Por que os Jogos Parapan-Americanos são tão especiais para o Brasil?

Equipe de paradesporto brasileira trilha uma trajetória ascendente desde a estreia dos Jogos Parapan-Americanos.
dez 13, 2023 , ,
Tempo de leitura: 16 min

Durante os Jogos Parapan-Americanos de Santiago no Chile, a delegação paralímpica brasileira obteve seu melhor resultado da história ao amealhar mais do que o dobro do segundo colocado, os Estados Unidos. Ao todo, foram 343 medalhas para o Brasil, com 89 de bronze, 98 de prata e 156 de ouro. A vice-liderança dos estadunidenses foi conseguida com uma disputa acirrada com os colombianos. México e Argentina, respectivamente, completaram o quadro de medalhas da competição.

Tabela de Resultados dos Jogos Parapan-Americanos de 2023

PaísOuroPrataBronzeTotal
Brasil1569889343
EUA555853166
Colômbia505853161
México294650125
Argentina253652113
Chile16201551
Cuba1281535
Canadá9152852
Equador77519
Peru691934
Venezuela6121634
Costa Rica45312
Bermudas1102
El Salvador1102
Trinidad e Tobago1001
Antígua e Barbuda0000
Aruba0011
Guatemala0011
Barbados0000
Granada0000
Guiana0000
Haiti0000
Honduras0000
Ilhas Virgens Americanas0000
Jamaica0000
Nicarágua0000
Panamá0101
Paraguai0000
Porto Rico0011
República Dominicana0358
São Vicente e Granadinas0000
Uruguai0112
Fonte: Comitê Paralímpico das Américas
Petrúcio Ferreira comemora vitória nos 100m nos Jogos de Tóquio | Foto: Wander Roberto / CPB

Logo no primeiro dia, as seleções brasileiras de para-atletas já assumiram a liderança do quadro de medalhas ao subirem no pódio 46 vezes. 19 vezes em primeiro lugar, 14 em segundo e 13 em terceiro. Enquanto os Estados Unidos tiveram que lutar para sair da quinta posição em que estrearam, o Brasil não saiu mais do topo.

O nação liderou em 10 das 17 modalidades em disputa: atletismo, natação, bocha, judô, badminton, taekwondo, tênis de mesa, halterofilismo, futebol para cegos e no futebol para pessoas com paralisia cerebral.

O ministro do Esporte, André Fufuca (PP), sublinhou a excelência dos atletas paralímpicos brasileiros em declaração dada à Agência Brasil após a divulgação dos resultados finais.

André Fufuca
É um resultado extraordinário, que comprova mais uma vez a força dos atletas brasileiros do paradesporto e a excelência do trabalho que vem sendo feito em conjunto com o CPB.”

Nadador de ouro

Nadador Douglas Matero sorri enquanto mostra suas oito medalhas medalhas
Nadador carioca colecionou vitórias em Santiago (Foto: Fabio Motta/Prefeitura do Rio)

Dentre os vários destaques brasileiros, o nadador Douglas Matera se sobressaiu ao ficar no topo do pódio todas as vezes em que competiu. O carioca de 30 anos arrebatou as oito medalhas de ouro pelas quais competiu nas categorias de 100m costas (S12), 100m borboletas (S12), 100m livre (S12), 200m medley (SM13), 400m livre (S13), 50m livre (S13), revezamento 4x100m livre (49p) e 4x100m medley (49p).

Todas essas vitórias foram conquistadas depois do atleta retomar a carreira após uma pausa de sete anos. Aos 16 anos, indo mal na escola e perdendo o prazer em nadar, Douglas deixou de treinar profissionalmente na natação regular. Foi assistindo ao seu irmão Thomaz competir nos Jogos Paralímpicos do Rio que o atual medalhista recobrou o ânimo para voltar a competir.

Douglas Matera
“Meu irmão tinha voltado a nadar em janeiro de 2016 e, em seis meses, teve uma ascensão meteórica. Foi convocado para os Jogos e se tornou finalista paralímpico. Ele abriu as portas para eu voltar a nadar. Naquele ano, eu tinha me formado em Engenharia Civil, mas me animei a retomar a vida na natação.”

Ainda antes de deixar as piscinas, Douglas foi diagnosticado com retinose pigmentar, uma doença genética que causa a degeneração de células receptoras da retina e, consequentemente, a perda da visão. Por ser hereditária do avô materno, o irmão Thomaz também obteve o mesmo diagnóstico, mas outros dois irmãos deles não tiveram a visão afetada.

“Eu tinha 8 anos e meu irmão estava com 12. Sempre soubemos que íamos perder a visão, mas é o tipo de informação que você só compreende quando ela realmente acontece. Minha visão nunca foi boa, sempre tive de sentar na primeira cadeira na escola para conseguir acompanhar as aulas. Mas ela só foi piorar mesmo a partir de 2015, 2016, quando eu comecei realmente a ter alguma ideia do que é perder a visão. Mas toda a dificuldade que eu tenho exige que eu melhore em algum aspecto. Minha visão já foi muito melhor do que é hoje, mas, ao mesmo tempo, eu sei que ela hoje é melhor do que vai ser no futuro.”

Quando ele retornou às piscinas, já formado em engenharia civil, foi classificado para competir na categoria S13 de natação adaptada. Seguindo a trajetória meteórica do irmão, em 2019, no Parapan de Lima, Douglas levou para casa três medalhas de ouro (100m costas, 100m borboleta e 400m livre) e três pratas (200m medley, 100m livre e 50m livre). Agora em Tóquio para os Jogos Paralímpicos, ele foi o segundo colocado no revezamento 4x100m livre 49 pontos. Nos anos seguintes, faturou dois ouros e uma prata em mundiais, mas foi em Santiago onde ele foi laureado com suas maiores vitórias.

O irmão não ficou para trás ao ganhar prata em uma modalidade e bronze em outras quatro, ajudando a equipe verde-amarela a ter na natação sua modalidade mais bem sucedida.

O próximo objetivo da dupla de irmãos é conseguir repetir o desempenho nos Jogos Paralímpicos de Paris de 2024. Douglas almeja conquistar o título de campeão paralímpico nos 100 metros borboleta, a principal prova da sua carreira.

Há quatro anos

Cerimônia de encerramento do Parapan de Lima em que o Brasil se sagrou campeão
(Foto: International Paralympic Committee)

Os integrantes do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) já vinham de um resultado histórico na última edição do torneio. Em 2019, no Parapan sediado na capital peruana Lima, o Brasil conquistou 124 ouros, 99 pratas e 85 bronzes, totalizando 308 laureações. Já naquela sexta edição, os esportistas brasileiros conseguiram o feito de serem a primeira delegação a somar tantas vitórias em uma única edição dos Jogos. Recorde que foi batido novamente pela seleção verde e amarela em Santiago.

Essa vitória veio com a maior delegação da já vista. Foram 337 competidores e 513 pessoas na agremiação. A natação — assim como em 2023 — foi a modalidade-estrela ao regalar 126 medalhas, com 53 ouros, ao Brasil. Juntamente ao atletismo e tênis de mesa que, com 84 e 24 medalhas respectivamente, foram as três principais modalidades no quadro de medalhas brasileiro.

Mizael Conrado, presidente do Comitê Paralímpico, ressalta a importância de ter superado os resultados elevados da edição anterior da competição.

Mizael Conrado

“A gente sabia que era um grande desafio fazer uma campanha melhor que Lima, mas os atletas mais uma vez superaram todas as marcas. A gente teve uma participação muito importante aqui com atletas jovens, foram mais de 100 medalhas conquistadas por atleta jovens. Realmente uma competição espetacular. A gente sai daqui muito orgulhoso e muito emocionado

Retrospecto

Desde a primeira edição dos Jogos Parapan-Americanos, em 1999 no México, a equipe canarinho trilha uma trajetória ascendente. O país é o maior campeão da história do torneio, estando há cinco edições consecutivas liderando o quadro de medalhas. Logo na estreia do Parapan, a seleção ficou em segundo lugar. Os esportistas brasileiros repetiram o resultado no torneio seguinte. O íncio da sequência de invencibilidade começou em terras brasileiras, no Parapan do Rio de Janeiro em 2007. Daí em diante, foi consolidada a posição brasileira no topo do pódio pelos 16 anos sequintes.

A primeira edição dos Jogos Parapan-Americanos foi realizado no México. O país-sede liderou a disputa com 307 medalhas seguido pelo Brasil com 212 e Argentina com 157.

As duas campeãs do Parapan 1999 obtiveram um desempenho pior na edição seguinte. Em solo argentino, o Brasil conquistou a prata no vôlei masculino e feminino, além de outras 164 medalhas, permanecendo na segunda posição.

A seleção canarinho fez bonito disputando em casa. Foram 228 condecorações que sagraram o país, pela primeira vez, como campeão dos Jogos.

Sediado novamente no México, o Parapan deu o bicampeonato aos brasileiros. Foi levada a maior delegação pelo Brasil, até então, com 231 esportistas.

No Parapan de Toronto, a delegação brasileira faturou 257 medalhas, quase o dobro do anfitrião e vice-campeão Canadá.

O Comitê Paralímpico Brasileiro pôde comemorar o feito histórico de maior medalhista em uma única edição do torneio.

Uma nova geração de paraesportistas conquistou o pentacampeonato. Kauana Beckenkamp, a atleta de 14 anos, a mais jovem da delegação brasileira, foi prata no badminton SL13.

Desafios atuais

Apesar do histórico de excelência no paradesporto, pessoas com deficiência ainda encontram dificuldade para ter acesso à prática esportiva adaptada. É o que diz a profissional de educação física Giovana Goveia, que está desenvolvendo uma pesquisa de campo sobre a inclusão de pessoas surdas na prática do atletismo. A partir do seu trabalho acadêmico, ela constatou ao Labnotícias o maior desafio à inclusão desse coletivo no esporte.

Giovana Goveia

“Eu acredito que a dificuldade mesmo é a comunicação, porque essas pessoas surdas se afastam do esporte ou de qualquer exercício físico justamente por achar que não vai ter alguém que consiga entender ela, né?”

Ela também sublinha a carência de políticas públicas perenes para inclusão esportiva. No caso de pessoas surdas, destaca a carência de integração por meio da comunicação.

A inclusão de uma matéria exclusiva de libras no ensino fundamental, até mesmo nos primeiros anos de estudo de uma criança, é totalmente necessária. […] Essas ações de promover, pelo menos, algumas aulas de graça ou alguns aulões para você ter um conhecimento e aí você ir atrás de buscar mais e aprofundar, mas eu realmente não vejo isso do [ensino] público.”

O Secretário Nacional de Paradesporto, Fabio Augusto Lima de Araujo, reconheceu a persistência dessas brechas discriminatórias em entrevista ao LN.

Fabio Augusto Lima de Araújo
“Realmente, o cenário ainda é de exclusão social para qualquer pessoa com deficiência em qualquer contexto social. […] Ao falarmos em paradesporto no Brasil, constata-se que estamos muito longe do ideal, no que diz respeito à capacidade de ampliação da prática de atividade física pelas pessoas com deficiência, bem como na falta de compreensão, conscientização e interesse de gestores públicos.

Em relação às políticas desenvolvidas pela sua secretaria vinculada ao Ministério do Esporte, Fábio Augusto lembrou do impacto de programas como o Bolsa Atleta no resultado obtido no Parapan.

“Esse desempenho espetacular se deve, principalmente, pela vontade de cada atleta, de cada profissional e/ou equipe multidisciplinar que acredita na eficiência desses atletas que escolheram o esporte de alto rendimento, por um sonho, pela busca de vencer as barreiras sociais e estruturais. No entanto, sabe-se que só a vontade humana não é suficiente, é necessário políticas públicas eficazes, por meio de programas para o fomento e desenvolvimento do esporte como um todo. […] cabe ressaltar que os programas de bolsa atleta tem sido um fator de suma relevância na vida do atleta paralímpico. Das 343 medalhas conquistadas pelo país, 325 tiveram a digital do Bolsa Atleta Federal, ou seja, contaram com pelo menos um integrante do programa de patrocínio individual do Governo Federal: 97,89% do total de medalhas”.

O secretário ainda frisou o processo de reestruturação de programas que haviam sido descontinuados e a criação de novos. Uma das ações de relevo lançada em agosto, segundo ele, é o Paradesporto Brasil em Rede. Nesse modelo há uma rede composta por Institutos Federais e Universidades Federais — dentre elas, a Universidade Federal de Catalão representando Goiás — para desenvolvimento e ampliação do paradesporto nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, estimulando a produção de conhecimento e a replicabilidade de ações em outras localidades.

Programas de inclusão no paradesporto
AçõesFinalidades
Semear + ParadesportoAcesso à formação paradesportiva de crianças, adolescentes e jovens com deficiência
no Brasil;
TEAtivoApoio às práticas esportivas, psicomotoras e de lazer para crianças e adolescentes
com Transtorno do Espectro do Autismo;
Maré Inclusivaincentivo às práticas de parasurf, em todos níveis, categorias, modalidades e manifestações, de modo a desenvolver e estimular a prática de atividade esportiva
com reconhecidos benefícios terapêuticos e de transformação social;
MEC + EsporteInclusão de produtos de tecnologia assistiva paradesportivos na lista das salas de recursos multifuncionais; Reformulação da matriz curricular dos cursos de Educação Física para incluir a temática como disciplina obrigatória, buscando a educação física
inclusiva; e Especialização de profissionais da educação básica (CAPES);
Saúde + Esporte Inserção do paradesporto, pelos ministérios da Saúde e do Esporte, como ferramenta
de reabilitação nos CERs (Centros Especializados em Reabilitação); Participação na
elaboração do questionário da Pesquisa do Nacional de Saúde; e Inclusão do
Programa TEAtivo nos CERs;
Desenvolvimento Social + EsporteCapacitação das equipes de visitadores do Programa Criança Feliz para apoio
às famílias com crianças com deficiência;
Plano Viver sem Limite 2Formulação de ações paradesportivas no âmbito do Novo Plano Viver sem Limite 2, política desenvolvida pelo Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, que promove os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais das pessoas com deficiência e de suas famílias.

Rumo à Colômbia

Samuel de Oliveira comemora o ouro e o recorde mundial nos 400m da classe T20 | Foto: Cris Mattos/CPB

O próximo desafio do Brasil será em Barranquila, na Colômbia. Em 2027, a agremiação terá defender a invencibilidade para conquistar o hexa. Espera-se repetir a estratégia de Santiago em investir na renovação do elenco na disputa. Daqui a quatro anos, serão 1,5 atletas de 28 nações competindo em 13 esportes.

Porém, antes, o CPB ainda tem que enfrentar o Campeonato Mundial de Atletismo, além dos Jogos Paralímpicos de Paris, de 28 de agosto a 8 de setembro do ano que vem, o principal evento paralímpico.

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