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Em 2022, pela primeira vez desde que o termo foi cunhado pelo psicanalista norte- americano Herbert J. Freudenberger, a Organização Mundial de Saúde (OMS) reconheceu a Síndrome de Burnout como uma doença ocupacional. Entretanto, tal síndrome ficou restrita exclusivamente ao ambiente de trabalho, não estendendo-se a outros lugares como, por exemplo, o mundo acadêmico.

Kamyla Gomes Machado, mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Goiás (UFG), é mais clara sobre o assunto: “Primeiro devemos dizer como a Síndrome de Burnout é vista: está relacionada à exaustão e ao stress, com esgotamento físico e mental praticamente crônico. Ocorre em ambientes ou situações em que há muita competitividade e responsabilidade. Em 2022, ficou decidido que é uma doença ligada apenas ao ambiente de trabalho. Assim, [a Síndrome de Burnout] não é e nem deve mais ser relacionado a outros meios.”

No entanto, Machado também destacou que “pensando nessa questão do esgotamento e do estresse, é claro que podemos trazer essa ideia para o ambiente acadêmico.” A observação se deve ao fato de que, além da sua experiência atendendo clinicamente, Kamyla atuou desde março de 2017 até o ano passado como voluntária no atendimento do Programa Saudavelmente, voltado à saúde mental e bem-estar de discentes e vinculado à Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE).

Sendo um projeto focado no apoio pedagógico e terapêutico de toda a comunidade acadêmica da UFG, o Saudavelmente atende em ambos os câmpus de Goiânia, possuindo plantões psicológicos, consultas psiquiátricas e outras atividades coletivas como grupos de yoga ou psicodrama. Convivendo por um longo período com as realidades individuais dos estudantes, nessa entrevista Machado discorre sobre a exaustão severa que pode vir a afetar os discentes inseridos no ambiente altamente competitivo que é a faculdade, mas também sobre as formas de se evitar isso.

Kamyla Gomes, psicóloga. Imagem: Arquivo pessoal.

Para começar, do que se trata o projeto Saudavelmente?

O projeto Saudavelmente é um serviço ligado à Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis, a PRAE, sendo dedicado ao atendimento estudantil, e que tem como objetivo auxiliar na questão da saúde mental, do bem-estar de alunos e alunas da universidade. Então esse auxílio vem em forma de atendimento psiquiátrico, atendimento psicológico, roda de conversa, orientação e acolhimento. Agora está mudando um pouco, pois antes tinha o acolhimento em grupo, e atualmente as pessoas estão agendando de acordo com a própria necessidade. Mas essa questão da saúde mental, dos problemas e transtornos, está na sociedade. E como a universidade faz parte da sociedade, não tem como ser diferente, e é claro que vamos encontrar situações ali da mesma forma. Há muitos alunos em estado de vulnerabilidade, então o Saudavelmente vem nessa tentativa de acolhimento e de escuta humanizada, para que as pessoas possam ter um local de fala do que é que estão sentindo.

Antigamente, o Saudavelmente funcionava na Praça Universitária. Agora tem 2 polos, com um novo no Samambaia, exatamente para atender o maior número de demandas possível. E até o ano passado em que eu participei, a PRAE sempre fez editais de estágio, para aqueles que já terminaram a graduação e que queriam fazer algo como um curso de extensão em saúde mental, sendo essa uma forma de trazer voluntários para o programa. Assim, o projeto é composto por servidores da UFG, por psicólogos voluntários – que também se formaram em outras instituições das mais variadas abordagens –, e que querem prestar esse serviço com os alunos da UFG.

Qual é o perfil mais frequente que você atende com casos de esgotamento físico e mental, e as suas causas mais comuns? Todos podem ser vistos como a Síndrome de Burnout, até mesmo aqueles casos de exaustão dentro do meio acadêmico? 

Eu já peguei situações de grande estresse relacionado à área da saúde, no caso de profissionais já formados, não necessariamente da UFG, e sim nas experiências clínicas que eu tenho. Essas pessoas tendem a desenvolver burnout, porque elas têm uma alta carga, uma necessidade de atenção de estado de alerta o tempo inteiro. Se sentem muito demandados, seja pela chefia imediata ou pelos pacientes, sempre recebendo essa carga emocional. Então a similaridade parte dessa questão. Às vezes, quando a pessoa chega em casa, ela não desliga, não consegue dormir, ela não dá conta de relaxar. 

Quando pensamos na questão acadêmica, passamos por uma situação de experiência interna. Por exemplo, tem o mesmo curso e as mesmas matérias, mas cada pessoa vai experienciar aquilo de uma forma. Às vezes pega mais matérias do que dá conta, ou tem uma grande expectativa que faz com que ela fique nesse estado de alerta, com muita dificuldade e competindo com colegas. Isso também pode gerar burnout, com esgotamento físico, essa tensão que causa também a ansiedade, depressão e descrença. Chega uma hora que a pessoa acha que não vai conseguir mais, que ela não é boa aluna, que ela não sabe mais o que faz. Então começa com as ideias pessimistas, e às vezes gera até certa agressividade; ou não quer mais ir, não quer mais entrar em contato com os professores. E aí, se a gente pensar nessa questão da chefia, aqui seria a relação professor-aluno. Temos que ver caso a caso, mas geralmente é nesse ambiente que a pessoa quer se sair muito bem, que ela se compara e que estuda demais, pega muita matéria e depois vai achando que ela não tem tempo. Não tem tempo de fazer uma atividade física, não tem tempo de relaxar, não tem tempo de ter lazer… E isso é muito importante para todas as pessoas.

Qual caminho você acredita que possa ser o ideal para evitar o esgotamento e as consequências dessa exaustão severa, principalmente no ambiente acadêmico?

Eu acho que em ambiente acadêmico, por exemplo, podemos pensar na pessoa ter uma certa orientação pedagógica, talvez mais próximo da coordenação de graduação de cada curso. Você tem um período para se formar, mas mesmo que não se deva ultrapassar aquele tempo, é preciso verificar quais são as próprias demandas. [O esgotamento] não aparece de uma hora para a outra, ele é um copo de água que vai transbordando. Passa ali um ano estudando nesse ritmo, comendo mal, dormindo mal, não se exercita e não tem momentos de lazer. Às vezes não se relaciona bem com os colegas, e não procura ajuda. A pessoa então não rende mais, não concentra tanto e não tem muita atenção. Às vezes não sai bem nas provas. Aí é a hora do desespero, de se cobrar demais e começar a procrastinação. Eu falei um ano, mas às vezes nem vai isso tudo. Por isso é preciso olhar mesmo para si.

Acredito que nessa questão acadêmica seja mais ou menos por aí, pelas discussões que a gente já teve em sala de aula e até mesmo nos atendimentos. Agora, antes de tudo, falando em formas de evitar, eu acho que uma boa percepção de si mesmo é muito importante, quando percebemos que tem algo errado. Todas essas situações de irritabilidade, de ansiedade, de depressão que se arrastam por mais de 2 semanas. É o momento de intervir e de procurar ajuda para que a pessoa não chegue a se esgotar completamente, ficando atento para não esperar que o limite chegue.

Quando não se é possível evitar, quais os melhores tratamentos para uma pessoa afetada por esse tipo de esgotamento?

Sobre a questão do tratamento, há o tratamento medicamentoso, em que às vezes é preciso tomar um antidepressivo, fazer tratamento para ansiedade, ter um SOS para os momentos de crise. Também tem o tratamento psicoterapêutico, para falar sobre as próprias necessidades e crenças;  grupos terapêuticos, onde as pessoas possam dividir e ouvir umas às outras, falando para elas perceberem o tanto que isso é comum. E o tanto que a autocobrança  é muito agressiva com nós mesmos, pois não nos respeitamos, ou os nossos próprios limites. E a gente fala que a atividade física não é uma coisa e sim um luxo, porque ela é um medicamento, um remédio, a hora do descanso. É muito importante para as pessoas terem horas de descanso, pois esse é um auto cuidado que nós temos que levar em consideração.

NOTA DA REDAÇÃO: Nos casos de tratamento medicamentoso, é expressamente contraindicado a automedicação, devendo ser feito apenas sob recomendação e acompanhamento profissional. Em 2015, o Ministério da Saúde publicou a Cartilha para Uso Racional dos Medicamentos no intuito de alertar sobre os perigos desse tipo de atitude, que pode trazer sérios riscos à saúde. Confira aqui e, em caso de necessidade, sempre busque a ajude de um especialista.

One thought on “‘É preciso olhar para si’: Kamyla Gomes fala sobre o esgotamento físico e mental no mundo acadêmico, e as formas de se evitar essa exaustão cada vez mais frequente entre os estudantes”

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