‘Nós tivemos muitos passos de retrocesso’, diz professora do IFG sobre os investimentos em pesquisa e extensão no país 

Doutora em Geografia pela UFG e graduanda em Direito, Renatha Cruz fala sobre a iniciação científica e seu impacto na vida dos jovens de Ensino Médio
nov 1, 2023 , ,
Tempo de leitura: 10 min

É de conhecimento público o impacto da pesquisa e inovação na sociedade e da sua importância na vida acadêmica, mas pouco se fala sobre sua difusão entre os adolescentes do ensino básico. A doutora em Geografia e especialista em Educação Inclusiva com Ênfase no Atendimento Educacional Especializado, Renatha Cruz, fala um pouco sobre o assunto, com base em sua experiência como professora e orientadora no Instituto Federal de Goiás [IFG], Campus Uruaçu. 

Renatha tem vários projetos finalizados e em aberto sob sua orientação, dentre eles, o “Meninas Cientistas”. Idealizado por ela em 2018, o projeto também foi afetado pela falta de recursos financeiros, com os cortes de verbas da educação e pesquisa, o projeto precisou buscar parcerias e passar por diversos editais. As dificuldades aumentaram, mas com elas os resultados e, recentemente, o projeto foi escolhido para representar a região Centro-Oeste e o Brasil no Parlamento Juvenil Mercosul, que ocorreu em Brasília e em Buenos Aires, Argentina, na última semana.

Renatha Cruz (Foto: acervo pessoal)

Confira a entrevista:

Como funciona a pesquisa científica no ensino médio?

Dra: Eu fico muito lisonjeada com o convite para falar sobre um tema tão importante quanto a pesquisa e principalmente a pesquisa científica no ensino médio. 

No ensino básico, nesse caso, representado pelo ensino médio, é orientada a pesquisa por professores, professoras ou mesmo técnicos administrativos, um nível de graduação, então nós orientamos no sentido de fazer um projeto de iniciação científica Júnior. Aqui no Instituto Federal de Goiás – Campus Uruaçu, nós temos bolsas do CNPQ e também da própria instituição. Nós tivemos a felicidade de ter uma parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás, para também ter bolsas de iniciação científica Júnior para os estudantes.

Em geral, o programa acontece em um ano de orientação. Os estudantes convivem com metodologias e começam ali, os primeiros passos para entender como funciona, uma investigação e como funciona um documento científico, então nós dividimos as etapas principalmente na orientação sobre: como funciona o processo, o que é um relatório, quais são as etapas fundamentais de um relatório e assim elaboramos um projeto de pesquisa dialogado com os estudantes.

Na sequência nós desenvolvemos metodologias e as reformulamos diariamente, para que, atenda a necessidade do próprio projeto e da dinâmica dos envolvidos. Para a conclusão, a gente tem participação em eventos cotidianos e participação também em reuniões de orientação, para que, esses estudantes tenham autonomia para elaborar dados, para questionar as análises e fazer discussões críticas sobre os resultados.

Qual a importância da pesquisa e do contato com a mesma já no Ensino Médio?

Dra: Para falar sobre a importância do contato dos estudantes ainda no ensino médio, eu ressalto a nossa experiência, de muitos anos, com orientação de estudantes de iniciação científica Júnior. Os estudantes têm contato com o universo da ciência, questionam mais, participam de reuniões de orientação e também de eventos científicos. Conseguem ter autonomia nas falas, autonomia nas apresentações, além de questionar os dados e conhecer as fontes de dados mais confiáveis ainda na educação básica. Então, é primordial que nós tenhamos programas de iniciação científica que comecem cada vez mais cedo, mas que tenham atenção às particularidades e até a linguagem desses estudantes.

Qual o impacto da pesquisa na vida desses jovens, é possível perceber até uma mudança de comportamento?

Dra: A mudança de comportamento que nós percebemos nos estudantes que participam de iniciação científica é aquela de questionar os dados das informações que são apresentadas, há também um protagonismo nas apresentações. Como já foi mencionado, dos estudantes que eu já orientei, muitos deles se envolvem em outros projetos, que são de suas áreas ou de áreas transversais, e a maioria destes continuam seus estudos em uma graduação, pós-graduação, mestrado e até doutorado. Então, é muito importante que eles iniciem cada vez mais cedo, para se envolverem nesse ambiente, produzindo cada vez mais conhecimento e conhecimento de qualidade no país.

Entre 2014 e 2021, o Governo Federal sucateou bolsas de pesquisas, deixando 12.473 pesquisadores sem verba. Até então, os cortes seguem acontecendo. De que modo ou forma podem se criar políticas públicas que perpassam pelo governo com o intuito de garantir o compromisso com pesquisadores?

Dra: Nos últimos anos, nós tivemos efetivamente um sucateamento da Educação no país e isso afetou as bolsas de pesquisa e distanciou, do ambiente científico, muita gente que tem interesse, possibilidade e grandes contribuições a fazer para a ciência brasileira. 

Assim, é importante ressaltar, que as políticas públicas também foram afetadas, porque, antes da implementação de políticas públicas, nós precisamos de estudos para verificar se esse recurso vai ser efetivo ou não,  se ele vai alcançar aquilo que se espera dentro da sociedade. É importante lembrar que os pesquisadores não deixaram de pesquisar, mas isso afetou principalmente os grupos que precisam de matéria-prima para produzir.

As pessoas que são da área da química, da física ou da própria medicina, pessoas que precisavam de insumos ou de equipamentos, tiveram suas pesquisas ainda mais impactadas. Isso não quer dizer que as humanidades não precisam de recursos, quer dizer que, todos os setores foram impactados e que, a gente espera que nos próximos anos, incentivem a iniciação científica, as pesquisas em diferentes níveis, que o aumento das bolsas seja somente um passo adiante, porque nós tivemos muitos passos de retrocesso. 

Aumentar o valor das bolsas hoje não resolve o problema, ele só diminui as possibilidades de grandes impactos, nós precisamos ainda de mais recursos para pesquisas no Brasil, e que ele seja distribuído também com as humanidades, porque há um movimento de distanciamento dos recursos para com a área de ciências humanas, a gente percebe principalmente pelos editais do Governo Federal.

Apesar dos cortes significativos, o interesse, procura e pesquisas têm crescido ou diminuído?

Dra: Essa é uma pergunta muito relevante, com os cortes os pesquisadores deixaram de desenvolver seus projetos? A resposta é não. Cada vez mais, nós temos pesquisadores e pesquisadoras envolvidos em projetos de pesquisa que queiram desenvolver tecnologias, inovação, inclusive no ambiente do ensino e da aprendizagem e para a formulação de políticas públicas.

 O que nós tivemos de verdade foi um sucateamento dessas pesquisas, muitos pesquisadores buscando recursos em diferentes editais, é um tempo longo e desperdiçado, que poderia ser dedicado a outros resultados, que não a submissão de vários projetos. 

É importante colocar que isso dificultou que estudantes pudessem participar de eventos, compartilhar suas experiências e assim ter outros resultados e outras redes de pesquisa, com colaboração mais intensas no país. Os cortes são sim impactantes em todas as áreas, se nós levarmos em consideração a ciência na educação básica, no ensino médio e técnico, isso é fortemente perceptível. 

As bolsas de iniciação científica Júnior, até o ano passado, tinham um valor de R$100, o que dificultava muito a permanência dos estudantes em projetos dessa natureza. Com o aumento do valor das bolsas, a gente tem uma possibilidade maior de permanência desses estudantes e por mais tempo.

Foi muito importante o aumento das bolsas, mas, isso não pode vir sozinho, é necessário que tenhamos políticas que subsidiem recursos de consumo, equipamentos e eventos que promovam integração de redes. Porque assim, a gente consegue efetivamente mostrar os resultados e toda a criatividade que os nossos estudantes e as nossas estudantes possuem.

Como fica o acompanhamento disso depois, isso continua depois do nível superior ou eles simplesmente abandonam, ou seja é um processo fragmentado ou contínuo? Há alguma forma de monitorar ou manter o padrão

Dra: Quanto ao acompanhamento da pesquisa, também uma pergunta muito relevante nesse sentido. Pela experiência que nós temos, aqui no IFG, pela experiência que nós temos em outras instituições que passamos,  a UFG na qual eu sou formada, a UEG na qual eu sou estudante atualmente, sempre é possível perceber projetos de longa data, projeto de continuidade. Então, quanto à orientação de iniciação científica Júnior, quando se tem recursos de continuidade, esses estudantes ingressam em graduação, em pós-graduação e, nós temos inclusive estudantes que fizeram iniciação científica aqui e hoje já estão em nível de Mestrado, futuramente nós teremos também estudantes em doutorado.

Logo, é importante começar cada vez mais cedo, para que eles se envolvam e entendam, como funciona o raciocínio científico, como funcionam as metodologias de validação de uma pesquisa. Com recursos, tendo possibilidades, a gente consegue fixar esses pesquisadores por longa data, mas é importante também ressaltar o distanciamento e a evasão de algumas medidas. 

É possível perceber no Brasil, uma movimentação de pesquisadores Junior, pesquisadores de iniciação científica, indo para o exterior, porque recebem propostas para desenvolver as suas pesquisas fora do país. É muito importante que nós tenhamos políticas para que, a gente consiga que esses estudantes, desenvolvam suas pesquisas e integrem com redes internacionais, mas que essa pesquisa seja fixada no país. 

A fundação de amparo à pesquisa do Estado de Goiás, FAEG, por exemplo, desenvolveu um edital para tentar manter estudantes e doutores no Estado de Goiás, essa é uma excelente iniciativa porque, hoje nós vemos uma busca pela interiorização do conhecimento, mas ainda são muito pequenas essas iniciativas. 

Então, o que sugere-se com essa conclusão da entrevista, é que nós tenhamos iniciação científica, quanto mais cedo. As crianças podem participar de atividades, mesmo que não tenham um relatório sistematizado, podem participar de projetos que desenvolvam tecnologias e metodologias de ensino e elementos de inovação, ainda que de uma forma muito simples, que futuramente podem gerar projetos de grande envergadura.

 Que haja recursos e continuidade,  para que comecem na infância, sigam na adolescência, na fase da juventude e na fase adulta e assim consigam chegar nos seus níveis de doutorado e pós-doutorado. Que nós tenhamos políticas públicas para permanência desses pesquisadores no país, com vínculos internacionais ou parcerias com formação internacional. 

Que a gente consiga cativar esses pesquisadores ainda na infância ou adolescência, para permanecer e desenvolver  tecnologias, pesquisas científicas no país e que nós tenhamos cada vez mais recursos, que sejam efetivados para a formulação de políticas públicas que atendam as demandas locais e que tenha uma atenção aos grupos mais vulnerabilizados.

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