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Em 1958, Maria Teresa de Filippis estreou na Fórmula 1, o pináculo do esporte a motor. Desde então, apenas outras quatro pilotos participaram de maneira oficial da categoria – Lella Lombardi, Divina Galica, Desiré Wilson e Giovanna Amati. Giovanna, por sinal, foi a última presença feminina no grid, ocorrida em 1992, competindo pela Brabham. Porém, essa escassez de representatividade não é por acaso. Em concordância com dados da FIA (Federação Internacional de Automobilismo), a Fórmula 1, com mais de 70 anos de história e 770 pilotos diferentes, contou com somente 5 mulheres em toda sua trajetória. Infelizmente, o automobilismo é, ainda, um universo majoritariamente masculino.
De acordo com o instituto More Than Equal — que possui como objetivo encontrar as falhas estruturais relativas à presença do público feminino no esporte a motor e, gradativamente, mudar o cenário ao desenvolver pesquisas sobre a temática e auxiliar no progresso das pilotos —, atualmente, cerca de apenas 10% de todo o contingente de competidores automobilísticos ao redor do mundo é composto por mulheres. Entretanto, o cenário vem mudando a partir de esforços coletivos provenientes da resiliência – e, principalmente, da vontade de mudar o panorama atual e tornar a equidade de gênero algo mais próximo da realidade.
Assim, existem projetos que lutam bravamente pela inclusão feminina no mundo automobilístico. No Brasil, o Girls Like Racing By Ipiranga é referência. A partir dele, é possível que garotas passem um dia nos bastidores da maior categoria do automobilismo nacional: a Stock Car. Com amizades, networking, palestras e muita imersão, todos os momentos da dinâmica são proveitosos e é criada uma rede de apoio protagonizada por mulheres, a fim de que os ambientes do esporte a motor tenham, de maneira efetiva, a presença feminina.
Para Erika Prado, engenheira de dados da Cavaleiro Sports, equipe da Stock Car e F4 Brasil, e fundadora do Girls Like Racing, existe uma crescente perceptível de ocupação de mulheres no meio do esporte a motor. “Quando eu comecei a frequentar autódromos, em 2016, eu via poucas mulheres. Em 2017, comecei a ver mais meninas. Em 2018, fundei o Girls Like Racing com uma amiga. O grupo começou tímido, com 50 meninas, e hoje contamos com 500 garotas no grupo de Whatsapp, além de quase 7 mil seguidores no Instagram.’’, comentou.
Além disso, é notável que a presença feminina ultrapassa as arquibancadas: as mulheres estão ocupando muitos cargos, desde a parte de engenharia até a comunicação. “Percebo que cresceu não só o número de mulheres mostrando que são apaixonadas no automobilismo, mas também o de mulheres interessadas a trabalhar com automobilismo. Até os homens começaram a enxergar melhor e apoiar. Como sempre digo: quanto mais mulheres, mais mulheres. Então, pode ter certeza de que estaremos sempre lotando os autódromos, cada vez mais.’’, declarou Erika.
NAS PISTAS
Como relatado por Erika, a crescente feminina não para. Rafaela Ferreira, por exemplo, é piloto da F4 Brasil e diz que, em sua visão, o mundo do automobilismo está com as portas abertas para mais mulheres. “Com total certeza, posso afirmar que, hoje, recebemos muito apoio no meio. Acredito que nós mulheres podemos conseguir tudo o que queremos. Podemos competir de igual para igual com eles, podemos lutar por pódios, buscar vitórias e, principalmente, servir de influência e inspiração para a nova geração de meninas.’’ expressou.
Entretanto, o percurso não foi linear. Segundo Rafaela, as coisas eram diferentes quando ela começou sua carreira. “Era extremamente difícil encontrar uma mulher correndo, na maioria dos campeonatos eu era a única participante feminina entre os quase duzentos homens. Se eu dissesse que nunca percebi algum preconceito, estaria mentindo – grande parte vinha dos pais de pilotos, que brigavam porque o filho perdeu para uma menina.” disse.
Mesmo assim, a evolução é notável, afirma Ferreira. “Nos últimos anos, tem sido muito gratificante ver esse crescimento feminino. Sei que ainda somos poucas, mas ver nosso progresso é muito bom.”
NOS BOXES
Dentro das garagens, também chamadas de boxes, o ambiente ainda é predominantemente masculino, mas as mulheres vêm o ocupando. Rachel Loh, que é engenheira na Stock Car desde 2005 e, nos dias de hoje, trabalha como Engenheira de Competição da equipe Ipiranga Racing, relata que o início de sua carreira não foi fácil. Porém, com a devida dedicação, é possível para que meninas conquistem seu espaço dentro do automobilismo. “Foi tudo com muita cautela. Tive que saber me posicionar dentro da equipe. Eu não tinha experiência, então me coloquei numa posição de aprendiz e fui crescendo, conquistando meu espaço dentro da equipe. Sem dúvidas, foi uma vivência de muito pioneirismo, eu não tinha referências, não tinha com quem conversar. Na verdade, a minha maior inspiração era a Bia Figueiredo. Era longe da minha realidade, mas era uma mulher dentro do automobilismo.’’ afirmou Rachel.
Um bom caminho para aquelas que desejam adentrar o mundo do esporte a motor são as equipes de projetos estudantis, como as de Baja e de Fórmula, que produzem protótipos e competem entre si. Rachel, por sua vez, escolheu o Baja na época em que era acadêmica de Engenharia Mecânica na Universidade Federal Fluminense. “Comecei no Baja, onde construíamos um protótipo off-road. Lá eu vivenciei uma esfera com maioria masculina – fui a primeira mulher no time. Tive essa experiência de ser escutada, de como ser levada a sério, mostrando através de dedicação e competência que eu merecia uma voz. E eu consegui, porque cheguei a ser capitã de equipe – aliás, fui a primeira capitã mulher de equipe de projeto estudantil no Brasil.’’ enfatizou a engenheira.
NOS BASTIDORES
E, além dos boxes e das pistas, a presença de mulheres também aumenta nos bastidores. Patrícia Alves é assessora de imprensa da equipe Eurofarma desde 2008 e destaca que, no início, não havia muitas mulheres. “Quando eu cheguei, nós tínhamos pouquíssimas mulheres trabalhando no automobilismo. Uma coisa interessante a destacar é que eu nunca senti nenhum tipo de preconceito pelo fato de eu ser mulher.’’ salienta.
Além disso, o apoio de colegas de equipe também se fez presente. “Acho que o papel do jornalista não é saber, é saber perguntar. Então, quando tinha alguma situação que eu não sabia, que eu não conhecia, que eu não entendia, eu ia lá e perguntava. E eles sempre – os engenheiros e os mecânicos – foram muito solícitos. Todos me respeitavam muito dentro do que eu fazia. O meu foco sempre foi em ‘eu estou aqui, eu estou fazendo isso, eu vou ser muito boa e não admito que questionem’… quando você dá resultado, as coisas mudam.” falou Patrícia.
Com iniciativas como o Girls Like Racing By Ipiranga e exemplos como os de Erika, Rafaela, Rachel e Patrícia, o automobilismo adquire a capacidade de se tornar mais plural e, certamente, um lugar para todos. O caminho é árduo, mas os resultados se mostram compensatórios. Por mais mulheres nos autódromos, nas pistas, garagens e, claro, onde mais elas quiserem.