Jovem, milionária e lésbica: Alice Weidel, a nova cara da extrema-direita alemã

Casada com uma asiática e já tendo sido imigrante, Weidel é contra imigração. Lésbica e mãe de duas crianças, defende a "família tradicional". Com uma formação cosmopolita, é refratária à globalização.
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Milhares de manifestantes estão indo às ruas na Alemanha em protesto contra o partido de extrema-direita AfD. As manifestações começaram no domingo (14) após a imprensa local revelar a participação de membros do “Alternativa Para Alemanha” em uma reunião secreta. No encontro, foi defendida a deportação em massa de imigrantes para um país do Norte da África. O plano é similar à ideia inicial dos nazistas de deportar judeus a Madagascar na década de 1930. Os participantes do evento se basearam na atual tendência de ascensão da sigla para planejar um hipotético governo ultraconservador. Neste sábado (20), ocorreram as concentrações mais numerosas até agora, que reuniram 250 mil pessoas pelas principais cidades da nação.

A AfD afirma que os dois membros do partido que participaram da reunião o fizeram por conta própria. Além disso, ambos foram afastados dos cargos. Um dos membros afastado é Roland Hartwig, então assessor da co-líder da AfD, Alice Weidel.

Metamorfose Ambulante

Co-líder da AfD durante coletiva de imprensa em 2019 (Foto: Olaf Kosinsky)

Alice Elisabeth Weide é um nome cada vez mais ouvido no país da Europa Central. Desde 2017, quando estreou no cargo de deputada federal, ela vem ganhando relevo dentro da sua agremiação política dado o seu perfil mais palatável aos eleitores.

A política nasceu em Gütersloh, cidade do Noroeste da Alemanha. Ela se formou com honras em economia e administração pela Universität Bayreuth, uma universidade pública da Baviera. Logo após se graduar, trabalhou para o renomado banco estadunidense Goldman Sachs. Deixou a instituição para atuar por seis anos no Banco da China, onde adquiriu fluência em mandarim e fez fortuna. Ela se divide entre a Alemanha e Suíça, em que residem sua esposa Sarah Bossard — uma imigrante do Siri Lanka — e seus dois filhos.

“As pessoas que vieram para cá como refugiadas são analfabetas, não têm formação. Eventualmente, elas terão que voltar, isso simplesmente não pode continuar.”

“O país será destruído por meio dessa política de imigração. Donald Trump disse que Merkel é louca e eu concordo absolutamente com isso.”

 “Não quero que ninguém com sua idiotice de gênero ou suas aulas precoces de sexualização se aproxime de meus filhos“.

Essas declarações foram dadas após ser eleita pela primeira vez ao parlamento alemão, aos 38 anos, em entrevista ao jornal The Local Deutsche. Casada com uma asiática e já tendo sido imigrante, Weidel é contra imigração. Lésbica e mãe de duas crianças, defende a “família tradicional” e prega contra a “ideologia de gênero”. Com uma formação cosmopolita, é refratária à política de integração europeia e à globalização. Dado seu perfil pessoal, suas posturas ideológicas parecem contraditórias.

Jornada ideológica

Auditório central da Universidade Bayreuth na época em que Alice realizava seu doutorado (Foto: H. Wurst, CC BY-SA 2.0 DE, via Wikimedia Commons”>H. Wurst)

A sua aproximação ao ideário da “Alternative für Deutschland” ocorreu por conta do seu orientador de doutorado. Peter Oberender guiou o trabalho de Weidel no doutorado sobre o futuro do sistema previdenciário chinês. O doutor em economia da saúde defendia ideias ultraliberais contrárias ao financiamento público à saúde. Segundo ele, o orçamento da saúde é uma “contenção artificial de um possível crescimento do mercado no sistema de saúde”. Sua tese, defendida no livro “Growth Market Health”, sustenta que o envelhecimento demográfico populacional aliado ao avança da medicina torna a indústria da saúde com um potencial de crescimento extraordinário. Entretanto, seria inviável às finanças públicas sustentar da mesma maneira esse crescimento sem haver um endividamento catastrófico. Com base nessas premissas, a então orientanda desenvolveu o doutorado sobre o tema.

A economista passou a conviver intensamente com as ideias do cátedra da Universidade Bayreuth, desenvolvendo afinidade com outra ideia que a levaria às fileiras da formação de extrema-direita: oposição ao euro. Peter Oberender afirmava que a adoção do euro como moeda única da União Europeia (UE) foi maléfica aos interesses alemães. Segundo a Business Insider, ambos acreditavam que Estados europeu mais ricos, especialmente o alemão, estavam financiando a manutenção de uma moeda artificialmente forte para países frágeis economicamente, como a Grécia. Essa é uma posição de longa-data de Oberender. Ainda em 1992, ele foi signatário do manifesto eurocético “The Monetary Policy Decisions of Maastricht: A Danger for Europe”. Essas posições anti-UE que o levaram a firmar o texto de criação da AfD em 2013, levando consigo Alice Weidel.

Os posicionamentos da economista sobre temas ideológicos polêmicos nunca foram externados, de acordo com seus colegas de trabalho para a Financial Time. A única posição mantida ainda quando trabalhava no Goldman Sachs era a oposição à moeda única do bloco europeu. Um ex-colega afirma que Weidel frequentemente expressava sua “oposição inflexível” ao euro, apresentando “argumentos muito sofisticados para explicar por que não era bom para a Alemanha”.

A primeira manifestação mais radical conhecida de Alice ocorreu em 2013, conforme revelado pelo jornal germânico Die Welt, em que enviou e-mails chamando a classe política alemã de “porcos” e “fantoches ao serviço das potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial”. O vocabulário e a retórica são iguais às usadas por Hitler durante o Terceiro Reich.

Tendo integrado o partido desde sua fundação, ela foi eleita, dois anos mais tarde, para o órgão máximo da agremiação, o Comitê Executivo Nacional. Contudo, a ascensão a levou a cometer o que é visto por muitos como seu único erro de cálculo político até aqui. Ela foi uma das articuladoras dos esforços fracassados de banir Björn Höcke do partido. Weidel tentou destituir o deputado pela Turíngia em reação às críticas a falas dele de cunho neonazista naquele ano. Como não obteve sucesso, ganhou um rival e má reputação entre a base eleitoral da AfD. Por isso, perdeu sua primeira eleição ao parlamento de Baden-Württemberg.

Soube se reposicionar, passando a adotar um perfil discreto. Ela reconstruiu pontes com Höcke e, por conseguinte, com seus correligionários mais reacionários. Na Alemanha, os membros do parlamento federal são eleitos em duplas pelo sistema de listas eleitorais. Entre a derrota no pleito estadual e a próxima eleição geral alemã um ano mais tarde, coube a Alexander Gauland — colega de chapa — promover entre as alas mais radicais sua parceira como o nome certo para formar a dupla “puxadora de votos” para AfD. Eles saíram vitoriosos, sendo anunciados como os candidatos principais e dando a melhor votação da história da legenda.

O futuro da extrema-direita?

Alexander Gauland, líder da AfD, ao lado de Weidel em sessão plenária no Bundestag (Foto: Olaf Kosinsky)

Quando o líder da formação de extrema-direita alçou Alice como co-líder e principal candidata às eleições federais de 2017, Alexander Gauland buscou usar as contradições ideológicos para amenizar a percepção dos votantes sobre a AfD. Desde então, a parlamentar é vista como uma renovação a Alexander. Enquanto ele tem 82 anos, ela tem metade da sua idade. Ela desempenha o papel de fomentar a dualidade ideológica para agradar a diferentes alas da sigla.

“Em profunda tristeza, nos despedimos da família alemã, cuja proteção constitucional foi enterrada pelos ‘representantes do povo’ no parlamento alemão”.

“Ser a favor da família tradicional não significa rejeitar outros estilos de vida”.

A primeira declaração foi dada em manifesto da AfD após a aprovação da lei do casamento igualitário entre pessoas do mesmo gênero. Em entrevista ao Financial Times, a vice-líder do partido tratou de matizar o posicionamento dos seus correligionários. Por outro lado, também sublinhou que “crianças devem crescer com o cuidado de um pai e de uma mãe”.

2013

“Ela [AfD] realmente surgiu em resposta à crise da zona do euro. Era um grupo de economistas comparativamente liberais que estavam descontentes com os resgates aos gregos. Tinham um viés patriótico, mas certamente teriam negado ser de extrema-direita.”

Philip Oltermann, repórter da The Economist, rememora a conformação da AfD em meio à crise da eurozona. A base ideológica partidária era muito mais econômica do que na agenda de costumes. Essa raiz neoliberal que trouxe intelectuais e economistas como Oberender e Weidel. Foi o plano da então chanceler Angel Merkel para acolher 1,2 milhão de refugiados sírios durante a guerra civil no país do Oriente Médio que conduziu à guinada extremista.

“[O partido] passou por várias remodelações e sempre são as figuras mais liberais que são retiradas

O repórter radicado na Alemanha sublinha a importância da não expulsão de Björn Höcke tanto para o partido como para Alice. Ela tentou expulsá-lo para marcar posição contra as falas dele que descreviam as tradicionais manifestações em memória da tragédia do holocausto como uma ‘cultura de culpa nacional que devia parar‘.

“Quando ele não foi expulso, foi quando se tornou justificável e necessário chamar esse partido não apenas de grupo populista de direita, mas de extrema-direita.”

O fato de, mesmo após a enorme repercussão dessas falas, a AfD ter obtido sua melhor votação sem puni-lo estimulou a estrutura partidária — incluindo Weidel — a endossar posições mais radicais.

2021

Então vice-chanceler, em 2021, durante campanha à sucessão de Merkel (Foto: Michael Lucan, CC BY-SA 3.0 DE, via Wikimedia Commons”>Michael Lucan)

Nas últimas eleições gerais alemãs, a extrema-direita viu sua força parlamentar cair em 11%. Todavia, o atual governo federal encabeçado por Olaf Scholz tem enfrentado diversas crises, uma mudança incômoda para uma população acostumada ao governo de Merkel que resistiu a todas as crises. A chamada coalização semáforo — devido as cores da tríade que sustenta o Executivo: vermelho (sociais-democratas), amarelo (liberais) e verdes — enfrentou a pandemia, a guerra na Ucrânia, a crise inflacionária e uma série de greves. Esse panorama está catapultando a sigla extremista.

Resultado das eleições alemãs com a AfD

201320172021
AfD4,7%12,6%10,3%
CDU41,5%32,9%24,1%
SPD25,7%20,5%25,7%
FDP4,8%10,7%11,5%
Verdes8,4%8,9%14,8%

2023

Vista panorâmica de Berlim com vista do parlamento federal (Foto:

“Ainda estamos muito longe de um debate sobre se a AfD poderia fazer parte do governo federal. Não posso vê-los compartilhando poder na próxima eleição, em 2025, mas há uma sensação de que algo grande está mudando.”

Nos últimos anos, partidos de direita moderados na Suécia e Espanha, por exemplo, renunciaram ao isolamento das siglas à sua direita para chegarem ao poder. Em outros casos, como na Itália e França, figuras femininas — como Giorgia Meloni e Marine Le Pen — impulsionaram processos de suavização da imagem de seus partidos para obterem melhores resultados eleitorais. A expectativa é que, dado o perfil ambíguo, Alice Weidel pode ter um papel similar.

2025

Parlamento Europeu em sessão para dar posse aos eurodeputados (Foto: Diliff, CC BY-SA 3.0, via Wikimedia Commons”>Diliff)

A última pesquisa do agregador Politico Poll of Polls Germany aponta que a agremiação, no próximo pleito daqui um ano, daria um salto de quinta para segunda maior bancada no parlamento. Apesar das revelações do plano de deportação em massa de imigrantes, foi observado um aumento da intenção de voto da AfD.

“Esses protestos estão bastante impressionantes, dado o quão espontâneos eles são, e galvanizou a maioria contra eles, mas eles não estavam votando na AfD de qualquer maneira. Minha sensação é que isso não afastou sua base eleitoral de forma alguma.”

O repórter britânico contextualiza, porém, que as lideranças partidárias tentaram se distanciar do escândalo, ao contrário do caso de Björn Höcke.

“Talvez uma coisa tranquilizadora é que isso mostrou que eles ainda não são completamente descarados. A co-líder demitiu seu assessor que participou dessa reunião, e pensei que talvez ela não fizesse isso. Isso pode sugerir que não estão tão confiantes sobre sua força, ou que eles podem simplesmente ignorar. Mas, por mais importante que seja uma peça jornalística, não tenho certeza se terá um grande impacto eleitoral.”

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