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Introdução
É importante salientar que a inserção de caracteres políticos nos jogos, não necessariamente faz com que o game seja politizado. Pode ser que o conteúdo seja acrescentado para induzir o espectador a diferentes noções políticas. Deste modo, estas informações sugestivas deixam para o público, independente de sua orientação política, realizar seus julgamentos baseados em estereótipos ou arquétipos de diferentes ideologias políticas. Mas ao mesmo tempo, pode despertar o interesse dos jogadores sobre o tema.
Tendo isso em vista, a Ubisoft é uma empresa que explora o campo político. “Nosso objetivo em todos os jogos que criamos é fazer as pessoas pensarem” afirma o CEO da empresa, Yves Guillemot.
Nesse contexto, Far Cry é uma franquia de jogos de tiro em primeira pessoa da consolidada empresa Ubisoft, e a “política” tem sido vagarosamente implementada conforme o lançamento dos jogos. O principal objetivo da marca é diferenciá-la de outros produtos no mercado, vender os jogos como algo “contemporâneo” ou “intelectual”, e por sua vez chamar a atenção de mais jogadores.
FAR CRY 4
Em Far Cry 4, por exemplo, o protagonista é Ajay Ghale, um americano com ascendência em uma nação asiática fictícia (Kyrat) próxima ao Himalaia. Kyrat é inspirada no Nepal e no Butão, que passam ou passaram por regimes políticos assemelhados aos do país fictício, um regime ditatorial militarizado.
Ajay chega a Kyrat apenas para jogar as cinzas da mãe em Banapur, um local sagrado da região. No entanto, o rapaz descobre sobre a história de seu pai —um revolucionário que liderava o grupo “Caminho Dourado”— e aos poucos se envolve na luta contra a ditadura de Pagan Min, o vilão.
No intuito de derrubar o governo vigente e instaurar a democracia em Kyrat, Ajay passa por diversos perrengues, e vemos todo tipo de precariedade na nação. Miséria, fome, tráfico de drogas, de armas e de animais, destruição de patrimônios religiosos em massa, e por aí vai. Por mais que a política esteja verdadeiramente presente no discurso narrativo, o jogo traz um conhecimento “meio vazio”, exclusivo da obra, bebendo de diferentes fontes ideológicas que misturam-se sem pudor.
Esse “meio vazio” se torna uma faca de dois gumes: Por um lado, há um possível despertar de um interesse pela política real e verdadeira, por meio de estudos e do consumo de notícias e informações a respeito, que é exatamente o objetivo alegado pela Ubisoft. Mas e se esse pensamento não for corretamente alinhado? Aí vai sobrar o outro lado da moeda, uma possível dissociação do que é real e do que não é por parte dos jogadores, unindo conceitos que na prática não se unem, por simples ignorância.
Jason Stanley, sociólogo americano, explica na obra “How Fascism Works”: “Parte do que a política facista faz é dissociar as pessoas da realidade; Você faz com que elas embarquem numa versão fantasiosa da realidade, geralmente por meio de uma narrativa nacionalista sobre o declínio de um país e a necessidade de um líder forte para devolve-lo à grandeza”.
FAR CRY 5
Isso é melhor evidenciado em Far Cry 5. Nessa história, estamos diante de um protagonista que faz parte de uma força militar estatal e não tem um “rosto” específico. O personagem é enviado para um condado estadunidense tomado por religiosos extremistas fortemente militarizados.
Por sua vez, esses religiosos subjugam a população local por meio da agressão física e psicológica, convertendo os moradores de Hope Country com força bruta e exterminando os que posicionam-se contra. A questão é que muitos dos membros dessa seita religiosa fogem completamente de estereótipos religiosos —inclusive o líder do grupo e vilão principal do game, Joseph Seed.
Pois, justamente esse grupo social do jogo é que vai contra inúmeros princípios cristãos, religião a que a seita pertence. Com seu cabelo longo, suas inúmeras tatuagens, sua barba, e o modo como se veste, não há quem não enxergue a semelhança visual de Joseph Seed com “hipsters”.
Veja alguns posts correlacionados em redes sociais nos links abaixo:
É possível observar uma mistura de grupos sociais reais com pouca ou nenhuma interação, e que pode servir como atrativo para jogadores que praticam discursos de ódio contra algum grupo semelhante ao dos vilões. Além disso, pode-se alimentar o discurso de ódio em jogadores que identificam-se com algum desses grupos, e deixá-los mais confortáveis para matar seus inimigos direcionando o ódio ao grupo oposto. Veja o post a seguir, por exemplo:
O escritor do post diz: “Graças a Far Cry 5, agora todo hipster com um coque na cabeça acha que é o Joseph Seed” e em seguida temos o comentário: “Isso significa que podemos matar todos eles, né? Por favor, me diga que sim.”
Esse não é um parâmetro para dizer que jogos violentos deixam as pessoas violentas ou algo assim. Contrariamente, a perspectiva a ser analisada é exatamente a dos meios de produção do jogo, e as ferramentas de venda e promoção da franquia.
O argumento se constrói quando analisamos os enredos da Ubisoft, apesar de trazerem pautas políticas, elas trazem também pautas humanitárias sem esclarecer o que é cada coisa. Tal qual um vereador brasileiro se apresenta na televisão, dizendo combater coisas básicas como a fome e a pobreza ou construir hospitais e escolas. Por mais que a empresa diga que o intuito dela é fazer os jogadores pensarem, isso só acontece quando é efetivamente comercial.
TOM CLANCY’S THE DIVISION 2
Tom Clancy’s The Division 2, outro jogo da empresa, é um bom exemplo disso. Apesar do jogo se passar na capital dos EUA em meio a uma guerra civil, simplesmente opta-se por um enredo cinzento, a política fica totalmente à parte da história. Em entrevista concedida ao Polygon durante o desenvolvimento da obra, Terry Spier, diretor criativo do jogo, quando questionado se haveria envolvimento político no game, por todo o contexto narrativo apresentado, respondeu “Absolutely Not” (Absolutamente não).
Pouco tempo após a entrevista de Terry, o CEO da Ubisoft, Yves Guillemot, respondeu a comentários sobre a contradição em evitar falar de política em um jogo que por si só traz discursos políticos. Em resposta ao The Guardian, a síntese de seu discurso é que os jogos feitos pela empresa são sim politizados, mas também politicamente neutros. Na gameplay de “Tom Clancy’s The Division 2”, há o combate a um governo corrupto em meio a uma guerra civil, enquanto acontecem atentados terroristas de um “possível extremismo” não esclarecido plenamente. O que de cara entra em contradição com as falas das entrevistas anteriores.
Há alguma coisa, mas ao mesmo tempo não há nada. A política tratada só não é completamente oca, porque ainda há interesses representados na obra. Fica claro que é menos interessante abordar questões políticas nos Estados Unidos dentro desse contexto, do que em um país de terceiro mundo “fictício” distante do público-alvo, por exemplo.
De qualquer modo, ainda são produções virtuais de uma empresa multinacional. Falando ou não de política, possui enorme alcance e visibilidade, e está constantemente visando o lucro. Existem outras obras da Ubisoft que poderiam fazer parte dessa reportagem. A franquia “Assassin’s Creed”, e o próprio “FAR CRY 6”, o mais polêmico de todos, por exemplo. No entanto, o objetivo é ir além do que já se comenta e trazer como essa implementação política aconteceu e ainda acontece.