‘Embora o jornalismo seja muito essencial, ainda não é valorizado’, conta repórter João Victor Guedes sobre a realidade da profissão

Em entrevista ao LabNotícias, o jornalista analisa a realidade do cotidiano da área, conta suas experiências e dá conselhos aos novatos.
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87% dos graduados em jornalismo se arrependem da sua escolha. Essa é a constatação do estudo “The College Payoff” da Universidade de Georgetown, dos Estados Unidos. Grande parte dessa frustação está ligada à idealização da profissão com a expectativa de fama e dinheiro fáceis. A realidade de longa jornada de trabalho, falta de reconhecimento, exposição ao risco e baixa remuneração pode frustrar os novatos.

“Embora o jornalismo seja muito essencial, ele ainda não é valorizado. Não é valorizado no sentido em que as pessoas não entendem a importância dele”.

Esse é o relato do repórter João Victor Guedes. Com experiência no impresso, rádio e em assessoria de imprensa, ele trabalhou por seis anos na TV Serra Dourada — afiliada do SBT — e atua na TV Anhanguera. O jornalista destaca, apesar dos obstáculos, a importância e as recompensas da carreira.

“A gente trabalha com informação e o acesso à informação é um dos mecanismos da Cidadania. Então, nós jornalistas, a gente contribui com o ser cidadão“.

Em entrevista ao LabNotícias, o repórter conta, com pontos positivos e negativos, a realidade do exercício da profissão.

João Victor Guedes durante entrada ao vivo na afiliada da TV Globo em Goiás (Foto: Acervo Pessoal)

Victor Hugo Gomes dos Santos: Queria começar perguntando o porquê você escolheu jornalismo como profissão?

João Victor Guedes: Porque eu escolhi jornalismo como profissão. Primeiro, meu pai sempre gostou muito de jornal, assim como meu avô. Então, eu sempre cresci com eles lendo muito jornal e assistindo a muito jornal também. E aí, quando eu tinha nove anos, teve o 11 de setembro de 2001, eu cheguei da escola e vi aquilo ali e eu achei, claro, que impressionante tudo, mas mais impressionante ainda como que aquilo era transmitido. E aí eu passei a olhar com um olhar mais, assim, diferente para o jornalismo porque achei muito curioso o fato deles estarem ali explicando tudo aquilo e mostrando tudo aquilo. E aí eu decidi fazer jornalismo. Então, foi por isso.

Dentre tantas áreas de atuação no jornalismo, como você escolheu a sua?

Então, eu sempre gostei muito de conversar. Eu sempre fui muito curioso. Curioso não no sentido de querer saber da vida dos outros, sabe? É no sentido de querer entender o outro. Então, sempre fui uma pessoa que conversava e ouvia bastante. E aí, vendo meu pai assistindo muita TV e a minha família também vendo muita TV. E eu sou da época em que, embora a televisão hoje tenha um papel fundamental no processo comunicativo das pessoas, na década de 90, ela era muito forte. Então, assim, televisão era mesmo o momento de você chegar em casa e estar ali você, sua família e a TV. Então, eu me identifico com esse universo da televisão fazendo parte da minha rotina. Sempre quis trabalhar em televisão depois que eu tive vontade de fazer jornalismo. Também porque eu sempre gostei de trabalhar com pessoas. Eu sempre gostei de conversar muito, de estar junto.

Como é sua rotina de trabalho?

A minha rotina é um pouco pesada. Assim, o meu dia de trabalho começa às cinco da manhã, porque entro na empresa às 5h, fazendo o “Bom Dia Goiás”. Então, o jornal começa às 6h. Eu tenho que estar na empresa às 5h. Então, acordo às 4h. Minha rotina começa muito cedo. Às seis da manhã já tô no ar. Então, das 6h à 1h da tarde, basicamente, eu estou trabalhando. E aí aquilo de factual depende do dia, enfim, do que está acontecendo. Eu dou aula também. Eu estou me formando em história. Então, têm dias que eu vou dar aula. À tarde, eu faço alguma alguma leitura, enfim, preparo alguma coisa. Quando chega umas dez da noite, mais ou menos, eu já tô dormindo. Então, é bem focada mesmo no trabalho, na rotina, no dia a dia do trabalho.

Por que você decidiu fazer uma segunda graduação, nesse caso história?

Eu sempre gostei muito de história também porque tanto jornalismo como história lidam com fontes e lidam, principalmente a história oral, com pessoas. E é muito bom você ouvir o relato das pessoas. A história te dá um embasamento, te dá um conhecimento para muita coisa que tá acontecendo, para um conceito de comunidade mesmo, de coletivo. Então, a história te dá essa essa base. Então, eu decidi fazer história porque eu realmente gosto da disciplina, gosto dessa área. E porque a história casa com o jornalismo de uma maneira fantástica! Dá para unir os dois e trabalhar texto, trabalhar fonte, trabalhar documento. Tudo que está em sintonia dá para a gente fazer.

Quais os principais desafios do dia a dia do jornalismo?

Victor, o primeiro é o reconhecimento, sabe? O reconhecimento da profissão como um todo. Essa reconhecimento que eu falo é da sociedade. O primeiro desafio é esse, é reforçar perante a sociedade a importância do jornalismo porque, embora o jornalismo seja muito essencial, ele ainda não é valorizado. Valorizado no sentido em que as pessoas não entendem a importância dele. Por quê? Porque a gente trabalha com informação e o acesso à informação é um dos mecanismos da cidadania. Então, nós jornalistas, a gente contribui com o ser cidadão de cada um, do indivíduo. Você estar mais informado, você é um cidadão melhor. Então, a gente precisa ser mais valorizado em relação à sociedade. Os desafios da rotina, né? Que são trabalhar sábado, domingo, trabalhar feriado. Geralmente, a gente brinca que a gente tem hora para entrar, quem trabalha em redação, assim como eu, e não tem hora para sair. Então são essas pequenas rotinas que se transformam em desafios.

Desde quando você começou sua carreira como jornalista, você acha que esse desafio do reconhecimento tem ficado mais difícil?

Tem ficado mais difícil principalmente por conta das novas tecnologias. E aí não criticando as novas tecnologias, mas analisando o momento. As pessoas podem criar seja algum tipo de vídeo, algum tipo de texto. Isso facilitou muito a comunicação. Então, hoje é muito fácil você fazer um texto, você fazer um vídeo, enfim, produzir qualquer tipo de conteúdo e achar que você é um jornalista e achar que você é um profissional da comunicação. É muito fácil você fazer um tuíte e achar que você está informando alguém. Então, é por conta disso, eu acho, que potencializou um pouco o fato do jornalista ser pouco valorizado, mas a gente tem que ser resistente. Eu acredito que o reconhecimento parte primeiro da categoria. Então, como que a gente deixa o jornalismo mais forte? Contratando jornalistas para fazer aquela função de profissionais da imprensa, de profissionais da informação. São os empresários valorizar a mão de obra, valorizar o salário. Então, essa valorização ela começa da própria categoria.

Disse que escolheu o jornalismo pela conexão que teve com a notícia desde criança. Acha que o cotidiano da profissão é como você imagina antes?

Acredito que sim. Hoje em dia, nós temos as novas tecnologias. E aí eu volto a falar delas porque realmente fazem um papel transformador, não só no jornalismo, mas em muitas áreas. Mas nós estamos reaprendendo, readaptando a esse sistema. Então, quando eu comecei — isso há 11 anos — era bem diferente do que é hoje. Quando eu comecei não tinha videocast, por exemplo, não tinha podcast que hoje são instrumentos de informação e hoje já tem. Então, assim, é como eu imaginei e tem sido diferente do que eu imaginei porque a nossa profissão tá em constante transformação.

Um clássico da profissão são os imprevistos. Como lidar com esses imprevistos?

O imprevisto faz parte do ser humano. Eu acho que os indivíduos, nós somos imprevisíveis. A gente se depara com estes imprevistos. E aí, cabe a nós ter as técnicas, você ter jogo de cintura e você ter o controle da situação. Como é que a gente tem controle da situação? Primeiro, é tendo informação e tendo a segurança daquilo que você tá transmitindo. Então, quando você sabe aquilo que você está fazendo você tem mais controle daquilo. Segundo, é levar com naturalidade porque nós jornalistas somos humanos. Nós não somos máquina. Muitas vezes as pessoas acham que o jornalista tá ali, o profissional, a gente não pode errar, não pode esquecer não pode ser interrompido, enfim, e essas coisas acontecem. Então, quando você tá, por exemplo, ao vivo dando uma informação — ah, sei lá — a bateria acaba, a palavra some. Você tem que ser muito natural. Eu lido com um improviso com o naturalidade. Então, você tem que ser natural, tem que falar “opa, daqui a pouco eu volto”, “oh, tá faltando uma informação a gente volta daqui a pouco”. Enfim, tem que agir com naturalidade

Já teve algum imprevisto ou algum erro que mais te marcou?

Uma vez, eu estava no jornal e aí era a época do horário de verão ou era uma questão quando amanhece mais tarde, né? Acho que é determinado pela época do ano. Aí eu entrei no ar, era bem cedinho, por volta das seis e poucos, estava muito escuro. Goiânia tem pontos muito escuros da cidade. A luz da câmera ficou bem na minha cara. Quando eu fui olhar para o celular, eu não consegui. Por quê? Porque ficou aqueles aquele azul, aqueles flashs na minha cara. Estava muito escuro e a luz veio veio na minha cara. E eu não consegui olhar para o celular para para ver a informação, para olhar o nome, enfim, o que é o que a gente faz, né? Acompanha muito, hoje, a gente tem o celular como instrumento de trabalho mesmo. E aí eu não consegui olhar, eu não tinha tudo na minha cabeça e eu tive que falar ‘olha, tive um problema aqui com os meus equipamentos, com a informação, daqui a pouco eu volto’. Não estava preparado, ninguém estava preparado para ir. Inclusive a paginação do jornal, né? Mas aí eu tive que falar porque como é que eu ia fazer? Então, foi um momento que me marcou muito. E fora todas essas questões de, às vezes, falha uma comunicação ali. Às vezes você chama uma sonora que não tinha. São essas coisas pontuais também.

Ao longo desses 11 anos de carreira, o que te surpreendeu?

Olha, Victor, o que tem me surpreendido é que, recentemente, tanto tem um lado negativo quanto tem um lado positivo.

Um lado positivo é que o jornalismo — e aí a nossa área é boa por isso — a gente tem contato com diferentes histórias e com diferentes pessoas. Isso é muito bom porque a gente vê o tanto que o nosso mundo é vasto. O tanto que nós, que eu, enfim, no caso, as pessoas são diferentes umas das outras. Então, me surpreende o fato da gente ter o contato com essa diferença e isso é muito bom.

Agora, me chama atenção como as pessoas têm ficado cada vez mais distantes uma das outras. Talvez por conta dos aparelhos [eletrônicos] que têm surgido. Talvez por conta da facilidade de se comunicar por conta dessas tecnologias. Então, isso tem sido, até mesmo pra mim, uma surpresa porque as pessoas estão ficando distantes e isso é ruim.

Algum aspecto que você ressalta, para quem tá no fim ou no começo do curso de jornalismo, como seu conselho?

Olha, o primeiro conselho que eu dou é que seja uma pessoa curiosa, mas curiosa, repito, naquele sentido de querer entender o outro. O jornalismo e o jornalista, acima de tudo, é o profissional que busca entender o outro e busca o comunicar com o outro. Não adianta a gente fazer jornalismo sem emoção e sem sentimento. Independentemente da área. Seja o esportivo, seja o político, seja o de comportamento, seja de arte. Enfim, nós lidamos com pessoas e pessoas são feitas de emoções. Então, desde a faculdade, a gente já tem que ir trabalhando isso. Ler bastante, estar por dentro dos assuntos e fazer contatos. Esse tipo de trabalho que você tá fazendo, fazer a ponte entre o mercado e a faculdade, isso é muito importante. Você, o aluno, saber de como que funciona as coisas, saber onde o profissional trabalha, saber quais são as empresas que estão disponíveis. E ser persistente. Eu acho que é a persistência é o caminho de tudo. O aluno não tem que procurar uma resposta quando acabar a faculdade, ele já tem que ter essas respostas agora, durante o curso.

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