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ALICE VALADARES LOURENCO

Atualmente a indústria dos jogos digitais é uma das que mais fazem girar dinheiro no mundo e não seria um exagero dizer que, em maior ou menor escala, ela já está presente em todos os lugares. Dentre os bilhões de fãs de videogame em torno do globo, uma parcela deles acaba constantemente excluída dos grandes lançamentos e dos olhares das desenvolvedoras, e essas são as pessoas com deficiências sensoriais ou motoras. Hoje abordaremos mais a fundo a acessibilidade para pessoas cegas ou com baixa visão.

A falta de acessibilidade para pessoas com deficiência visual nos jogos digitais é um problema grave, para o streamer e influenciador digital Pablo Luiz, dono do canal na Twitch Ogamercego: “Os jogos não tem acessibilidade como deveriam. A acessibilidade nos games é uma coisa relativamente nova […] Para mim a pagina de acessibilidade virou depois de The Last Of Us Parte II [lançado pela Naughty Dog em 2020], antes disso acessibilidade era só para daltonismo e letras ou ícones grandes.” Pablo também afirma que muitas vezes o público que não precisa dessas ferramentas de acessibilidade não se importa com a ausência delas, mas que é importante sempre lutar por ela porque mesmo que o jogador não precise agora, talvez passe a ser necessário no futuro.

Como funciona a acessibilidade para pessoas com deficiência visual?

Quando se fala de recursos de acessibilidade, é importante entender como eles funcionam. O lançamento da Naughty Dog, The Last Of Us Parte II é constantemente utilizado como exemplo no que se refere a acessibilidade para pessoas cegas ou com baixa visão, o jogo conta com mais de 60 opções de acessibilidade que variam desde assistente de navegação pelo cenário através de recursos auditivos até assistência de mira e configurações comportamentais dos inimigos. Para Pablo Luiz o lançamento seguinte da desenvolvedora, The Last Of Us Parte I [recriação do jogo de 2013], vai ainda além, trazendo de volta as configurações de acessibilidade da segunda parte, porem de maneira mais refinada e com novos recursos como audiodescrição, que de acordo com Pablo, é uma inovação trazida pelo jogo

Trailer de acessibilidade de The Last Of Us Parte I que inclui demonstrações de alto contraste, audiodescrição, entre outros.

Para o produtor de conteúdo do canal Blind Kombat, Wzy, para uma desenvolvedora conseguir devidamente trazer acessibilidade para seus jogos, é necessário o contato com pessoas com deficiência para que se saiba quais as necessidades que esse público tem. Esse foi o caminho tomado por Emilia Schatz e Matthew Gallant, responsáveis pelos recursos de acessibilidade de TLoU2, que contaram em entrevista ao Tecnoblog: “[…]que o ponto inicial, e muito importante, para tornar um jogo acessível a pessoas com deficiência é ir até esses jogadores, perguntar onde eles estão sentindo dificuldades e, como desenvolvedor, resolver esse problema.”

Imagem oficial demonstrando o modo de alto contraste de The Last Of Us Parte II.

É importante entender também que nem sempre jogos com recursos de acessibilidade atendem a todo o público com determinada deficiência. No que se refere a deficiência visual é comum que jogos tragam ferramentas que auxiliem pessoas com baixa visão, como alto contraste, modo daltônico ou aumento de ícones; mas que não auxilia pessoas completamente cegas ou com deficiência em níveis mais graves.

Existem também casos onde as ferramentas estão presentes mas não funcionam de maneira correta. Essa é a situação do game God of War: Ragnarok [lançado pela Santa Monica Studios em 2022]. Vários jogadores relataram que o assistente de navegação constantemente prende o jogador em obstáculos, o leitor de tela não lê menus essenciais para a jogatina, entre outros problemas. De acordo com Pablo: “É praticamente impossível um cego conseguir concluir os puzzles. […] O jogo tem vários quebras cabeças que pedem que o jogador arremesse o machado em um ângulo especifico para acertar um alvo, mas sendo cego não dá para saber como fazer isso.” O influenciador também contou que precisou múltiplas vezes da ajuda de familiares para poder terminar o jogo.

De acordo com Wzy, é difícil apontar a fonte desse problema porque cada obra está sob um contexto de desenvolvimento diferente. “Geralmente o que eu sinto é que tem mais haver com a falta de conhecimento da causa. Com a maioria dos desenvolvedores com quem eu trabalhei, eles se interessam pelo assunto, querem fazer acessibilidade, mas eles não sabem como ou não sabem quais as necessidades que uma pessoa com deficiência tem.” Conta o produtor de conteúdo.

A presença ou ausência de ferramentas de acessibilidade age como um fator chave para muitas pessoas com deficiência visual escolherem a sua compra, de acordo com Wzy: “As vezes é mais importante até que o valor do jogo. Todos os meus amigos que tem deficiência visual querem saber primeiro se tem a função de acessibilidade, quais tem, e depois procuram saber quanto que custa, quando que lança, etc. […] As empresas estão fazendo funções de acessibilidade nos jogos, mas essa pauta não é colocada no marketing, então muitas vezes temos que esperar o jogo sair para que algum amigo compre, jogue, e nos diga quais ferramentas o jogo tem.” O produtor também relata que a falta de divulgação das funções de acessibilidade por parte das desenvolvedoras é um dos motivos que o motivou a criar o canal Blind Kombat, que traz muitos conteúdos informativos relacionados à acessibilidade em jogos.

E quando simplesmente não há ferramentas de acessibilidade?

Alguns jogos mesmo sem trazer recursos de acessibilidade ainda podem ser jogados devido a características de game design, como é o caso de Mortal Kombat XI [desenvolvido pela Nether Realm Studios], jogo favorito de Pablo, que consegue jogar o game através da sua familiaridade com os sons dos golpes dos personagens, junto do som estéreo nos fones de ouvido que entregam a posição dos personagens no cenário. Outro caso que vale ser citado é o do estudante de jornalismo da UFG, Pedro Paulo, que consegue jogar FIFA com o auxilio da narração do jogo e dos seus conhecimentos de futebol.

Ainda assim, muitos jogos ao não trazerem ferramentas de acessibilidade acabam se tornando impossíveis de serem jogados por pessoas com deficiência sem o auxilio de terceiros, mostrando que a existência de medidas de acessibilidade é fundamental para uma boa experiencia.

Agora é pensar no futuro buscando sempre melhorar

É importante entender que trazer acessibilidade aos jogos não é apenas uma questão de mercado onde uma desenvolvedora busca vender mais cópias de alguma obra, mas é principalmente sobre tratar o jogador com deficiência com a mesma dignidade de uma pessoa que não possui limitações motoras ou sensoriais, além de permitir que esse público tenha o devido acesso à arte e cultura que são os videogames sem ter a sua experiencia prejudicada. De acordo com Pablo esse é um debate muito recente na indústria dos jogos e que tem “caminhado a passos de bebê”, mas diz que caminha para frente e que fica feliz vendo cada vez mais jogos trazendo recursos de acessibilidade.

3 thoughts on “Acessibilidade para Pessoas com Deficiência Visual nos Jogos Digitais: Um debate recente mas de suma importância”

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