Tempo de leitura: 4 min
Talita Prudente

Invasões ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal em 8 de janeiro, 1.398 detidos no dia. Ataque a escola Estadual Thomazia Montoro, em São Paulo, no qual um aluno de 13 anos matou a facadas uma professora e outras cinco pessoas, no dia 27 de março. Nove dias depois, a tragédia se repete na creche Cantinho Bom, onde quatro crianças foram mortas e cinco ficaram feridas no dia 5 de abril. Mais de 300 suspeitos presos na operação Escola Segura.

Três exemplos de crimes recentes, nacionalmente conhecidos e que não deixam dúvidas sobre sua gravidade para qualquer pessoa com o mínimo de humanidade. Todos eles ligados por uma previsível coincidência : o incentivo e esquematização dos três aconteceu dentro de comunidades digitais, públicas, livres para quem quisesse ler, assistir, ouvir, curtir, comentar… Sim, posts e interações nas redes sociais desencadearam ódio e violência, despertando o que há de mais sádico. Isso não é liberdade de expressão.

A disseminação de conteúdos envolvendo discursos violentos e antidemocráticos como terrorismo, xenofobia, racismo, pedofilia e notícias falsas, por exemplo, são temas discutidos nas comissões sobre regulamentação de redes socias no Brasil. As novas regras devem estabelecer diretrizes claras para combater esses problemas, responsabilizando as plataformas digitais pela remoção ágil e eficiente de conteúdo ilegal ou prejudicial. A não ser que você seja uma pessoa sádica (disfarçado de defensor da liberdade de expressão) ou deseje ficar refém de alguma atrocidade online, parece justo haver um controle do tipo nas redes.

As discussões sobre regulamentação das redes sociais no Brasil são antigas. O tema ganhou fôlego no país após duas eleições presidenciais caóticas, que colocaram o sistema democrático em risco,  e uma pandemia que ultrapassou 700 mil mortos, com um negacionismo irracional dos antivacs à ciência. Desde 2020, está em discussão o Projeto de Lei (PL) 2630/2020, que “institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet”, ou popularmente chamado de PL das Fake News, que teve votação adiada na Câmara em maio deste ano. Adiada por irresponsável falta de votos para assegurar o direito básico que garante liberdade ao cidadão: viver de forma democrática.

Enquanto isso, regulamentações semelhantes já estão em vigor na Austrália e países da União Europeia. Nós brasileiros já conquistamos o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), porém essa lei atua com limitações. O Marco Civil não responsabiliza as plataformas pelas publicações feitas por terceiros, ainda que estejam sendo divulgadas informações falsas e discursos de ódio por meio delas. Já se sabe que as grandes Google, WhatsApp, Facebook, Instagram, Telegram e TikTok não são meras intermediárias passivas prestando serviços aos usuários, e lucram absurdamente com o conteúdo infinito que gira na nuvem, sendo nocivo ou não. Ou seja, barrar esse fluxo de interações em algum ponto, mesmo que seja saudável para a humanidade, não é uma opção levada a sério pelas big techs.

Até aqui, ainda não levamos em consideração a discussão sobre proteção de dados, outra bola de neve no contexto das novas tecnologias e redes sociais. Também não falamos sobre a necessidade de garantir a remuneração da atividade jornalística por plataformas de tecnologia, garantindo um ecossistema capaz de se opor à difusão da desinformação e dos discursos de ódio. A garantia dos direitos autorais também foi deixada para um outro artigo.

Se esquivar da nossa responsabilidade social frente ao desenvolvimento tecnológico só vai aumentar a chances de crimes como os citados anteriormente e adiar o óbvio. Não existe ambiente de convivência democrática sem leis. Mesmo que não seja físico, a internet é um espaço poderoso de interação e, em pleno 2023, a regulamentação das mídias digitais está atrasada.

Como estudante de jornalismo, sinto que nós, profissionais de comunicação, principalmente, estamos estáticos. Para a maioria de nós, faltou e falta visão do poder tecnológico e ânimo para combater o avanço digital da extrema direita, fascista, ordinária e absurda, mas sagaz. Que todos e todas que defendem principalmente a justiça, a democracia e os direitos humanos não se esquivem dos confrontos pela regulamentação das redes de interação digital.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *