ou Whatsapp, sendo o caso mais notório, o do grupo investigado pelo MP de Rondônia por sugerir “vaquinha” para assassinar o então presidente eleito, Luís Inácio Lula da Silva. Por meio da criação dessa espécie de “espaço seguro”, esses indivíduos sentem-se, não apenas livres, mas incentivados a veicular qualquer informação que ajude na defesa de sua causa, sem censura da, por eles denominada, “mídia esquerdista” e é isso que faz com que notícias falsas circulem abertamente nas redes. Sendo um dos casos mais documentados pela imprensa, as manifestações diante aos quartéis que afirmavam que era prevista intervenção militar pelo Artigo 142 da Constituição Federal e que foram desmentidas pelo parecer da Secretaria Geral da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados.
Por dentro das redes bolsonaristas, como operam e o que disseminam:
Visando melhor entender como funciona esse sistema, a redação adentrou essas redes e ao engajar-se com esse ambiente e seus usuários, ficou perceptível que o que leva essas pessoas a acreditarem e compartilharem cegamente quaisquer informações que lhes sejam veiculadas, não é uma falta de escolaridade como muitos pressupõem, mas uma reflexão de seus próprios valores no conteúdo que é transmitido.
Na informação que circula nessas mídias percebe-se que a maioria possui uma conotação de forte sentimento de antipetismo e de conservadorismo, muitas vezes repletas de visões preconceituosas da sociedade, além de uma evidente insatisfação com o sistema judiciário, ao qual um usuário se referiu como “vendido e golpista”, tal insatisfação refletiu-se nos eventos desse último domingo, dia 8.
Para além da disseminação de notícias atacando os supostos inimigos desse coletivo, nota-se também a circulação de muitos conteúdos voltados para o público mais jovem da internet, como memes e tik toks, perfis como os do deputado federal Nikolas Ferreira e do também deputado Kim Kataguiri estão entre os mais comentados nesse centro, justamente por trazerem uma abordagem mais jovial e descontraída, visando ser populares com o público teen. Ferreira inclusive se envolveu em vários impasses com o youtuber e influenciador digital Felipe Neto acerca de política, sendo constantemente desmentido por ele.
Vale destacar que ambos os perfis de Kataguiri e Nikolas Ferreira foram julgados como disseminadores de fake news pelo Tribunal Superior Eleitoral, com o segundo tendo seus perfis derrubados de todas as redes por ordem judicial. Outro nome que é muito elogiado neste meio é o de Carla Zambelli, que violou o decreto a respeito do porte de armas em Brasília no período de eleições, além de também ter tido seus perfis derrubados por propagar informações falsas.
Para a massa bolsonarista, que imagina travar uma guerra ideológica, os nomes previamente citados representam a resistência contra o atual governo, sendo vistos como “mártires pela causa de um Brasil livre”, como afirmou um dos usuários nos comentários do Instagram de Zambelli haja vista que, segundo os eleitores de Bolsonaro, eles sofrem censura e perseguição por parte do STF e, novamente, mais especificamente, do Ministro Alexandre de Moraes e da imprensa tradicional, decretados como inimigos maiores do Estado por essa parcela da população.
Nomes como o de Luciano Hang e até mesmo do canadense Jordan Peterson – famoso por seu posicionamento contra os pronomes neutros e considerado por muitos como o “novo guru” da extrema direita, assumindo o papel antes pertencente ao finado Olavo de Carvalho – também são muito citados, embora não tanto quanto os outros.
Por fim, esses grupos acharam seu refúgio da mídia tradicional em sites como o Brasil Paralelo – famoso nacionalmente por suas imprecisões e parcialidade em seus documentários – e no Ranking dos Políticos, que não tem nenhuma relação com a área do jornalismo ou da comunicação e que mesmo assim, veicula em suas páginas no Instagram e no Twitter, conteúdos atacando o atual presidente, questionando o resultado das urnas eletrônicas e defendendo os atos golpistas.
Consomem também, o conteúdo disseminado por emissoras como a Jovem Pan – envolvida em uma série de escândalos, desde a contratação de Caio Copolla e Alexandre Garcia, ambos demitidos da CNN Brasil por disseminarem informações falsas, até a apologia ao nazismo de Adrilles Jorge, um de seus comentaristas em um programa ao vivo, fato que levou à sua demissão – e da Rede Record.
Guerra ideológica, o “nós” contra “eles”:
Nesse viés, não é surpreendente que a esmagadora maioria dessa massa antagonize fortemente a imprensa atual, haja vista que ela escancara ao mundo a verdade desagradável sobre seu messiânico líder. Para o especialista em fake news, o doutor e professor Rodrigo Seixas, é essa identificação com o que é repercutido nesses grupos que faz da militância bolsonarista tão devota e vocal e tão hostil com aquilo que os contraria, uma sensação de pertencimento que faz com que defendam ferrenhamente os “seus” e hostilizem os “outros”, afirma Seixas.
“Segundo Greene (2018), os seres humanos são, de fato, independentemente do nível de socialização, em maior ou menor medida, seres tribais. O tribalismo discutido por Greene (2018) aproxima-se do conceito de Maffesoli (2007) e refere-se à tendência dos seres humanos em se reunirem em grupos e universos sociais, passando a sempre favorecer os que estão mais próximos em detrimento dos “estranhos”. Essa noção parte, claramente, da ideia de viés de grupo, tão trabalhada por antropólogos e psicólogos cognitivos, como o célebre Daniel Kahneman, por exemplo. Segundo Kahneman (2012), cada grupo é formatado por uma maneira mais ou menos padronizada de perceber os fenômenos do mundo, gerando, por corolário, uma lógica de inclusão e exclusão bastante particular: aceita-se o que é familiar ao grupo, exclui-se o que lhe é estranho. Pode-se dizer, nessa perspectiva, que há sempre um viés de grupo, notadamente um viés de confirmação, para validar apenas o que é familiar aos valores daquele grupo (privilegiando sempre o “nós” contra o “eles”). Não se pode negar que, em termos de política, a divisão partidária tende justamente a separar os políticos e seus correligionários em tribos: grupos morais que agem essencialmente movidos pela manutenção da própria identidade e existência“.
SEIXAS, em seu artigo: Gosto, logo acredito: O funcionamento cognitivo-argumentativo das fake news (2019).
Essa sensação de pertencimento e de “tribalização”, como proposto no artigo de Seixas parece ser a base de toda rede bolsonarista mas não é a única razão para a devoção de seus eleitores. Para um professor e historiador de Goiânia, que optou por permanecer anônimo, todos esses fatores, somados aos subtextos fascistas nos discursos do ex-presidente, sempre tão atraentes para a parcela descontente da população, como comprovado na Alemanha com Hitler e no Brasil com Vargas, tornam o bolsonarismo indissociável da idolatria à figura do capitão aposentado.
“Bolsonaro foi eleito sobre qual palanque? Todos! Era pró família, cristão, contra a corrupção, patriota! O ‘cara’ ‘atirou pra todo lado’ e conseguiu apoio do povo, sabe? É claro! Quem é contra a família ou a favor da corrupção? Ninguém! foi esse ‘jeitão de tio do churrasco’ que fez com que ele se tornasse tão popular, é a doutrinação carismática que Durkheim propôs. E uma coisa é certa, nada é mais atraente para um povo revoltado do que a construção de um inimigo comum, é o que está presente em todo movimento reacionário e foi o que ele [Bolsonaro] fez, se aproveitou da Lava-Jato, do antipetismo e fez sua plataforma ali e, historicamente falando, a burguesia brasileira sempre foi mais inclinada ao fascismo e foi o que aconteceu, o discurso do patriotismo, da ‘ameaça comunista’. Isso é uma estratégia fascista da Era Vargas”.
Baseado nas opiniões dos especialistas, bem como na análise do conteúdo veiculado nos centros bolsonaristas, é possível perceber que a identificação do eleitorado com a figura do ex-presidente da República e sua subsequente mistificação pela parte deles, parece ser o que alimenta essas manifestações golpistas e o que incentiva a continuidade dessa ignorância consciente que esses indivíduos adotaram para si. A proposição de Seixas ilustra bem o cenário contemporâneo do país e a ideologia sob a qual essas pessoas operam, uma guerra ideológica onde existem apenas dois lados, o deles e o de seus inimigos.