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As primeiras semanas do governo Lula foram agitadas para a economia nacional. No segundo dia de governo, o mercado reagiu negativamente à nova administração pública. No dia 2 de janeiro, o primeiro dia útil do ano, a bolsa de valores brasileira caiu cerca de 3%, segundo os indicadores do Ibovespa. A queda na bolsa nacional ocorreu devido ao revogaço de novas políticas públicas feitas pelo presidente Lula já no dia da posse.
Na segunda semana do novo governo, após os ataques golpistas contra os Três Poderes, no dia 8 de janeiro, a bolsa reagiu positivamente, tendo uma alta de 0,54%, de acordo com o Ibovespa. O professor e economista Pedro Henrique Evangelista Duarte discute as instáveis reações do mercado financeiro brasileiro diante de diferentes cenários do país.
Pedro Duarte é Professor da Faculdade de Administração, Ciências Contábeis e Economia da Universidade Federal de Goiás (FACE-UFG). Graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Uberlândia e mestre em economia pela mesma instituição. Pedro Duarte é doutor em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Estadual de Campinas.
LN: Nos primeiros dias do governo Lula, com o “revogaço” do presidente, o mercado reagiu negativamente. No entanto, houve um crescimento na bolsa de valores com os ataques do dia 8 de janeiro. Por que houve essa polarização nos 8 primeiros dias de governo?
Eu acho que o mercado financeiro, como o pensamento vigente, não é um bom termômetro da economia. O mercado financeiro é gerenciado e monitorado por um grupo de pessoas que tem um domínio muito grande sobre o mercado e as ações, a partir desse domínio eles conseguem manipular as informações desse mercado, temos muitas informações e uma literatura extensa que discute esse mercado e analisa como ele é manipulado e controlado para favorecer determinados grupos em determinados momentos.
A crise financeira de 2008 é um bom exemplo, essa crise foi gestada para que um grupo de agentes financeiros lucrassem com a crise, isto é, eles criaram um sistema de seguros para ações, fazendo com que as pessoas comprassem essas ações e as valorizassem. Temos também recentemente, o caso das Americanas no Brasil, alguns dias antes da crise na Americanas, algumas ações foram vendidas, ou seja esses agentes sabiam que a crise ia eclodir e buscaram lucrar e ganhar antes de divulgarem a dívida.
Como um anúncio de políticas públicas progressistas, voltadas para a redução da desigualdade pode “irritar” o mercado financeiro? Logo, o mercado financeiro não é um termômetro para definir os caminhos econômicos do país. O mercado financeiro reage negativamente à posse do Lula, pois os interesses desse mercado são opostos às políticas públicas do atual governo. O mercado quer que os sistema público não despenda recursos com políticas públicas voltadas à redução da desigualdade, e que esse dinheiro seja usado para investimentos no mercado financeiro. O mercado quer que o dinheiro público seja destinado ao pagamento de dívidas, especificamente de juros, que favorecem pequenos grupos que controlam esse mercado.
A reação positiva nos ataques anti-democráticos mostram que o mercado tem mandado sinais ao governo de que o governo precisa se submeter aos interesses econômicos desse mercado. Essas reações do mercado são nada mais que uma disputa de poder e influência, uma disputa de espaço nos destinos da verba pública.
LN: Como você acredita que o mercado vai reagir com a reforma tributária que está sendo muito discutida no governo e intensamente defendida pelo atual ministro da economia, Fernando Haddad, e a taxação de impostos para as grandes fortunas?
Ainda não conseguimos dizer quais serão os direcionamentos, já que as equipes ainda estão sendo organizadas e outros decretos e políticas estão sendo prioridades na agenda do governo. A discussão da reforma tributária é antiga e complexa que envolve muitos interesses e por isso avança em passos muito lentos. A reação do mercado depende muito do direcionamento dessa reforma. Não há dúvidas de que o atual sistema tributário penaliza muito o consumidor, então é preciso de uma reforma que tenha uma proporcionalidade com diferentes faixas de renda.
A outra discussão dessa reforma, que eu considero a mais difícil, é a taxação de grandes fortunas ou o aumento das alíquotas de impostos sobre faixas de rendas mais elevadas, é uma forma muito prática do governo aumentar a arrecadação, mas, ao mesmo tempo, reflete nos interesses de pessoas que têm influência no Congresso Nacional. No Brasil, os carros são submetidos aos impostos, mas barcos e helicópteros, por exemplo, não pagam impostos, como também heranças estão dentro do sistema tributário, mas a sua arrecadação é insuficiente e às vezes insignificante na herança.
Quando se fala na reação do mercado financeiro, eu acho muito curioso a fala de muitas pessoas ao dizerem sobre o “humor” do mercado, é como se o mercado fosse uma “entidade”, ele “acorda de mal humor ou bom humor”, então precisamos relativizar esse mercado. As reações do mercado são baseadas naquilo que é ou não de interesse próprio, então a reação negativa a políticas de igualdade social, distribuição de renda e inclusão de grupos marginalizados, como indígenas e negros, por exemplo, mostram os interesses desse mercado.
LN: Na posse do ex-presidente Bolsonaro, em 2018, o mercado abraçou o governo do Paulo Guedes, mas não tivemos essa reação em 2023. Logo podemos dizer que o mercado escolhe aliados. Quais motivos levam esse mercado a escolher aliados?
O mercado abraçou o Paulo Guedes pois o ex-ministro da economia é do mercado financeiro, é um economista de banco e vem do sistema privado no setor financeiro. Então ele é um ministro que faz as políticas econômicas voltadas aos interesses desse mercado. Com características liberais, Paulo Guedes satisfazia os interesses do mercado a partir do momento que defendia o crescimento via setor privado.
A industrialização brasileira acontece na fase monopolista do capitalismo, na década de 40, isto é, o desenvolvimento industrial ocorre no império de grandes grupos industriais, e a industrialização precisa de infraestrutura e estruturas. Muitas dessas infraestruturas industriais não tem retorno imediato e precisam de um investimento muito alto, uma usina hidrelétrica, por exemplo, leva anos para ser construída e anos para gerar lucro, logo o setor privado não se interessa por essa industrialização, pois eles querem o retorno imediato. Sendo assim, a gente consegue perceber a nocividade e inconsistência de acreditar que o crescimento econômico do Brasil será através do setor privado.
As políticas de Paulo Guedes não geram resultado pois eram baseadas nos interesses do mercado financeiro e no setor privado e na ideia liberalista de retirar o Estado da economia. Eu afirmo que sem a interferência do Estado, o setor privado não atua, as fases de maior desenvolvimento brasileiro foram através da interferência estatal na economia, como a Era Vargas e os planos econômicos de JK, por exemplo.
LN: Na eleição em 2002 o jogo político econômico foi o poder de compra para os grupos mais pobres do país. O próprio presidente Lula afirma que não irá governar como em 2003. Quais ações você acredita que o presidente vai tomar, e quais ele já tomou no governo?
O cenário é muito diferente de 2003, na própria organização eleitoral, o Lula juntou grupos em um objetivo principal que é a derrota do fascismo, bem diferente dos seus primeiros governos. A união de Lula e Alckmin era impensável em muitos momentos, já até disputaram eleições, e essa união foi a mais clara mudança dos rumos de governabilidade de Lula. Então, a partir da vitória do presidente, ele precisa acomodar esses grupos que o apoiaram na campanha, ainda temos a dominância do PT, mas outros grupos estão presentes no governo, como o Alckmin e a Tebet, por exemplo, que demonstram a heterogeneidade do novo governo. Eu acredito que essa heterogeneidade é boa na melhor estruturação do diálogo com a sociedade, pois temos os grupos extremistas que não aceitam o diálogo, mas também temos grupos conservadores que votaram no Lula e que estão com o pé atrás. Então a estratégia de Lula de acomodar esses grupos ajuda muito na confiança pública e no diálogo com a sociedade civil.
LN: O espaço fica aberto caso queira adicionar algo mais sobre o tema.
Eu acho ainda muito cedo para se tirar conclusões de como será a economia no novo governo, eu já vejo sinais de diálogos importantes, essa composição heterogênea é extremamente importante e que precisam de uma atenção especial , pois visões diferentes são fundamentais para se pensar em alternativas, mas também podem ser conflitantes ao ponto de não funcionar, então precisamos ficar atentos a isso.
Os anúncios já feitos como o salário mínimo, o aumento do salário dos professores da educação básica, que é um setor que precisa ser reconhecido, a criação do grupo de discussão de aumento salarial, a discussão da distribuição de renda e a volta do Bolsa Família são pontos importantes e, ao meu ver, bons para a economia brasileira. A reforma administrativa, com as mudanças do setor público, e a reforma tributária são discussões de destaques no campo econômico e político que precisamos acompanhar nos próximos meses. O que eu acho importante enfatizar é que sempre precisamos relativizar a reação do mercado financeiro, o humor desse mercado não define como a economia do país está andando.
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