Uberização: conheça fenômeno referente a informalidade do trabalhador brasileiro

1,5 milhão de brasileiros trabalham em aplicativos de serviço no Brasil e não possuem direitos trabalhistas
jan 24, 2024 , , ,
Tempo de leitura: 7 min
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Uberização é um neologismo criado a partir do nome do aplicativo de transportes da multinacional americana Uber, e é utilizado para descrever o uso de aplicações digitais que tem como objetivo, o intermédio de prestadores de serviços independentes e os consumidores, servindo como alternativa para os contratos de empregos tradicionais. O aplicativo de entregas alimentícias iFood ou o GetNinjas, que visa conectar clientes a prestadores de diversificados serviços, são exemplos de empresas que praticam uberização.

Os aplicativos surgiram como uma alternativa para o complemento de renda, mas acabaram por se tornar a alternativa primária de trabalho de muitos, visto que nesse modelo de vínculo empregatício, o profissional contratado é que decide seu horário de trabalho, sendo remunerado perante a demanda de seu serviço. Assim, a “uberização” é oferecida como uma alternativa de emprego mais flexível, em que o trabalhador seria o seu “próprio patrão.”

O termo ganhou destaque recentemente na literatura acadêmica, como na Sociologia, Psicologia e Direito, com a temática de precarização do trabalho, visto que perante a lei, os prestadores de serviço que se cadastram nos aplicativos, não tem sua carteira de trabalho assinada, e portanto trabalham na informalidade, não possuindo direitos trabalhistas, como férias, seguro desemprego ou plano de saúde.

Uberização no Brasil

De acordo com dados do PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e publicada em outubro de 2023, 1,5 milhão de pessoas trabalham em aplicativos de serviço no Brasil. Desses, 778 mil trabalham em aplicações relacionadas a transporte particular de passageiros (52,2%), 589 mil com entrega de comida (39,5%), e 197 mil com serviços e prestações gerais (13,2%). 

Gráfico de autoria própria utilizando dados fornecidos pelo PNAD e pelo IBGE.

A crescente dos números acima, muito se relaciona com a crise gerada no mercado de trabalho durante a pandemia da Covid-19. A título de comparação, em outra pesquisa realizada pelo IBGE no ano de 2022, 10 milhões de brasileiros estavam fora do mercado de trabalho. Tal fato explica o aumento do número de pessoas que aderiram ao fenômeno da uberização, visto que os serviços de aplicativo, que inicialmente, tinham como objetivo a complementação de renda,  funcionam como alternativas empregatícias vitalícias.

Caso Artur Neto

No ano de 2016, o motorista de aplicativo Artur Soares Neto moveu uma ação trabalhista contra “Uber Do Brasil Tecnologia Ltda”, empresa responsável pelo funcionamento do aplicativo Uber no Brasil. Segundo consta no processo, Artur, que começou a trabalhar como motorista na plataforma em 2016, foi desligado sem motivação iminente. O autor da ação alega cargas horárias que excedem as diárias máximas apresentadas na Constituição Federal (8 horas diárias/44 horas semanais), sem autonomia no exercício da atividade, em que a empresa controlava os valores do serviço e repassava valores ínfimos ao contribuinte. Assim, Artur processou a empresa visando o reconhecimento de vínculo de emprego, com a devida anotação da carteira de trabalho e previdência social. 

O processo foi considerado improcedente pelo juiz da 37ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, Filipe de Souza Sickert, com base nos artigos 2º e 3º das Consolidações das Leis do Trabalho (CLT), constatando que não houve subordinação jurídica entre a empresa e o prestador de serviços:  

“Segundo se infere dos arts. 2º e 3º da CLT, os pressupostos para a caracterização da relação de emprego são a pessoalidade, a subordinação jurídica, a onerosidade e a não eventualidade na prestação dos serviços. Apenas o somatório de todos esses pressupostos tem por consequência a caracterização do vínculo de emprego. No caso, o conjunto probatório produzido revela a ausência de subordinação do reclamante para com as reclamadas, o que inviabiliza o pretendido reconhecimento do vínculo empregatício.”

Trecho do processo movido por Artur contra a Uber.

O caso de Artur é uma demonstração de como os profissionais em situação de uberização não são amparados pelas legislações vigentes no Brasil, não havendo quaisquer direitos trabalhistas garantidos a essas pessoas.

PL 1471/2022

Visando amparar legislativamente os prestadores de serviços que utilizam plataformas digitais, o deputado federal Felício Laterça, do partido Progressistas (PP/RJ), propôs no ano de 2022, o Projeto de Lei 1471/2022, que visa alterar as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei nº 12.587, de 3 de janeiro de 2012), com intuito de regulamentar os aplicativos de serviços de transporte privado. Tal regulamentação prevê um valor mínimo a ser repassado ao motorista, superior ao valor horário do salário mínimo vigente. 

Além disso, o PL propõe que o valor a ser repassado ao prestador do serviço leve em consideração fatores como: 

  • custos médios de limpeza e manutenção veicular no município; 
  • custos de depreciação do veículo; 
  • custos relativos a impostos e taxas; 
  • preços dos combustíveis, cuja variação maior que 10% (dez por cento) ensejará revisão do valor mínimo vigente; 
  • tempo dedicado à espera de solicitação de viagem;

Tal medida, seria benéfica aos prestadores de serviços dos aplicativos em questão, que apesar de continuarem na informalidade, passariam a receber um piso salarial, em vez de receber o valor pela corrida realizada, além de firmar uma parceria mais consistente que um mero acordo entre a plataforma e o prestador do serviço, como explicado na justificativa presente no texto original da lei, à seguir:

“[…] é o fato de que a maior parte dos motoristas dedicam seu tempo de forma integral (ou quase integral) a essa atividade, a qual constitui sua única fonte de renda. Percentual relevante de pessoas compraram ou trocaram seus veículos para se adequar às exigências da plataforma e fizeram compromissos e mudanças de vida difíceis de reverter. Ainda, o perfil socioeconômico da maior parte dos motoristas é tal que sua realocação no mercado exige preparação e tempo, coisa que a jornada, que frequentemente supera as 12 horas diárias, não permite. Esses fatores, e, em alguns casos, inviabilizam a saída do motorista desse mercado[…] Rechaçamos a hipótese de que o motorista, nesse contexto, seja mero parceiro da fornecedora de aplicativo. Essa relação é flagrantemente desigual e esse poder discrepante é frequentemente exercido pela empresa, por meio de imposição de tarifas distorcidas, retenção de taxas que chegam a 50% ou exclusão arbitrária de motoristas da plataforma. Admitir, nesse cenário, que os motoristas possam ser enquadrados como “empreendedores” e que sua relação com a plataforma seja a de “parceiros comerciais” é, na melhor das hipóteses, uma ofensa ao bom senso e flagrante distorção da legislação duramente construída em favor do microempresário no País.”

Trecho da PL 1471/2022 justificando sua proposição.

Para saber mais sobre o Projeto de Lei 1471/2022, sua tramitação e sua cronologia, você pode acessar seu resumo no site da Câmara dos Deputados, ou o texto original clicando aqui.

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