‘É Assim que Acaba’ deixa o romance em segundo plano ao trazer reflexão sobre violência doméstica

Em seu livro mais pessoal, Colleen Hoover escreve de forma cuidadosa e empática sobre a realidade de muitas mulheres
Tempo de leitura: 6 min

Imagem em destaque: Foto ilustrativa – Adobe Stock

O livro “É Assim que Acaba” de Colleen Hoover foi lançado em 2018, mas trends no aplicativo TikTok fizeram com que o título ficasse em alta, tornando este o livro mais vendido no Brasil em 2022.

Talvez possamos atribuir essa repercussão ao fato de a escritora retratar no livro uma realidade muito comum no Brasil: a violência doméstica e os relacionamentos abusivos.

Pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública revelou que no ano de 2022 mais de 18 milhões de mulheres sofreram algum tipo de violência e que houve um aumento no número de casos em todos os tipos de violência contra a mulher.

Colleen Hoover afirma que este é seu livro mais pessoal. Ela aborda de forma cuidadosa o assunto delicado que faz parte da vida de diversas mulheres. Após o epílogo, Colleen escreve uma nota na qual conta um pouco do casamento de seus pais e como ter crescido em um ambiente conturbado fez mal psicologicamente a ela. Na vida real, a autora passou boa parte da vida considerando sua mãe fraca por perdoar ou não denunciar as violências sofridas e ao compreender que sair desse tipo de relação exige muita coragem e amor próprio, buscou transmitir esse entendimento para o público e colocar toda essa força na personagem Lily.

Ela vai sentir pena de mim. Não vai entender por que nunca o abandonei. Vai questionar como deixei as coisas chegarem a tal ponto. Vai perguntar as mesmas coisas que eu me perguntava sobre minha mãe quando a via na mesma situação. As pessoas passam tanto tempo se perguntando por que as mulheres não vão embora… Onde estão as pessoas curiosas do porquê os homens serem violentos? Não é aí que deveria estar a culpa? (Página 272).

No primeiro semestre de 2022, a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH) registrou mais de 31 mil denúncias de violência contra a mulher, abrangendo atos de violência física, sexual, psicológica, moral e patrimonial.

Em “É Assim Que Acaba”, a autora levanta a pauta ao contar a história de Lily. A protagonista cresce em um lar conturbado e que lhe gera diversos traumas e gatilhos quando o assunto é relacionamento amoroso.

Porém, de forma totalmente despretensiosa e inesperada, conhece um rapaz de temperamento forte e personalidade marcante que a encanta e a faz não apenas rever, mas questionar todas as coisas em que acreditava até o momento.

– Lily – diz ele, enfaticamente. – Não existe isso de pessoas ruins. Todos nós somos humanos e, às vezes, fazemos coisas ruins. (Página 22).

Ryle é um neurocirurgião bem-sucedido e que logo no primeiro contato deixa clara a sua aversão a respeito de casamento e filhos. O rapaz é adepto a relacionamentos casuais e todo encontro dele com Lily resulta em tensão sexual.

Ao mesmo tempo em que abre seu próprio negócio, conhece novas pessoas e se aproxima de Ryle, a personagem principal relembra acontecimentos da infância que a marcaram profundamente.

A narrativa flui de forma tranquila e equilibrada, mas as lembranças de Lily surgem como gatilhos de alerta deixando o romance em segundo plano na construção da história. No TikTok, onde o livro é extremamente aclamado, diversos comentários surgem em relação a sinais e comportamentos abusivos que passam despercebidos no dia a dia. A expressão “Red Flags”, que significa ‘bandeiras vermelhas’ ficou em alta no aplicativo quando várias pessoas começaram a postar vídeos citando atitudes e falas dos companheiros que eram normalizadas devido ao afeto da relação. Situação que Colleen narra no livro.

Ao reler seu diário da adolescência Lily relembra momentos do passado, a relação de seus pais e sua primeira paixão. Atlas, o garoto por quem Lily era apaixonada na adolescência, aparece como o amor certo mas no momento errado. Suas atitudes protetoras e seu cuidado com a protagonista pouco a pouco conquistam o leitor.

Entretanto, é importante manter o foco e compreender que “É Assim que Acaba” não é sobre Atlas. A autora escreve sobre Lily, suas vivências, sua volta por cima, suas escolhas e renúncias: não é o amor de Atlas que salva a personagem de seus dilemas pessoais. Para atender o desejo dos fãs por mais de Lily e Atlas, a autora escreveu “É Assim que Começa“, onde o casal finalmente vive um romance.

Um dos questionamentos válidos a respeito do livro é o desejo dos leitores de que as atitudes violentas narradas fossem tratadas e punidas como crime -visto que é isso que são – e que a autora narrasse a aplicação da lei, que os agressores pagassem por suas atitudes. Todavia, convém considerar que Colleen quis narrar uma situação real, onde o agressor é um homem comum, querido pela família e amigos mas que quando se trata de relacionamentos, age de forma impulsiva, agressiva e cruel. Dessa forma, acabamos por compreender a dificuldade de sair de uma situação semelhante e entendemos o quanto é complexo para a vítima denunciar.

Outro ponto relevante na narrativa é perceber que o desfecho escolhido por Colleen é apenas uma das possibilidades para a história e para a situação descrita. O livro “É Assim que Acaba” é uma leitura que nos permite expandir nossa percepção a respeito da violência doméstica e desmistificar a ideia de que mulheres agredidas e abusadas compactuam com as atitudes do parceiro e/ou gostam de ter esse tipo de relacionamento.

Foto: Luanna Marques

Em crítica, o colunista do UOL, Rodrigo Casarin analisou o livro que definiu como “sofrível”, argumentou sobre os diálogos, as descrições e o enredo. Rodrigo, em resumo, afirma que o livro é apenas mais um clichê previsível: “o leitor mais ligeiro já saca como a trama irá se desdobrar 50 páginas antes do óbvio se apresentar no texto”, comenta. Contesto, levando em consideração que Colleen não “promete” abordar de forma profunda a temática, ela apenas utiliza de um romance para disseminar os aprendizados de uma realidade individual. A autora de fato escreve para um público mais jovem, e é justamente por isso que o seu sucesso deve ser atribuído à forma empática e sensível com que conduziu a narrativa.

Após o sucesso de vendas, a autora confirmou que o livro terá uma adaptação e informou que os atores Blake Lively e Justin Baldoni estão selecionados para interpretar o casal literário.

Sobre o elenco protagonista, Blake Ellender Lively irá interpretar Lily. A atriz norte-americana é conhecida pela personagem Serena van der Woodsen na série Gossip Girl (2007) e Justin Baldoni, que será o Ryle, interpretou Rafael Solano na comédia romântica satírica Jane the Virgin e também o personagem Will no filme A Cinco Passos de Você (2019). “É Assim que Acaba” ainda não possui previsão de estreia nas telas.

2 thoughts on “‘É Assim que Acaba’ deixa o romance em segundo plano ao trazer reflexão sobre violência doméstica”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *