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Coelho
Fonte: Freepik

Os testes em animais têm sido um assunto que carrega consigo bastante controvérsias, e é um debate que já vem sendo discutido por algum tempo, entre aqueles que são a favor e aqueles que são contra. No entanto, esse assunto é mais complexo do que se possa imaginar, pois os defensores da causa e até mesmo cientistas argumentam que é necessário a realização do experimento para garantir a segurança e a eficácia dos medicamentos antes de serem comercializados. Já por outro lado, críticos argumentam que é inaceitável a realização desses testes em animais, pois é intolerável aceitar tamanha crueldade cometida contra seres indefesos em nome da ciência.

Com o avanço da tecnologia e da ciência, possibilitou o desenvolvimento de métodos alternativos que podem ser utilizados para a realização desses experimentos, no qual não à necessidade da utilização de animais. No Brasil, existe a Rede Nacional de Métodos Alternativos ao Uso de Animais (Renama), que foi criada em 2012 para fazer avaliações de métodos alternativos que são criados ao redor do mundo, a fim de serem trazidos posteriormente ao Brasil após a avaliação. No entanto, nem todos os métodos alternativos podem ser implantados no Brasil devido à falta de recursos financeiros suficientes e à ausência de estrutura física de laboratórios para a utilização de materiais de última geração.

Com o objetivo de esclarecer e trazer informações relevantes a respeito deste assunto, a equipe do Lab Notícias entrou em contato com a professora Luciana Batalha de Miranda Araújo, responsável pela área de Ciência de Animais de Laboratório da Escola de Veterinária e Zootecnia da UFG.

Bom professora Luciana, pode-se citar algumas técnicas alternativas aos testes em animais?

Luciana Batalha: Aqui no Brasil, a gente tem aproximadamente 40 métodos alternativos que já são utilizados. A última rede de métodos que chegou foi publicada no Diário Oficial da União de 2022, e as instituições de pesquisa têm até cinco anos para fazer a implementação desses métodos substitutivos. Então, até 2027, a gente vai ter todos esses 40 métodos devidamente implantados aqui no Brasil. Dentre esses métodos alternativos, existem diversos, talvez os primeiros que chegaram e os mais clássicos são aqueles métodos que fazem a substituição do animal vivo, por exemplo, na avaliação do potencial de irritação e corrosão de pele. Então, em vez de utilizar um animal para fazer esse tipo de teste, já existem placa de cultivo celular com peles ou com tecido efetivo que substituem a utilização dos animais nesses testes.

Qual a problemática dos testes em animais?

Luciana Batalha: Os testes em animais ele tem uma regulamentação bastante rigorosa. O foco da experimentação animal acaba sendo na sua maioria, a ciência que trata do ser humano, mas hoje em dia ela não é exclusiva para isso. Então, com relação a essa problemática, eu acho importante a gente falar sempre de forma técnica e ética com relação à pesquisa utilizando animais. Hoje em dia existem várias metodologias que podem substituir a utilização de animais em pesquisa, mas existe algumas que não podem ser substituídas. Como por exemplo, o estudo de um novo antibiótico, uma fórmula nova, uma molécula nova lançada no mercado e eu tenho que saber se, além daquele antibiótico agir em cima do microrganismo, ele vai fazer mal para algum animal. Então, eu não consigo mimetizar isso em uma placa, eu tenho que fazer um teste desse antibiótico num filhote para ver se vai interferir no crescimento, eu tenho que fazer numa fêmea adulta para ver se vai interferir na reprodução, eu tenho que fazer em um macho pra ver se vai provocar esterilidade, tenho que fazer em um animal que tenha problema cardíaco, problema respiratório, que tenha facilidade para desenvolver algum tipo de câncer, porque esse antibiótico pode gerar sensibilidade e ele pode trazer problemas secundários a pessoas com determinados tipos de problemas, tenho que testar numa pessoa idosa, eu tenho que testar numa gestante. Então ao invés de fazer esses testes nos seres humanos, eles são feitos a princípio em animais, então a problemática que envolve a utilização de animais na verdade, eu acho que um pouco ela é causada por desinformação da população em geral com relação a importância da utilização desses testes, e da importância também de você entender que o ser humano de uma forma geral ele vivi e é movido por esperança. Se você tem determinadas doenças, tipo o Covid, por exemplo, todos os testes das vacinas foram feitos em animais. Tinha toda a parte laboratorial, depois do laboratorial teve a fase de teste em animais e depois foi feita uma grande testagem na população de uma forma geral, que são aquelas vacinas iniciais. Então sempre essa fase animal antecede a fase humana exatamente para preservar a vida humana, porque segundo a nossa Carta Magna, que é a Constituição, a vida humana ela prepondera, ela tem uma importância social maior do que a vida animal. Então por isso que a gente ainda utiliza animais.

É possível substituir os animais em todas as pesquisas?

Luciana Batalha: Não. Quando eu uso um determinado medicamento em um animal, eu vejo como esse medicamento vai agir no corpo do animal, em todos os sistemas. Sistema vascular, respiratório, cardíaco, digestivo, reprodutor, nervoso, endócrino. Então eu tenho vários sistemas no organismo. Quando eu pego uma placa de células, que eu consigo colocar até em algumas placas diferentes tipos de tecido, e coloco aquele medicamento, eu vou ver a ação nessas células, mas não no organismo. Então às vezes eu vou pegar para você o exemplo da talidomida, que foi o medicamento utilizado há várias décadas para curar enjoo. Assim, era um medicamento que tinha uma outra função mas descobriu que mulheres grávidas que tinham enjoo, aquele enjoo matinal ou gestacional, quando elas consumiam esse medicamento, melhorava barbaramente o enjoo. Então ele começou a ser utilizado de forma recorrente no tratamento de enjoo, só que não se sabia, naquela ocasião, não existia pesquisa o suficiente e não se sabia que esse medicamento ele tinha um efeito teratogênico sobre o feto. Então várias crianças de mães que tomaram talidomida nasceram com uma formação encefálica, faltando um braço, uma formação de fenda palatina, enfim, uma infinidade de modificações estruturais no organismo por causa do uso de um medicamento que não tinha sido liberado para gestante. Ele tinha uma outra indicação, foi aproveitado para essa situação e teve consequências desastrosas. Então a gente não pode, infelizmente, substituir todas as pesquisas. Precisa ainda dos animais. Então, mais uma vez, eu trago a questão dos três R’s, a gente faz o experimento com método substitutivo. A gente tem 41 métodos substitutivos empregados no Brasil. Esses métodos vão reduzir barbaramente o número de animais, porque eles já vão trazer várias respostas iniciais, e depois, quando a gente vai utilizar os animais, a gente vai ver se tem animais específicos para aquilo que a gente está trabalhando, que é o caso do ratinho com câncer, e aí a gente pega o resultado da placa, aplica no número reduzido de ratinhos, tem um resultado, e aí depois a gente passa para a avaliação em seres humanos. Então, a gente ainda precisa desses animais em todas as fases de experimentação.

Quais os danos que podem ser causados nos animais por conta destes testes?

Luciana Batalha: Na verdade, todos esses animais de experimentação, esses animais que vão ser usados em número reduzido, dependendo do experimento, a maior parte deles exige-se que seja feita a eutanásia do animal de forma humanitária. O que é essa eutanásia? A eutanásia tem que ser feita por um profissional que seja capacitado com a técnica de eutanásia e é proibido, e eu quero deixar grifado, proibido que o animal sinta qualquer dor, angústia ou medo antes e durante o processo de eutanásia. Então o animal que vai ser submetido a eutanásia, geralmente ele é colocado dentro de uma câmara onde você vai ter nessa câmara uma saturação, por exemplo, de um gás usado em anestesia. Quando você vai tomar uma anestesia para cirurgia, vem o médico, coloca uma máscara no seu rosto e começa a soltar o oxigênio com o anestésico e você simplesmente dorme. Quando você percebe você já acordou dessa cirurgia. Quando a gente faz eutanásia, o que é feito nesses animais, uma das técnicas, é a gente colocar o animal dentro de uma caixinha, uma caixa grande de acrílico, e a gente vai soltando um gás anestésico dentro dessa caixa, o animal entra em plano anestésico, você aumenta a quantidade de gás que está sendo colocado, de gás anestésico, e esse animal morre dormindo. Ele simplesmente não percebe o que aconteceu, ele não teve medo naquele momento. Então é obrigatório por lei que toda eutanásia seja feita com um método humanitário. Se não for, é passível de denúncia e essa denúncia pode gerar suspensão do laboratório ou da instituição de ensino e pesquisa. Então o que pode acontecer com esses animais? Os animais são submetidos a eutanásia. Outra coisa importante é quando eu vou fazer eutanásia do animal. Existem escalas que chamam Escala Green Sea, essa escala Green Sea, ela mostra as expressões faciais e o posicionamento do corpo do animal quando ele começa a sentir desconforto. Então, se eu, por exemplo, inoculei num animal uma célula cancerígena, então eu vejo que essa célula, a princípio é só uma injeção, não tem problema nenhum, mas depois de uma semana, esse ratinho começa a demonstrar sinais de ele começa a não se alimentar bem, então eu vou fazer uma comparação da expressão facial e da postura corporal desse animal com essa escala. A partir de determinado ponto dessa escala, você é obrigado a interromper, você não pode deixar o animal em sofrimento para dar continuidade à sua pesquisa. Não existe esse momento de vou ver até onde isso vai, isso é proibido por lei. Então, se o animal começa a chegar em um determinado ponto da escala Green Sea, você é obrigado a fazer a eutanásia desse animal.

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