Hepatites Virais: recente Boletim Epidemiológico mostra queda sutil, mas significativa, no Brasil

Segundo o último levantamento de dados do Ministério da Saúde, os casos registrados dos tipos A, B, C e D apresentaram quedas, principalmente a partir do ano de 2014.
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O QUE SÃO HEPATITES VIRAIS

Hepatite é o nome dado a toda infecção que atinge o fígado, causando alterações leves, moderadas ou graves. Na maioria das vezes, são infecções silenciosas, as quais não apresentam sintomas até um estágio crítico. Apesar disso, segundo o Ministério da Saúde (MS), alguns sintomas principais podem surgir, tais como: cansaço, febre, mal-estar, tontura, enjoo, vômitos, dor abdominal, pele e olhos amarelados, urina escura e fezes claras. Quanto às hepatites virais, como o próprio nome diz, estas são ocasionadas por vírus.

Teste para hepatites virais
Teste para hepatites virais.

Existem cinco diferentes tipos de vírus que podem gerar hepatite, conhecidos como A, B, C, D e E. O médico gastroenterologista e hepatologista, Rafael Ximenes, afirma que cada um desses agentes se manifestam com caracaracterísticas particulares e específicas, gerando diferentes tipos de infecções, bem como diferentes formas de transmissão e riscos à saúde.

“Cada vírus tem uma via de transmissão diferente, por exemplo. Por isso, é muito importante não generalizar os tipos de hepatites”, alertou o médico.

No Brasil, as hepatites virais mais comuns têm como causas os vírus AB e C. As infecções causadas pelos vírus das hepatites B ou C frequentemente se tornam crônicas. Contudo, por nem sempre apresentarem sintomas, grande parte das pessoas desconhecem ter a infecção. Isso faz com que a doença possa evoluir por décadas sem o devido diagnóstico. O avanço da infecção compromete o fígado, podendo ocasionar fibrose avançada ou cirrose, que podem levar ao desenvolvimento de câncer e necessidade de transplante do órgão. 

Além desses tipos de agentes, também há, com menor incidência, os vírus das hepatites D e E, sendo encontrados com mais frequência na região Norte do Brasil e na África e Ásia, respectivamente. 

Ximenes, que também é doutor em Hepatologia pela Universidade de São Paulo, também comentou que impacto dessas infecções acarreta em aproximadamente 1,4 milhões de mortes anualmente no mundo, seja por infecção aguda, câncer hepático ou cirrose associada as hepatites. A taxa de mortalidade da hepatite C, por exemplo, muitas vezes se compara ao HIV e tuberculose.

TIPOS

Como exposto, há cinco tipos de vírus que ocasionam as hepatites virais. O especialista em doenças do fígado, médico Rafael Ximenes, explica cada um deles.

  • Hepatite A: A transmissão ocorre por via fecal-oral, ou seja, é elimanado nas fezes e contraído através da boca, como por contaminação de água e alimentos. Dessa forma, é mais comum durante a infância e também está relacionada a alimentos ou água inseguros, baixos níveis de saneamento básico e de higiene pessoal, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Por fim, ainda pode ocorrer pelo contato sexual oral-anal.

Conforme o Ministério da Saúde, os sintomas, quando presentes, são inespecíficos, podendo se manifestar inicialmente como: fadiga, mal-estar, febre, dores musculares e posteriormente enjoo, vômitos, dor abdominal, constipação ou diarreia. Por isso, Ximenes ainda ressalta que: “também pode haver a icterícia, com presença de urina escura, pele e os olhos amarelados”. A principal forma de prevenção é por meio da vacinação.

Fontes: Rafael Ximenes e MS. Autoria: Anna Clara Rodrigues.
  • Hepatite B: Trata-se da segunda mais frequente no Brasil, apesar de ser a primeira no mundo. Pode ser adquirida através de contato direto com sangue contaminado ou com materiais contaminados, como agulhas, seringas e outros objetos para uso de drogas; material de manicure e pedicure; lâminas de barbear e depilar; escovas de dente; equipamentos de tatuagens e piercings, dentre outros. Além disso, a transmissão também pode ocorrer por meio de relações sexuais sem uso de preservativos e transmissão vertical, ou seja, de mãe para filho.

O médico conta que esse tipo de hepatite não tem cura, no entanto, o tratamento reduz o risco de progressão. A principal forma de prevenção é por meio da vacinação.

Formas de transmissão da hepatite B
Fonte: Rafael Ximenes e MS. Autoria: Anna Clara Rodrigues.
  • Hepatite C: Trata-se do tipo mais frequente no Brasil e pode se manifestar na forma aguda ou crônica. Assim como a B, também adquirida através de contato direto com sangue contaminado ou com materiais contaminados, como agulhas, seringas e outros objetos para uso de drogas; material de manicure e pedicure; lâminas de barbear e depilar; escovas de dente; equipamentos de tatuagens e piercings, dentre outros.

Segundo o Ministério da Saúde, o surgimento de sintomas em pessoas com hepatite C é muito raro, cerca de 80% das pessoas não apresentam qualquer manifestação, por esta razão a testagem espontânea da população prioritária é tão importante no combate a este agravo. Sendo assim, Ximenes orienta que esse tipo de infecção tem cura e o tratamento está disponível no SUS.

Transmissão hepapite c
Fonte: Rafael Ximenes e MS. Autoria: Anna Clara Rodrigues.
  • Hepatite D: Considerada a forma mais grave de hepatite viral crônica, com progressão mais rápida para cirrose e um risco aumentado para descompensação e morte. A transmissão ocorre de forma idêntica à hepatite B, por meio de relações sexuais sem uso de preservativos; transmissão vertical, ou seja, de mãe para filho; contato direto com sangue contaminado ou com materiais contaminados, como agulhas, seringas e outros objetos para uso de drogas; material de manicure e pedicure; lâminas de barbear e depilar; escovas de dente; equipamentos de tatuagens e piercings, dentre outros.

Ximenes alerta que tal comoos outros tipos, a hepatite D também pode não apresentar sintomas evidentes até o quadro mais grave. Não tem cura, no entanto, o tratamento reduz o risco de progressão. A principal forma de prevenção é por meio da vacinação.

Transmissão hepatites D
Fonte: Rafael Ximenes e MS. Autoria: Anna Clara Rodrigues.

DADOS DOS ÚLTIMOS 23 ANOS

O Boletim Epidemiológico de Hepatites Virais é um instrumento anual de vigilância e gestão, elaborado a partir da consolidação de informações acerca das notificações de casos de hepatites A, B, C, D e E, elaborado e disponibilizado pelo Departamento de HIV/Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis, da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde (Dathi/SVSA/MS). O objetivo do documento é auxiliar na realização de análises o contexto epidemiológico dos territórios e contribuir para as definições de estratégias de resposta às hepatites virais em todo o país.

De acordo com o Boletim Epidemiológico de Hepatites Virais 2023, publicado no final de junho deste ano, no período de 2000 a 2022, foram confirmados, no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), 748.558 casos de hepatites virais no Brasil. Sendo eles:

  • 168.990 casos de hepatite A em todo o país, o que corresponde a cerca de 22,5% dos casos totais.
  • 276.463 casos de hepatite B em todo o país, o que corresponde a cerca de 37% dos casos totais.
  • 298.713 casos de hepatite C em todo o país, o que corresponde a cerca de 39,9% dos casos totais.
  • 4.392 casos de hepatite D em todo o país, o que corresponde a cerca de 0,6% dos casos totais.
Fonte: Sinan/SVSA/MS. Autoria: Anna Clara Rodrigues.

A distribuição proporcional dos casos de hepatites virais variou entre as cinco regiões brasileiras. As regiões Norte e Nordeste, por exemplo, concentraram as maiores proporções das infecções pelo vírus do tipo A. Nas regiões Sudeste e Sul, predominaram as infecções pelos vírus dos tipos B e C. Por fim, a região Centro-Oeste possui os menores números de casos de todos os tipos da doença, em todo o país.

Confira, na tabela abaixo, a divisão de casos por cada uma das regiões brasileiras.

Região do Brasil Hepatite AHepatite BHepatite CHepatite DTotal dos tipos por região
Norte42.65440.17810.8023.21196.845
Nordeste50.67030.08021.161257102.168
Sudeste31.09494.486174.250489300.319
Sul 25.84286.63280.992291193.757
Centro-Oeste18.73025.08711.50814455.469
Total no Brasil168.990276.463298.7134.392748.558
Casos notificados de hepatites virais de acordo com região e tipo no Brasil, de 2000 a 2022. Fonte: Sinan/SVSA/MS. Autoria: Anna Clara Rodrigues.

Quantos aos óbitos, no período de 2000 a 2021, foram identificados, no Brasil, pelo Sistema de Informação de Mortalidade (SIM), 85.486 óbitos por causas básicas e associadas às hepatites virais dos tipos A, B, C e D.

  • 1,5% dos óbitos associados à hepatite A;
  • 21,5% dos óbitos associados à hepatite B;
  • 76,1% dos óbitos associados à hepatite C;
  • 0,9% dos óbitos associados à hepatite D.
Fonte: Sinan/SVSA/MS. Autoria: Anna Clara Rodrigues.

QUEDAS

Ainda segundo o Boletim Epidemiológico de Hepatites Virais 2023, o Lab Notícias analisou os dados relacionados à incidência de casos das hepatites A, B, C e D entre o período de 2012 a 2022. A redação verificou que, principalmente a partir de 2014, houveram quedas dos números de casos de todos os tipos da infecção.

Confira, nos gráficos abaixo, as quedas significativas dos casos de hepatites virais.

Taxa de incidência de hepatite A (por 100.000 habitantes) segundo região de residência e ano de
diagnóstico. Brasil, 2012 a 2022:

Fonte: Sinan/SVSA/MS.

Quanto à hepatite do tipo B, os casos registraram quedas, em todas as regiões, a partir do ano de 2014. Entretanto, na região Nordeste, em 2019, os casos voltaram a subir, decaindo novamente apenas nos anos seguintes, conforme o gráfico a seguir.

Taxa de detecção de hepatite B (por 100.000 habitantes) segundo região de residência e ano de
diagnóstico. Brasil, 2012 a 2022:

Fonte: Sinan/SVSA/MS.

Quanto à hepatite do tipo C, os casos registraram quedas, em todas as regiões, a partir do ano de 2015.

Taxa de detecção de casos de hepatite C (por 100.000 habitantes) segundo região de residência e ano de diagnóstico. Brasil, 2012 a 2022:

Fonte: Sinan/SVSA/MS.

Casos de hepatite D segundo região de residência e ano de diagnóstico. Brasil, 2012 a 2022:

Fonte: Sinan/SVSA/MS.

Essa diminuição sutil ao longo dos anos, porém significativa para a saúde nacional, pode ser explicada, conforme relatório do Ministério da Saúde, como resultado de um conjunto de políticas de saúde pública associadas à conscientização da população. As principais políticas realizadas foram denominadas “conquistas brasileiras”, sendo elas:

  • A oferta do teste rápido para hepatites B e C, em 2011;
  • A incorporação dos antivirais de ação direta para hepatite C, em 2015 (de 2015 a 2021, o Brasil ofereceu tratamento para 140 mil pessoas, aproximadamente);
  • A universalização da vacina contra hepatite B, em 2016;
  • A universalização do tratamento da hepatite C, em 2019;
  • A simplificação do tratamento e redução das barreiras administrativas e assistenciais de acesso aos medicamentos para hepatites (B, C e D), por meio de ajustes de fluxos logísticos, em 2020.

TRATAMENTO E PREVENÇÃO

Segundo o médico gastroenterologista e hepatologista, Rafael Ximenes, não há um tratamento único e específico para todos os tipos de hepatites virais, por isso, alguns fatores devem ser considerados.

“O tratamento das hepatites virais não é universal. Para tratar cada um dos tipos de infecção, tem que se avaliar o tipo de vírus; se é aguda ou crônica; o estágio em que a doença está e as características do paciente”, explicou o médico.

Nos caso de hepatite A, não há um tratamento específico e, normalmente, os médicos combinam alguns tipos de medicamentos para a cura. Já os tipos B e D não possuem cura, então, o tratamento é realizado para o controle das doenças. Por fim, o tratamento para a hepatite C é realizado por antivirais de ação direta (AAD) e eliminam a infecção com eficácia. 

Ximenes também pontuou algumas medidas gerais que contribuem para evitar o contágio por qualquer tipo de hepatite viral, sendo elas:

  • Saneamento básico;
  • Higienizar as mãos após ir ao banheiro e antes de se alimentar e adotar medidas de higiene rigorosas, principalmente com crianças
  • Higienizar bem os alimentos antes do preparo;
  • Utilizar preservativo durante as relações sexuais;
  • Não compartilhar itens pessoais, principalmente os que entram em contato direto com o sague.;
  • No caso de gestantes, realizar o pré-natal e todos os exames antes, durante e após o parto.

Ademais, todas essas medidas devem ser associadas à vacinação, esta que ainda é a forma de prevenção mais eficaz.

“A vacina sempre será o método de prevenção mais eficaz. Apenas o tipo C não possui vacina. Todos os outros tipos têm, por isso, vacine-se!”

PRECONCEITO

Por serem doenças transmitidas principalmente por meio de relações sexuais desprotegidas, as hepatites virais são enfermidades extremamente estigmatizadas na sociedade, e os portadores sofrem diversos tipos de discriminação. A enfermeira Gabriela Uchoâ, que já atuou no Hospital Estadual de Doenças Tropicais Dr. Anuar Auad (HDT), relatou que a maioria dos pacientes atentidos com algum tipo de hepatite viral, normalmente também são soropositivos, ou seja, possuem HIV. Essa correlação entre ambas as infecções corrobora ainda mais para que os estigmas associados às hepatites prevaleçam.

“Eu via muitos pacientes vítimas de hepatites que também eram soropositivos e eles tinham muita vergonha e receio, até mesmo de buscar tratamento. Isso é horrível, porque faz as pessoas adoecerem e acreditarem que não são dignas de ajuda”, contou a enfermeira.

Ao Lab Notícias, uma pessoa portadora de hepatite B, que preferiu preservar sua identidade, fez um relato da sua relação com a doença e o preconceito.

“Eu tenho hepatite há 10 anos, porque a minha não tem cura, e mesmo assim, nunca contei para a minha família que tenho. Até mesmo em hospitais, quando estava tomando medicação, já me perguntaram se eu tinha Aids ou se adquiri hepatite porque ‘transava’ sem camisinha. Isso sempre me deixou mal, não é porque tenho uma doença sexualmente transmissível que eu sou um marginal,” desabafou.

Assim como qualquer outra doença, as hepatites virais podem e devem ser tratadas, e o acesso a este tratamento deve ser universal e digno. Para a enfermeira Gabriela Uchoâ, “o preconceito mata mais do que as hepatites. A conscientização deve ser coletiva”.

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