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Ana Luíza Peixoto
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Era próximo das quatro da tarde, quando eu e meus avós caminhávamos pelas proximidades de nossa casa. Eu à frente empurrando a cadeira de rodas com minha avó, tentava descer a calçada cheia de desníveis para ter acesso a rua, tudo para que pudéssemos driblar a ausência de acessibilidade daquela avenida. Meu avô vinha atrás, andando a passos lentos, observando o chão para que não houvesse risco de queda.

Enquanto empurrava aquela cadeira ouvi uma pessoa indagando meu avô:

– Uai, o senhor é o homem ‘begacê’? Ôh meu Deus que saudade d’ocê

A expressão usada por aquele rapaz era a forma popular de se referir a um veneno usado para matar insetos nas casas: BHC, pelo qual meu avô ficou popularmente conhecido por manusear esse material, pois era agente de dedetização do município.

Naquele momento, o homem se apresentou. Era o Marcinho, filho do fulano e da beltrana, velhos conhecidos dos meus avós. Homem simples, pobre e mal vestido. Na sua infância foi na casa dos meus velhos que ele ia correndo todo dia pedir comida. Eles não negavam, deve ser por isso que têm até hoje o costume de cozinhar panelas de comida, mesmo que só eles comam. Ainda acham que chegará alguém para pegar comida.

Meus avós não o reconheceram antes de sua apresentação. Agora não é mais o menininho espoleta, virou um homem, barbudo, magrinho, vira e desvira lixos atrás de uma latinha pra ganhar alguns trocados. Meus velhos também não são mais os mesmos. Minha avó não anda mais, agora se locomove por meio da cadeira de rodas. Os cabelos loiros deram lugar ao grisalho. E o meu avô emagreceu mais de trinta quilos, tem cabelo e barba grisalhos e o rosto decaído, de solidão. 

Mas mesmo com as mudanças aquele homem os reconheceu. Abraçava meu avô e não soltava a mão da minha avó. Parecia não querer se despedir. Fiquei intrigada, pois por vezes olho para eles assim como aquele homem os observava. Senti numa caminhada rotineira de fim de tarde o vazio que me assombra desde que conheci a fragilidade da vida: a certeza da perda daqueles que chamo de avós. Seria uma atividade normal mas se tornou um diálogo com a eternidade da vida.

Levá-los para caminhar ao fim da tarde durante o final de semana em que volto para minha cidade natal é como um exercício na construção de memórias infinitas que gostaria de ter com eles. Infelizmente preciso me conformar com o finito da vida neste caso, pois imaginá-los eternos seria um delírio, seria a negação do fim. E negar soaria como se abster de viver. Enquanto os tenho aqui quero vê-los com o olhar de Marcinho, e abraçá-los com a mesma força.

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