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Foi Donald Norman, na década de 1990, que primeiro introduziu o termo Experiência do Usuário (user experience/UX). Segundo ele, a “experiência do usuário abrange todos os aspectos da interação do usuário final com a empresa, seus produtos e serviços”. Hoje, para muito além do design de bens materiais como uma porta que você não sabe se precisa empurrar ou puxar para abri-la ou uma torneira complicada de se manusear, o termo também é empregado no meio virtual para aplicativos e sites, por exemplo.
Os estudos produzidos no campo virtual expandiram o conceito de design e, como consequência, do conteúdo de texto nele presente. Isso significa que, ao interagir com diversos tipos de interfaces (o site que hospeda esta entrevista, o canal de ajuda do seu banco ou um aplicativo de comida), os escritos com o qual você tem contato também são, ou deveriam ser, pensados pelo viés da Experiência do Usuário. Nesse sentido, UX e linguagem se relacionam de modo a influenciar a experiência final do usuário com um produto.
‘A ideia é que a pessoa tenha a experiência mais natural possível com aquele conteúdo’: UX e o texto
Um dos grandes desafios dos profissionais de UX Writing (aqueles responsáveis pela produção de conteúdo escrito) é garantir acessibilidade ao texto, uma vez que a própria língua, se não manuseada da melhor forma, pode trazer ruídos comunicacionais e o não entendimento do que se é pretendido. Vitória Avendaño, profissional UX Writer com foco em chatbots, em entrevista para o Lab Notícias, fala sobre Experiência do Usuário, linguagem e os métodos que ela utiliza para tornar um texto acessível.
Foto: Vitória Avendaño
LN: Acho que o importante, primeiramente, é entendermos como você chegou na posição de UX Writer. Como você conheceu a Experiência do Usuário (UX)?
Eu sou formada em Comércio Exterior, mas nunca me identifiquei muito com a área, então teve um período que eu comecei a pensar em uma transição de carreira. Como sempre tive o costume de escrever, comecei a pensar na carreira de redatora e, nessa época, comecei a estudar bastante copywriting e marketing digital. Enquanto eu estudava copywriting, acabei chegando no UX Writing meio que como uma área correlacionada. Aí, comecei a ler um pouco a respeito e entendi o que era Experiência do Usuário. Enfim, enquanto eu tava pesquisando sobre, percebi que era uma área financeiramente muito mais interessante do que a área de copywriting, além de ter um conceito que eu me interessava mais, que era pensar em como a gente pode melhorar a experiência de uma pessoa através de palavras. Então, a partir disso, comecei a estudar mais e decidi que eu queria fazer a migração para UX Writing.
LN: Na literatura, Experiência do Usuário remonta à interação do usuário final com e serviços produtos, por exemplo, tanto no âmbito material quanto virtual. Para você, como ela se aplica à escrita?
A Experiência do Usuário na escrita se relaciona muito a pensar em como conseguimos colocar em texto uma linguagem que seja o mais próxima possível do que a usamos quando conversando com uma pessoa. Então, quando conversamos com alguém, não necessariamente seguimos as normas padrão do nosso idioma. E não que a gente não vá seguir isso quando a gente escreve, mas podemos fazer algumas adaptações para que esse texto não fique tão artificial quando alguém for lê-lo. Uma coisa que se faz muito é ler em voz alta todos os textos que você vai colocar em uma interface, porque se está parecendo muito artificial a gente corta. A ideia é que a pessoa tenha a experiência mais natural possível com aquele conteúdo.
LN: Trabalhar com UX Writer significa estar em contato com diferentes públicos. Quais critérios modificam o tipo de texto que será escrito?
Temos que considerar o nível de instrução das pessoas que estão usando aquela interface, porque se estamos falando com um público mais específico, médicos, por exemplo, podemos usar algumas nomenclaturas que são mais técnicas da área. Afinal de contas, são médicos. Eles têm um conhecimento e termos específicos. Agora se a gente está falando com o público geral, o ideal é que se evite usar bordões e todo tipo de linguagem que seja muito técnica, porque as pessoas não vão entender. Outra coisa, também, é pensar na regionalidade. Estamos falando com o país inteiro ou estamos falando com as pessoas de São Paulo? Isso faz uma diferença muito grande. Também considerar o conceito do Marcos Bagno, que é o preconceito linguístico. Às vezes a gente pode utilizar uma linguagem que não é formal para que isso se torne mais palpável para a pessoa que está acessando.
LN: Acho que é seguro afirmar que na linguagem, principalmente ao se tratar da Experiência do Usuário com o produto que você cria, também é necessário acessibilidade. Esse conceito está presente no seu dia a dia de trabalho?
A acessibilidade é um dos temas mais importantes da Experiência do Usuário, isso se não for o mais importante. Quando estamos produzindo um conteúdo, a ideia é democratizar esse conteúdo o máximo possível, utilizar técnicas para torná-lo acessível pro maior número de pessoas. Na linguagem, fazemos isso através de estudos com os usuário para entender o contexto daquelas pessoas, o nível de instrução; o gênero pode ou não ser importante, a região de onde aquelas pessoas vieram, da profissão ou do meio em que elas vivem. A gente também tem que considerar alguns tipos de deficiências. Algumas pessoas utilizam, por exemplo, leitores de tela. Isso faz com que tenhamos que pensar em formas de escrever que sejam acessíveis; pensar, por exemplo, em como a gente vai utilizar emojis ou se vai utilizar emojis, porque os leitores de tela têm uma leitura específica para eles. Então é uma coisa bem importante e que se não considerarmos na produção do conteúdo, meio que perdemos o objetivo da Experiência do Usuário de ser uma experiência positiva para as pessoas.
LN: No seu caso, é notável um esforço para que a acessibilidade da linguagem seja atingida. Você acha que isso é o cenário de todas as empresas que trabalham com UX ou essa preocupação é seletiva?
Eu acho que, infelizmente, não são todas as empresas que entendem a necessidade de fazer esse trabalho relacionado à acessibilidade, não só na parte de UX Writing como também na parte de UX Design. Inclusive, tem até empresas que não entendem o valor da pesquisa para que esses processos sejam elaborados com mais eficiência. Mas também é um cenário que eu vejo que está melhorando, porque as empresas também percebem que esse investimento na experiência tem um retorno. Tem o exemplo da Netflix, que seria como qualquer outra empresa se não fosse a experiência que o aplicativo dela proporciona de forma geral, tanto na parte visual quanto na parte de texto. Assim, se compararmos a Netflix com outro serviço de streaming, a gente pode até pensar que o outro serviço tem um catálogo melhor ou um preço melhor, mas se pensar em experiência, não conheço ninguém que não concorde que a Netflix tem o melhor aplicativo em questão de usabilidade. Eu acho que as empresas estão aprendendo que pensar na experiência também gera lucro para elas, e isso é o que faz elas perceberem que é um investimento que pode ser positivo.
LN: É seguro dizer que o futuro direciona para uma crescente de aplicação da Experiência do Usuário em todos os sentidos, mas principalmente no meio virtual. Para você, o papel que você desempenha hoje é suficiente para agregar a esse cenário ou ainda existem novos terrenos que você deseja explorar?
Eu acho que, principalmente, a área da tecnologia. [A tecnologia] não retrocede, no sentido de que o que se conquistou até aqui só vai ser expandido, e acho que com a Experiência do Usuário iremos pelo mesmo caminho. O que acho que vai acontecer é que vamos pensar nisso de forma diferente, pensando que hoje em dia o trabalho do especialista em UX é muito mais focado em interfaces como aplicativos, sites, interfaces conversacionais. Estamos observando um crescimento bem significativo na parte de Inteligência Artificial. Então, acredito que o nosso trabalho talvez se modifique com relação ao tipo de plataforma em que estaremos atuando. A gente está tendo muitas interfaces de voz, tipo a Alexa — Alexa é um exemplo muito bom de Experiência do Usuário e é um produto baseado em Inteligência Artificial. Acho que iremos muito mais para esse sentido de pensar em experiências mais completas do que apenas um aplicativo. Isso vai se tornar um pouco mais geral, mas acredito que vai ser realmente uma coisa que vai continuar crescendo. Para mim, o caminho natural seria começar a explorar essas novas tecnologias que estão surgindo agora.