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O jornalismo possui como um dos seus princípios a dedicação para a realidade objetiva, ou seja, garante o direito das pessoas à informação verdadeira e autêntica. No entanto, apesar de ser uma profissão importante e necessária para a população, ela começou a sofrer muitos ataques, especialmente nos últimos quatro anos.
João Victor Guedes, repórter da TV Anhanguera, e dono da empresa Boomerang Comunicação, relatou as dificuldades que enfrenta como profissional, em entrevista realizada pelo Lab Notícias. Ademais, disserta sobre as fake news, a problemática do diploma para ser considerado jornalista, e como está o mercado de trabalho.
LN: Como você iniciou a sua carreira e como foi a sua trajetória até aqui?
João Victor Guedes: A minha carreira iniciou dentro da UFG, na rádio universitária. No terceiro período eu fui para a rádio fazer o Jornal das Seis, e no semestre seguinte virei monitor. Fiquei por um ano e meio, e logo depois eu saí porque eu recebi uma proposta de estágio na TV Serra Dourada, que é afiliada do SBT aqui em Goiás, e fiquei por 6 anos.
Há 5 anos eu estou na TV Anhanguera, fui convidado para trabalhar lá como repórter. Fiz 10 anos de televisão, com experiencia em impresso, rádio e em assessoria de imprensa. Há dois anos, a Jovana Colombo me convidou para criar uma agência de comunicação. A nossa agência é completa, pois ela faz redes sociais, assessoria de imprensa e gravação de vídeos.
‘Se a gente está incomodando, é porque o nosso trabalho está sendo feito’: Ataques ao jornalismo
LN: Nesses 10 anos atuando na área, quais são as principais dificuldades que o jornalista enfrenta no seu dia a dia?
João Victor Guedes: A gente vive em um país com instituições muito fracas, sejam elas públicas ou privadas. Nesse sentido, o Estado, a Prefeitura e a União são muito fracos. O cidadão não tem segurança o suficiente para depender dessas instituições, então depende da imprensa e do jornalismo. Sendo assim, a responsabilidade do jornalismo é muito grande, e a primeira dificuldade é essa, é fazer com que as instituições funcionem. Precisamos estar em constante vigilância, e melhorar o serviço público, além de oferecer um retorno para a população.
A rotina também é um pouco complicada, é cansativa, você tem que gostar bastante, pois você abre mão de feriados, finais de semana, festas, amigos e parentes. Além disso, na TV enfrentamos sol, chuva, enchente, poeira, tudo. Tem também o fato de algumas pessoas esconderem tal informação ou não quererem a sua presença ali pois vai incomodar, ou vai chamar atenção de alguma coisa. Por esse motivo os indivíduos levantam o tom ou falam com tom de ameaça.
LN: Você mencionou o fato das pessoas às vezes levantarem a voz por você ser jornalista. Já teve alguma situação que você sofreu algum ataque verbal, não verbal, ou foi tratado de forma desrespeitosa devido a sua profissão? Como foi essa situação e como você enfrentou ela?
João Victor Guedes: Principalmente nos últimos quatro anos. O Brasil viveu uma situação bem particular e problemática no sentido político, social, econômico, cultura e de cidadania. Nesse período a informação virou inimiga, tendo em vista que não eram aceitas opiniões contrárias às suas e ao seu modo de trabalho.
Eu já ouvi xingamentos, insultos e ameaças, mas isso faz parte da nossa profissão: se a gente está incomodando, é porque o nosso trabalho está sendo feito. Se a gente está chamando atenção de algo que não quer ser mostrado, por alguém que não quer mostrar, é porque o nosso trabalho está sendo feito. Já passei por essa situação, mas estamos aqui mostrando, enunciando e exercendo o nosso poder de cidadania. Porque o jornalismo acima de tudo é um poder de cidadania, a gente faz com que o cidadão tenha o direito à cidadania que é o acesso à informação.
Acesso à informação e fake news
LN: Em relação ao acesso à informação, como o aumento dele e a possibilidade de qualquer pessoa criar uma informação, principalmente na internet, dificulta o papel do jornalista?
João Victor Guedes: Não é que dificulta. Eu costumo dizer que o jornalista tem duas funções hoje: informar e desmentir. Temos um trabalho redobrado, pois hoje todo mundo é capaz de produzir um conteúdo, e infelizmente esse conteúdo que é produzido na internet, principalmente, é cheio de falhas. Ele não é apurado, e é mais conhecido como fake news.
É mais uma responsabilidade dada ao jornalista, o que eu acho bom, porque o jornalismo que se preze é responsável pela apuração e por informar a verdade. A pessoa que quer ver determinada notícia e tem uma dúvida vai procurar no jornal, em uma fonte segura, e isso reforçou ainda mais a importância do jornalismo.
Boato sempre teve. Qual é a diferença do boato e da fake News? O boato é o disse me disse, será que é verdade, será que não é. A fake news vem travestida de uma verdade, e ela se utiliza de elementos jornalísticos para tentar enganar alguém. Tendo isso em vista, usam uma foto, uma manchete ou a página fake de um jornal. Por isso a fake news é tão perigosa, e o jornalismo é mais importante ainda. Os elementos jornalísticos, principalmente a apuração, é que vão desmentir.
LN: Como o aumento das fake news durante a pandemia e o descaso do antigo governo com a profissão dificultou o seu trabalho e ajudou a aumentar os ataques que os profissionais estão sofrendo?
João Victor Guedes: Muitos dizem que o jornalismo é o quarto poder, eu não sou a favor dessa ideia, eu não acho que o jornalismo seja mais poderoso do que alguém, o jornalismo anda ao lado de todos os poderes. E como o jornalismo tem a função da investigação, da checagem e da apuração, isso pode ter atrapalhado e incomodado o governo que estava no poder.
Sob essa perspectiva, ele desmereceu a profissão, incentivou os ataques, colocou a nossa profissão em descrédito. Se o próprio governo faz isso, ele legitima as outras pessoas, é por isso que os ataques aumentaram. Existiu legitimação, eles tinham um porta voz que era o governo federal, isso deu gás e munição a todas essas pessoas.
Se você for analisar, o jornalismo sempre teve críticas, sempre incomodou, então o nosso papel é continuar, continuar informando, apurando, e fazendo um bom jornalismo. O bom jornalismo sempre vai incomodar alguém, isso é real.
Exigência do diploma e mercado de trabalho
LN: Em 2009, por 8 votos a 1, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram que o diploma de jornalismo não é obrigatório para exercer a profissão. Como essa decisão afeta na credibilidade da profissão?
João Victor Guedes: Por incrível que pareça, o STF acabou com a obrigatoriedade do diploma em 2009, e foi justamente o ano que eu fiz o vestibular. Na prática, isso não faz muito sentido, porque empresas de comunicação grandes apenas contratam profissionais habilitados e diplomados. A própria emissora onde eu trabalho, e a empresa que eu sou dono, só contratam jornalistas formados. Então houve a tentativa de desmoralizar a profissão, mas o mercado ainda contrata pessoas habilitadas e formadas.
Além disso, o diploma e a faculdade te dão elementos e técnicas de profissão que outras pessoas não vão ter. Como a técnica de entrevista, de checagem e de apuração, além de aprender sobre a responsabilidade social da sua área. Isso vai influenciar no seu perfil como profissional. Você pode ser uma pessoa que escreve bem e pode ter uma opinião bem informada de determinado assunto. Contudo, as técnicas de notícias, de apuração, noticiabilidade e redação, você só vai conseguir em uma faculdade.
LN: Porque você considera que o diploma de jornalista foi considerado como não obrigatório mesmo sendo necessário para ter todas as qualidades que você mencionou?
João Victor Guedes: Eu achei um absurdo. Na época o que o STF reconheceu é que todo mundo tem o direito à liberdade de expressão. Isso foi um dos argumentos do STF. No entanto, a liberdade de expressão é garantida na nossa Constituição, mas técnicas profissionais e os mecanismos que você faz para exercer uma profissão não é liberdade de expressão. O jornalismo é muito mais do que uma liberdade de expressão.
O direito à informação faz parte de um dos pilares democráticos. Assim como um advogado precisa reconhecer e entender a constituição e as leis, as pessoas precisam entender as técnicas jornalísticas. Eu não sou advogado, mas sei algumas noções de leis, isso não vai fazer com que eu me torne um advogado, e assim deveria ser com jornalismo também. Não é porque as pessoas têm o direito à informação ou à liberdade de expressão que vai fazer ela jornalista. É muito importante que o diploma seja garantido, até mesmo para organizar esse tanto de ideia e informação que ronda a sociedade atual no momento.
LN: Em relação ao mercado de trabalho, como você acha que o jornalismo está agora? E como ele estará daqui 10 anos?
João Victor Guedes: O jornalismo passa por uma transformação muito grande em relação a trabalho. Você que quer trabalhar em televisão assim como eu trabalho, tem que pensar o seguinte: você não vai ser simplesmente repórter. Além disso, você vai ter que fazer produção, edição e reportagem. Hoje o mercado é muito plural, então ele exige um profissional plural que tenha noções de vários setores e de várias técnicas. Uma área específica que está crescendo bastante são as redes sociais, que, inclusive, são hoje os nossos cartões de visitas.
Hoje em dia estão trazendo o jornalista para trabalhar nas redes sociais com a imagem e com a comunicação de uma pessoa. Por isso que as empresas de assessoria e de marketing digital estão crescendo muito, e essa é uma área muito boa para jornalistas atuarem. Não acredito que a televisão ou a rádio vão acabar. No entanto, as pessoas precisam estar mais plurais, mais abertas a aprendizados múltiplos, e a assessoria de imprensa e rede social é um mercado muito bom.
‘O jornalismo em si é um formador de opinião’: Escolha da profissão
LN: Qual motivo te levou a seguir essa profissão mesmo sabendo dos ataques, da desfeita em fazer com que a profissão não exiga mais o diploma, e do desrespeito?
João Victor Guedes: Eu acho que a vontade, a paixão pela área e pelas humanidades. Se você for analisar o processo histórico da humanidade, a comunicação está presente desde as pinturas rupestres. Nesse sentido, o ser humano se comunica desde a época das cavernas, e o jornalismo vem como uma manifestação e uma forma de organização de informação.
Eu gosto bastante de saber que como profissional tenho uma importância muito grande na formação das pessoas, em razão do valor da notícia e da noticiabilidade, e do jornalismo em si que é um formador de opinião. O fato da gente estar perto das pessoas, de se colocar no lugar do outro, o poder de alteridade do jornalista é muito forte. O jornalismo te faz entender a realidade do outro, o espaço do outro, te faz estar em constante aprendizado. Isso porque ele muda a cada momento, nós temos contato com muitas informações e muitas realidades.
LN: O que você considera que pode ser feito para a sociedade, as pessoas e as instituições voltarem a respeitar ou começarem a respeitar mais o jornalista como profissional?
João Victor Guedes: Não existe uma poção mágica. Eu acho que nós temos que seguir com o nosso trabalho, temos que mostrar a importância, continuar trabalhando, exercendo o nosso direito de informar as pessoas. Ir reforçando que o acesso à informação é um direito do cidadão e faz parte da rotina jornalística.
Precisamos discutir sobre o assunto, como você está fazendo com um trabalho, levando para sala de aula, levando discussões sobre a importância do Jornal, a importância do jornalista, da notícia. Assim a gente vai montando novamente uma sociedade mais consciente em relação à informação, a questões sociais, culturais, políticas e econômicas. Enfim, tudo que o jornalismo trabalha.
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