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O ponto de ônibus é um local de transição, um ponto de encontro temporário onde pessoas se cruzam antes de se dispersarem novamente. Depois de muito frequentá-lo, esse local acabou ganhando um significado e uma atividade um tanto quanto peculiares: a contagem. Contar quantas histórias irão se aventurar dentro do enorme automóvel antes que ele me abra as portas.
A rotina é simples, mas viciante. Geralmente, costumo ficar na lateral direita da plataforma, onde conseguirei me atentar à maré humana que se forma. A cada pessoa que chega e se junta ao objetivo de esperar o ônibus, minha mente automaticamente adiciona um número imaginário à contagem. Uma, duas, três… e assim por diante. Enquanto os personagens da cena chegam ao estúdio de gravação, eu passo a escrever instantaneamente o roteiro: quem será o primeiro a entrar no ônibus? E o segundo? Quantas pessoas entrarão antes de mim?
Além do entretenimento exclusivo e casual que essa mania me proporciona, há de se pensar em algo mais profundo. As pessoas no ponto são uma pequena amostra da vida urbana em que lidamos: jovens estudantes concentrados em seus livros ou músicas em fones de ouvido, trabalhadores cansados com olhares vazios, idosos que trocam experiências e histórias. Cada uma delas é um fragmento de um roteiro maior.
O ônibus finalmente entra em nosso campo de visão. Nesse momento, os rostos desconhecidos já haviam se tornado temporariamente conhecidos, unidos pelo objetivo em comum de alcançar seu destino. Eu poderia realizar uma contagem final para finalizar meu relatório, mas confesso já não ser minha prioridade. Afinal, é minha vez de embarcar, virar a página e fazer parte da narrativa em movimento.
Enquanto o ônibus percorre seu trajeto, percebo que essa mania aparentemente boba de contar faz com que eu me lembre que, embora viemos de origens distintas e andaremos até destinos diferentes, estamos todos conectados por nossa humanidade compartilhada. Lá no ponto de ônibus as histórias se entrelaçam, mesmo que brevemente, e cada contagem é um lembrete de que a vida é uma viagem em conjunto.