‘As culturas dos movimentos de Rap é uma forma de ascensão social’, diz coordenadora de batalha de rimas de Goiânia

Cheio de possibilidades, crescente cenário do Rap goiano esbarra em preconceitos, falta de apoio e estereotipação por parte da mídia
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Batalha de rimas. Foto: Rafael Vilela

Tendo como significado as palavras Ritmo e Poesia, do inglês rhythm and poetry, o Rap tem sua origem na década de 60 na Jamaica, tendo sido levado para os bairros periféricos de Nova Iorque, nos Estados Unidos, no começo da década de 70, originando-se como uma resposta às condições sociais desfavoráveis e à falta de oportunidades enfrentadas por essas comunidades.

Geralmente cantado e tocado por um DJ (disc-jóquei), que fica responsável pelos efeitos sonoros e por MCs (Mestres de Cerimônia) que se responsabilizam pela letra, o Rap ficou conhecido por sua batida acelerada e sua letra em forma de discurso, tendo como seu grandes expoentes, o DJ Kool Herc, considerado o pioneiro do movimento, e os rappers Afrika Bambaataa, Sugarhill Gang e Grandmaster Flash.

No Brasil, o movimento teve origem na década de 80, na cidade de São Paulo, com shows realizados pelo DJ Theo Werneck no Teatro Mambembe. À época, o gênero era visto com preconceito por ser considerado violento e por ser periférico, conseguindo superar a discriminação e “furar a bolha” para o mainstream com o sucesso dos músicos DJ Hum e Thayde, que pavimentaram o caminho para o ápice do gênero na década de 90, com nomes como os Racionais MCs, Planet Hemp e Gabriel, O Pensador.

Já no cenário goiano, o estado de Goiás teve como representante no Duelo de MCs Nacional, o principal torneio de batalha de rimas do Brasil, a rapper MC Kaemy, de 28 anos, natural de Uruaçu. Kaemy foi a primeira campeã goiana do evento, além de ser a primeira campeã feminina também. Sua vitória foi um grande marco para o cenário do Rap goiano, visto que o estado é predominantemente dominado pela cultura sertaneja.

Para falar um pouco mais sobre o crescente cenário do Rap goiano e do movimento das batalhas de rima, o Lab Notícias convidou Andressa de Farias, coordenadora da batalha de rimas Batalha Zero Meia Ponte, realizada na Vila Itatiaia, em Goiânia.

Lab Notícias: As batalhas de rima ganharam muita notoriedade nos últimos anos com o crescimento de eventos, como a BDA (Batalha da Aldeia) e com o sucesso de diversos MCs no meio musical, como a rapper Azzy ou o cantor Emicida, que contam com milhares de streamings em plataformas de música, e inspiram diversos jovens. Você vê a cultura do Rap e as batalhas como uma possibilidade de ascensão social para os jovens? Se sim, como e por que você acha que esse fenômeno acontece?

Andressa: Com toda certeza as culturas dos movimentos de Rap são uma forma de ascensão social. Porém, é algo muito difícil de ser realizado ainda mais levando em consideração o nosso Estado, que é fora do eixo (Rio de Janeiro e São Paulo). Esse fenômeno acontece especialmente pela grande quantidade de visibilidade que pode acarretar em uma grande participação de diversas pessoas, trazendo assim, uma comoção maior de olhares tanto dentro quanto externos à cultura Hip-Hop. Na Zero Meia Ponte, sempre tentamos incentivar crianças e jovens a se descobrirem não apenas no Rap, mas artisticamente.

Lab Notícias: Você é promotora da batalha de rima Batalha Zero Meia Ponte, realizada em Goiânia. Como você enxerga o cenário do Rap goiano, visto que o estado de Goiás é majoritariamente conhecido pela música e pela cultura sertaneja?

Andressa: O cenário do Rap goiano é um movimento minúsculo se comparado a outras culturas, ainda mais quando comparado ao sertanejo, que domina a cena goiana. Mas vemos o movimento do Rap como um divisor de águas, se tratando especialmente do resgate de pessoas que na sua grande maioria são de regiões periféricas e ignoradas aos olhos da sociedade.

Lab Notícias: Quais as dificuldades que você vê para os MCs goianos que se encontram em um nicho predominantemente dominado pelo eixo Rio-São Paulo?

Andressa: As maiores dificuldades são a falta de incentivo e acompanhamento do Estado, além dos estereótipos que a sociedade tem com relação a cultura do Rap.

Lab Notícias: No ano passado (2023), tivemos a Kaemy, a primeira campeã goiana no “Duelo de MCs Nacional”, o principal torneio de batalhas de rima do Brasil. Como isso impacta no cenário do Rap goiano?

Andressa: De forma extremamente positiva, pois os “holofotes”, mesmo que de forma temporária, estão apontados para Goiás, trazendo assim mais oportunidades para a cena, com a Kaemy sendo uma figura de representatividade para nós mulheres e trazendo uma abertura para quem sonha em ir para o Estadual, visto que há artistas com grande potencial em Goiás.

Lab Notícias: Além disso, a Kaemy também foi a primeira mulher a ser campeã do evento, algo que nunca havia acontecido nos mais de dez anos de sua realização. Ademais, o Rap, apesar de ser um movimento de contracultura, já se apresentou como um cenário machista em diversas atitudes dentro da cena, além de algumas letras de músicas, como a rima de “Mulheres Vulgares” (“Pra ela, dinheiro é o mais importante, sujeito vulgar, suas ideias são repugnantes, é uma cretina que se mostra nua como objeto, é uma inútil que ganha dinheiro fazendo sexo”) do grupo Racionais MCs. Quais as dificuldades que você enxerga para as mulheres que querem ter êxito nesse meio?

Andressa: Assim como qualquer outro meio (sem exceção até o momento), as mulheres passam por dificuldades quanto a terem voz, visibilidade, serem reconhecidas a frente de projetos, entre inúmeras outras situações, inviabilizando a permanência das mesmas na cena.

Infelizmente, até mesmo mulheres de dentro da cena acabam reproduzindo atitudes e pensamentos machistas, visto que somos criadas nessa estrutura. Logo, as próprias “manas” do movimento não são unidas e são poucas as ativas nas rodas culturais de Hip-Hop em Goiânia. Penso que conseguimos contornar esses obstáculos e mostrar a potência das mulheres não apenas no Rap, mas nas outras artes, como muitas já o mostraram.

Uma das lutas que puxei na Zero Meia Ponte, foi uma edição com foco apenas nas “manas”, para as que também não se sentem à vontade para rimar nas batalhas convencionais. Possuindo foco não somente nas rimas, mas agregando a dança, grafite, DJs e artes em geral.

Lab Notícias: Atualmente, a cultura do Rap e do Hip-Hop tem se valorizado cada vez mais. Em pesquisa realizada no ano de 2023, o Rap/Hip-Hop foi o segundo gênero mais popular escutado no Spotify, principal plataforma de streaming musical no mundo, com mais de 400 milhões de usuários tendo escutado as músicas do gênero. Contudo, por ser um fenômeno cultural de origem periférica e uma forma de contracultura, esses gêneros e seus artistas são estereotipados pela mídia. Como é promover o Rap e Hip-Hop nessa conjuntura atual, e quais os meios para promover a desconstrução da estereotipação realizada pela mídia?

Andressa: Assim como qualquer outro movimento do Hip Hop, o Rap tem dificuldades em sua grande maioria, pelos estereótipos que são sobrepostos nele, em especial a marginalização dos eventos. A opressão é algo que temos que tolerar diariamente, precisando mostrar não apenas com “palavras bonitas”, mas com pesquisas e atitudes que possam ser vistas e analisadas, em especial pelas pessoas que ainda não se envolvem de forma direta, ou indiretamente com o movimento.

Para conhecer mais sobre a Batalha Zero Meia Ponte, você pode acessar o Instagram @batalha_zero_meia_ponte, ou o canal do Youtube ZMP – Batalha Zero Meia Ponte. O evento já se encontra na sua 64ª edição, e acontece na Pista de Skate Itatiaia, na Vila Itatiaia, em Goiânia.

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