‘Um projeto que foi além do trabalho de sala de aula’: Professora inclusiva comenta sobre projeto para PcDs

Doutora em educação e inclusão, Vilma conta como é trabalhar diariamente com PcDs e seus desafios diários. Vilma é professora no Centro de Ensino Especial 01 em Ceilâdia, DF.
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É notória a falta de inclusão de PcDs, tanto na educação quanto no trabalho, faltam vagas para incluí-los na sociedade. Mesmo que existam processos em andamento, ainda é muito falho e escasso.

Com mais de 30 anos de carreira, a equipe entrevistou uma professora inclusiva que conta os desafios da profissão diante de uma sociedade preconceituosa.  

Foto: Reprodução Oficina Pedagógica FESTIC

Lab Notícias: Com 30 anos de experiência na área, pode-se afirmar que você já presenciou diversas situações no cotidiano. Na sua vivência, quais são os principais desafios enfrentados pelas escolas na promoção de ambientes seguros e inclusivos para PcDs?

Vilma: A educação inclusiva teve um salto evolutivo na última década. Acredito que pela necessidade de inclusão, pelas políticas públicas e educação pautada na diversidade humana. Hoje todos têm direito à inclusão, seja na educação, no mundo do trabalho e na convivência em sociedade. Porém os desafios são muitos. Precisamos conscientizar as pessoas em busca dos seus direitos. São desafios estruturais, acesso e permanência, tanto no ambiente educacional como também no mundo do trabalho, esses direitos são de todos.

Lab Notícias: Quais ações práticas as escolas e faculdades podem adotar para melhorar a acessibilidade e inclusão no ambiente para pessoas com deficiência? 

Vilma: Investir na formação de professores, em recursos materiais e no currículo inclusivo. O currículo funcional está relacionado às barreiras arquitetônicas e ao acesso no ambiente escolar. O currículo tem que ser flexível, de acordo com as habilidades e competências de cada um.

Lab Notícias: Você poderia compartilhar exemplos de boas práticas em comunicação e inclusão que impactaram positivamente a vida profissional de pessoas com deficiência?

Vilma: As novas tecnologias são facilitadoras dessa inclusão plena, seja na forma de se comunicar, a comunicação alternativa, os softwares e programas para pessoas com deficiência visual, auditiva e outras deficiências. Essas tecnologias facilitam a vida dessas pessoas.

Lab Notícias: Como a falta de acessibilidade pode afetar não apenas o estudo, mas também a progressão na carreira e a igualdade salarial para as pessoas com deficiência?

Vilma: Ainda temos muito que avançar, precisamos vencer as barreiras do preconceito e da falta de oportunidades, sabemos que existem políticas públicas de direitos, contudo, ainda enfrentamos muitas dificuldades. Precisamos compreender a diversidade na qual estamos inseridos.

Lab Notícias: Na sua opinião, qual é o papel das organizações e da sociedade em geral na promoção de ambientes mais acessíveis e inclusivos para pessoas com deficiência?

Vilma: O papel das instituições é fundamental tanto no avanço como na manutenção desses direitos.

Lab Notícias: Sobre as oportunidades de emprego e o ambiente de trabalho, o que pode ser feito para promover a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho?

Vilma: Fazer cumprir as leis e estar atento aos direitos de acesso e permanência das pessoas seja na escola ou no mercado de trabalho. Eu como profissional da educação tenho que orientar, incentivar e participar ativamente dessa construção coletiva em prol das pessoas com deficiência.

Lab Notícias: Você como professora deve enfrentar desafios diários, qual foi um momento marcante e único do seu trabalho?

Vilma: Eu já estou há mais de trinta anos na educação inclusiva, já trabalhei com reabilitação das habilidades cognitivas e inclusão tanto na escola, como no mercado de trabalho no hospital Sarah em Brasília. Atualmente sou professora do GDF, trabalho em um centro de ensino especial em Taguatinga, trabalho com todos os tipos de deficiência, os desafios são muitos, mas ao longo dessa minha trajetória fui ampliando minha prática pedagógica. Minha formação continuada e a bússola que direciona minhas práticas e atitudes. É um privilégio fazer parte desse contexto de educação e inclusão.   

Lab Notícias: Você já realizou algum projeto com seus alunos como forma de aprendizado fora das salas de aula?

Vilma: Em 2019/2020, eu peguei uma turma no centro de ensino especial, uma turma mista de adultos, de 25 anos até 70 anos. Surgiu a ideia da oficina pedagógica, eu não tinha muitos recursos,mas  adquiri uma máquina de costura, busquei vídeos no youtube de como fazer tapetes e eles gostaram muito da ideia. De início eu levei várias opções como bijuteria e pintura, mas eles se identificaram mais com os tapetes. Eu recebi doações de ateliês de costura e como a turma era grande, uns 16 alunos, foi mais fácil.

A turma era muito diversa em si, tinha aluno de baixa visão, deficiência auditiva, física, síndrome de down, e eu fui descobrindo que cada um tinha uma habilidade e surgiu esse trabalho. Foi um dos trabalhos mais significativos que eu fiz. Passamos o ano fazendo o trabalho, e era um prazer tão grande pra eles que eles chegavam na sala e cada um já ia fazendo sua função. Fizeram também capinha para celular,  bolsinha, chaveiro, muitas coisas. 

Eu descobri que aqui no DF a gente podia visitar as escolas, apresentar nosso material e vender eles. Isso foi muito bom para a autoestima e autonomia dos alunos. Um exemplo, tinha o Gerson com síndrome de down, não conseguia fazer nada em relação aos retalhos, mas me ajudava. Um dia eu saí para resolver uma questão em uma visita a escola e quando eu voltei ele estava explicando o projeto para a diretora da escola e como ele é analfabeto, eu vi o resultado dos nossos trabalhos naquele dia.

Os materiais produzidos nas oficinas eram vendidos, e isso para eles foi muito bom. Tinha um aluno em específico, que como todos são analfabetos, levava um caderninho para os professores anotarem e quando vendia os materiais, ele perguntava ‘Vilma, o pagamento saiu?’ e saia pela escola recebendo o dinheiro e isso foi muito bom para eles.

Esse projeto dentro de uma oficina que realizei com meus alunos, no meio do desenvolvimento desse projeto, teve um festival realizado pelo GDF que foi o FESTIC, Festival de Tecnologia, Informação e Ciência,  nós participamos e vencemos na categoria PcDs do DF.

O festival do FESTIC foi inusitado, eu inscrevi a turma sem saber ao certo o que estava fazendo e no final saímos como vencedores. Ao final do ano nós juntamos todo o dinheiro, fizemos uma reunião para decidir o que fazer com o dinheiro, fomos à Feira dos Goianos, cada um recebeu 100 reais e cada um comprou o que queria, como chinelos, camisetas do Flamengo, batons, etc. O resto do dia fizemos um churrasco aqui em casa com karaokê e ao final fizemos um festival de pizza com o dinheiro. Então assim, o dinheiro todo foi revestido para eles, com autonomia e ideias. 

Lab Notícias: Como esse projeto influenciou na vida dos estudantes?

Vilma: Dois alunos deram continuidade à confecção de tapetes, tanto na escola quanto Whatsapp, um desses alunos está vendendo tapete até hoje, com canal no Youtube. A mãe do outro aluno, Lucas, falava que antes dele vender os tapetes ele ficava na rua jogando dominó com os amigos, mas desde então ele parou. Ele chega em casa e passa a tarde inteira confeccionando tapetes. 

Na nossa escola tem os ônibus que levam os alunos para a escola, eles fizeram todos os assentos dos bancos dos motoristas e venderam a 100 reais cada assento. Para eles foi super gratificante.

Lab Notícias: Nessas visitas a escolas, já ocorreu algum caso de preconceito com algum aluno?

Vilma: Assim, eu sempre explicava para as salas e instituições o nosso trabalho, e no FESTIC era gente de todos os lugares né. No dia, nós fomos apresentar, e os avaliadores foram, então eu coloquei dois deles nos estandes para fazerem os tapetes na hora, porque tem gente que não acredita que são eles que fazem. Um dia, uma pessoa falou para o aluno Lucas: ‘eu não acredito que foi você que fez isso não, você não consegue fazer isso’ ai o Lucas falou ‘fui eu tia, fui eu mesmo’. Então assim, preconceito sempre tem, mas eles criam tanta autonomia e autoconfiança que depois de um tempo eles mesmos explicam os trabalhos, eu não preciso fazer mais nada. 

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