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Açúcar faz mal, chocolate dá espinha, carboidratos e massas engordam, gordura é totalmente proibida… Essas são algumas das ideias que há tempos escutamos, guardamos e reproduzimos durante toda nossa vida, tornando nossa relação com a comida muito difícil.
Ao tratar comidas como as verdadeiras vilãs de nossa plenitude e boa saúde, estabelecemos um relacionamento de extremismo no que se refere ao que ingerimos diariamente. Portanto, abordando alimentos específicos como totalmente corretos e o que deve ser banido dos pratos para sempre, reforça-se ideias equivocadas em busca do emagrecimento.
Desse modo, são cada vez mais comuns adoções de dietas restritas e radicais – na grande maioria das vezes, iniciadas por conta própria e sem a consulta de um profissional da saúde adequado e capacitado na área nutricional -, na busca pela perda de peso e o “corpo perfeito”. Assim, os extremismos fazem com que ingredientes importantes, vitaminas necessárias e grandes grupos alimentares nutrientes sejam cortados e excluídos de vez do cardápio de diversas pessoas atingidas pelo chamado “terrorismo nutricional“.
Afinal, o que é de fato terrorismo nutricional?
A prática, que também pode ser chamada de terrorismo alimentar, ganhou esse nome recentemente, mas é uma ideia que remonta principalmente a partir dos anos 60, com a difusão dos estudos científicos dos alimentos classificados e considerados saudáveis ou não saudáveis, bons ou ruins e nutritivos ou não.
Os paradigmas alimentares reforçadores dessa ideia e difundidos até hoje, sejam por especialistas em nutrição ou não, contribuem para a contínua visão de certos alimentos como vilões e inimigos. Diante disso, a incidência do desenvolvimento de distúrbios alimentares, desenvolvimento de compulsão alimentar, baixa autoestima e o excesso de restrições cresce entre a população, prejudicando sua saúde física e mental.
Questionada sobre o uso do termo, a nutricionista Sara Jacob afirma que essa é a maneira correta de nomear o costume e alerta para questões ainda mais complexas para além da relação: comida X indivíduo.
Sim, esse termo cabe exatamente ao que é vivido atualmente. Um verdadeiro terrorismo nutricional, em que a comida e o comer passaram a ser momentos de muita tensão, pressão e principalmente culpa. Já que, ao invés de saborear os alimentos, aproveitar o momento com a família e/ou amigos, as pessoas estão preocupadas com as calorias, em como vão fazer para “recompensar” ou “correr atrás do prejuízo”.
Terrorismo nutricional x boa relação com a comida
Enxergar certos alimentos isolados como os culpados pelo ganho de peso e outros como os salvadores aliados ao emagrecimento, faz com que o ato de se alimentar se torne um fardo e um empecilho para um relacionamento saudável conosco diariamente. Portanto, Sara Jacob alerta sobre o papel da boa informação e dos profissionais da saúde na quebra dessas convicções arraigadas na mente de grande parte das pessoas.
Nós nutricionistas e profissionais da saúde, temos que atuar em prol da saúde e não o contrário. Frequentemente recebo em meu consultório, pacientes que têm em mente que comer arroz ou um simples pão francês vai fazer com que ele engorde. E o nosso papel é mostrar que nenhum alimento de forma isolada pode fazer alguma pessoa engordar, o que tem essa influência é todo o contexto em que essa pessoa vive e como são seus hábitos. Além disso, também trabalhamos para que esse paciente melhore sua relação com a comida e entenda que uma alimentação saudável não exclui nenhum alimento mas sim incluímos e melhoramos a qualidade nutricional para que possamos promover saúde e qualidade de vida.
Aspectos da alimentação ignorados pelo extremismo
Na busca incansável pelo emagrecimento, diversos extremismos populares passam a ser adotados pelas pessoas, que visam chegar aos seus objetivos ignorando completamente aspectos ligados à saúde e à nutrição correta. Dietas low carb, jejum intermitente, dietas da lua, da sopa, detox e tantas outras são tentativas – muitas vezes ineficazes – na busca pelo “corpo perfeito”.
Assim, ao adotar tais práticas, aspectos como a saúde não estar resumida somente ao peso na balança e nosso corpo não ser simplesmente uma máquina são esquecidos e as restrições ganham um caráter ainda mais perigoso. Além disso, é importante ressaltar que a alimentação é comportamento e está fortemente ligada aos motivos pelos quais nos alimentamos, seja ele para saciar a fome ou visando algum objetivo estético, por exemplo.
O principais aspectos que são ignorados: as pessoas esquecem que o ato de comer vai além de nutrir o corpo. A comida também está envolvida com outros aspectos, como quando comemos com amigos, família, em momentos especiais como aniversários. O ato de comer também está intimamente ligado ao nosso emocional, existem pessoas que quando estão tristes comem mais ou então perdem completamente o apetite. Por isso, devemos olhar para a alimentação e ver além de nutrientes e calorias.
Relata a nutricionista.
Contudo, um fato infelizmente muito comum diz respeito às consequências negativas que essas dietas restritivas podem acarretar quando feitas de maneira impensada. Essa prática, atrelada à outros fatores externos e internos, sociais ou psicológicos, pode gerar o desenvolvimento e/ou agravamento de distúrbios alimentares graves como: bulimia, anorexia, ortorexia (que caracteriza a obsessão pela alimentação saudável) e a compulsão alimentar.
Transtorno alimentar: um inimigo invisível
Os transtornos alimentares têm relação direta com a incidência do terrorismo nutricional pois estamos cada vez mais em guerra com o corpo que possuímos e buscamos uma “perfeição” inalcançável. Desse modo, essa atitude faz com que as pessoas fiquem cada vez mais pressionadas, infelizes, ansiosas e estressadas nessa relação de amor e ódio com a comida.
A psicóloga Nubia Rosa explica como esses distúrbios afetam a saúde física e mental de uma pessoa, destacando como tudo vai além do prato e da balança.
Os transtornos alimentares afetam a saúde física e mental de uma pessoa. A curto prazo, eles já têm consequências ruins para o corpo. Cada tipo de transtorno pode ter um impacto específico, mas falaremos aqui de alguns exemplos: fadiga e desmaio; frequência cardíaca lenta; pressão sanguínea baixa; perda muscular e fraqueza; desidratação; dificuldade de concentração.
Além destes impactos, não podemos deixar de falar do impacto emocional e social que os transtornos alimentares podem gerar pois, eles envolvem sentimentos de culpa e ansiedade e, principalmente, pode afetar relações e situações sociais.
Outro fator externo de muita influência na cobrança estética entre homens e mulheres se dá através da internet, das redes sociais e da mídia em geral. Como vivemos na era da informação, muito do que se é dito ou mostrado é levado em conta pelos consumidores dos conteúdos o que, claro, terá impacto como meio reforçador de padrões alimentares e beleza desejada. Assim, Sara Jacob também comenta sobre esse fenômeno tecnológico.
A mídia exerce grande influência no comportamento de muitas pessoas. Frequentemente somos bombardeados com notícias relacionadas à estética e alimentação. São padrões de beleza completamente inalienáveis pela grande maioria das pessoas e dietas que podem, a longo prazo, trazer riscos à saúde.
Nubia também comenta os fatores que levam a ocorrência mais frequente em certos grupos da sociedade, ainda que não sejam exclusivos somente dessa parcela populacional.
Falar desse padrão de beleza vai além de ter uma vida saudável e dieta balanceada. Estamos falando sobre o real prejuízo que isso tem causado principalmente nas mulheres e em adolescentes, e consequências na saúde, principalmente saúde mental como: depressão, alterações no humor, ansiedade, isolamento social e também os distúrbios alimentares, como bulimia e anorexia. As mulheres criam expectativas com seu próprio corpo, criam metas absurdas que não estão de acordo com sua estrutura corporal e acabam virando estatística de algum transtorno. É necessário entender que esse padrão está longe de ser o ideal, principalmente pela diversidade do nosso País e da nossa cultura. E por não considerar essa diversidade, o padrão se torna opressor e influencia diretamente na insatisfação pessoal da mulher consigo mesma.
Relata Nubia Rosa.
Muitas mulheres estão assumindo suas medidas, seu corpo, suas marcas corporais, seu tipo de cabelo, suas ideologias. E são esses exemplos que devem encorajar e empoderar mais mulheres a começarem a gostar do seu corpo, respeitando assim o seu corpo, buscando exclusivamente por ter uma saúde mental e física, jamais colocando sua saúde mental em risco para conquistar um padrão de beleza imposto pela sociedade. SE AME! SE CUIDE! SE VALORIZE DA FORMA QUE VOCÊ É: ÚNICA.
Diante disso, precisa disseminar ainda mais a busca pela aceitação. Hoje se escuta mais sobre emagrecer e ser perfeita do que se dedicar a cuidar da saúde mental. Entender sobre seu corpo, seu metabolismo e aceitar cada ruga ou defeito é uma dádiva. Ter uma relação íntima com o seu corpo é essencial. É um processo de construção da subjetividade. Claro que sempre terá a influência cultural, os padrões de comportamento e o modo como a mídia interferem na percepção do corpo feminino, mas como disse, é um processo.
Reforça a psicóloga.
Uma vitória e um passo de cada vez
A estudante de direito Jullia Carrilho, conta um pouco do que foi viver tudo isso na pele. Já na fase da pré-adolescência, ela passou por um período difícil em relação à sua própria imagem e alimentação. Hoje, aos 18 anos, relembra das causas e consequências do processo pelo qual passou, bem como os ensinamentos que tirou.
Quando eu tinha 12 anos começou a surgir uma distorção de imagem relacionada ao meu corpo. Eu não sabia que era uma doença, achei que era apenas uma “fase de adolescente”, porém essa distorção começou a se intensificar ainda mais. Tenho total certeza que o que mais me influenciou a chegar até o nível em que cheguei foi: a comparação. A comparação foi a minha pior inimiga. Eu me comparava com outras meninas, e isso começou a gerar em mim uma inimizade com a alimentação.
Era uma pessoa que colocava a culpa na comida em todas as situações, e muitas das vezes eu via que passava dos limites e então tentava colocar para fora tudo aquilo que eu comi. Um professor de ciências da época me ajudou a superar, disse que eu não precisava deixar de comer para me tornar magra (sendo que eu já era), pois aquilo não era sinônimo de beleza. Não tive ajudas psicológicas na época, nem de amigos e familiares, mas foi apenas uma simples ajuda de um professor que me fez mudar a mentalidade.
Não posso de dizer que a minha relação com a comida seja 100% saudável, todavia acredito que ela melhorou muito depois de entender que a distorção de imagem não era quem eu era. A bulimia foi deixada de lado, a disfunção também, tudo isso após entender que as influências (principalmente midiáticas) não poderiam me dizer o quão bonita eu era se eu fosse mais magra.
Seguir um padrão é a arma fatal desses problemas relacionados a comida, já que são eles que são passageiros e impossíveis de ser alcançados, pois são temporários e em constância mudança.
Como estabelecer uma relação de paz com a comida?
É evidente que o consumo excessivo de certos alimentos é prejudicial para a saúde, mas também é certo que a não ingestão de grupos nutricionais completos atrelados à ideia do terrorismo nutricional é igualmente nocivo. Portanto, é preciso estabelecer um equilíbrio através da reeducação alimentar e de uma alimentação balanceada para fugir dos extremismos e levar a vida com mais leveza visando um corpo e uma mente sãs.
Para conseguirmos de fato fazer as pazes com a comida, é necessário uma série de pequenas mudanças do nosso comportamento e também da nossa mentalidade em relação à comida. Não conseguimos mudar da noite pro dia, já que são anos ouvindo e acreditando que “pão engorda”, “para emagrecer tem que parar de comer”, “tem que cortar o carboidrato”, mas com um acompanhamento nutricional adequado é possível fazer as pazes com a comida e ter um relacionamento saudável com o seu corpo.
Conclui Sara Jacob.
Ainda sobre os distúrbios alimentares, Nubia Rosa destaca o papel da ajuda psicológica e terapêutica para vencer os diversos tipos de transtornos sofridos.
Sabemos o que comemos, ou deixamos de comer, não só pelo que a comida representa, mas muito pelo que pensamos ou sentimos diante dela. O ato de comer é sempre mediado por questões emocionais e cognitivas que nos remetem a crenças, memórias, sensações, afetos e também expectativas. Por este motivo o psicólogo está, ou deveria estar sempre presente em uma equipe multidisciplinar destinada a cuidar de pessoas que sentem alguma perturbação relacionada à alimentação. O psicólogo irá realizar um acompanhamento junto com o paciente para que através das terapias irá entender e rever tais aspectos envolvidos no contexto da alimentação do paciente.
Os transtornos alimentares são, em geral, quadros graves, que geram muito impacto na qualidade de vida dos pacientes e de seus familiares. Portanto, o profissional de psicologia deve atuar sempre respaldado por protocolos internacionais atuais e baseados em evidências científicas que representem as melhores e mais confiáveis práticas e condutas de tratamento, para que tenha um resultado positivo.
Ao iniciar o tratamento terapêutico o psicólogo, desde o foco nos processos de motivação e engajamento do paciente e familiares para o tratamento, até a intervenção nos aspectos psicológicos mantenedores dos transtornos. No que se refere, principalmente à anorexia e bulimia, são relevantes e devem ser priorizadas as questões ligadas à baixa autoestima, perfeccionismo, insatisfação com a imagem corporal, isolamento social e sentimentos de baixa competência pessoal. A Terapia Cognitivo-Comportamental e suas variações aparecem como as abordagens mais recomendadas para lidar com tais aspectos, buscando desafiar comportamentos, cognições e padrões de pensamento diretamente relacionados aos transtornos alimentares.
Sabe-se que, nos pacientes com transtornos alimentares, os comportamentos de restrição e compulsão alimentar costumam funcionar como respostas às dificuldades emocionais. O tratamento é uma oportunidade de melhora destes padrões. Visando sempre que os pacientes tenham um resultado positivos em sua saúde mental e física.
Finaliza a psicóloga.
Imagem em destaque: Depositphotos/reprodução