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Oito meses se passaram desde que a Livraria Marília, tradicional em Anápolis, mudou de endereço e começou a operar em um local maior. Em maio, a esquina entre a Avenida Goiás e a rua Quintino Bocaiúva, no Setor Central, passou a acomodar o extenso estoque de livros, discos de vinil, CDs e DVDs originais – todos seminovos. Apesar dos meses, a organização da mercadoria ainda não chegou ao fim. Isso porque novos produtos chegam a todo momento, levados pelos próprios clientes.
Há 50 anos, quem mantém a livraria funcionando é Alonso Lopes, que, desde a década de 1970, já optou por quatro localizações no centro de Anápolis: “[Na Avenida Goiás] eu fiquei uns 13 anos. Na esquina de cima, mais 12. Sempre por aqui. E, em frente à escola, fiquei 20.” O primeiro local a abrigar o comércio, no entanto, foi a rua Rui Barbosa, próximo ao Mercado Municipal. Foram ali os 15 anos iniciais da história do estabelecimento.
Seu Alonso conta: “Eu fui o primeiro [a ter uma livraria] aqui em Anápolis. O primeiro a mexer com disco de vinil em Goiás.” Aos 83 anos, ele relata estar no ramo por prazer, mas não começaria uma livraria atualmente se não tivesse a experiência que adquiriu. “A experiência de cinquenta anos é uma coisa, mas quem abre agora é outra. Hoje em dia não valeria a pena”, afirma.
Ao longo do último meio século, o livreiro reuniu histórias ainda contadas a quem o visita durante dias menos movimentados: “Outra coisa que me orgulha: no filme ‘Os dois filhos de Francisco’, a rádio que eles montaram foi tudo com material que eu cedi. Forneci os discos, as instalações, o que eles usaram para montar a rádio.”
Outro comércio livreiro que se estabeleceu nas ruas de Anápolis foi a Livraria Cultural. Há 24 anos na Rua Barão do Rio Branco, no Setor Central, o estabelecimento nasceu da sociedade entre Adevenir do Carmo e José Eustáquio, que, então moradores de Goiânia, se mudaram para a cidade para dar início à livraria. A loja nunca mudou de endereço, mas diversas vezes expandiu a oferta de mercadorias: “Tivemos que dar uma repensada e ter um plano B a partir do momento em que perdemos a venda de livros para as escolas que adotaram apostilas”, conta Adevenir.
Desde a sua abertura, o comércio nunca se restringiu aos livros – “sempre trabalhamos com discos de vinil e com CDs”, afirmam os co-proprietários. Ainda hoje, parte do espaço é destinado a esses produtos, e a procura pelos LPs ainda é grande. Outro item vendido, mas de forma mais esporádica, são os toca-vinil: “Conseguimos, às vezes, uma vitrola, um toca-vinil, e vendemos bem rápido. O pessoal também tem uma procura muito grande pelos aparelhos.”
Além disso, comercializam HQs, DVDs, bonecos de ação e, mais recentemente, adesivos. Com a pandemia, surgiu uma nova abordagem: a venda online e a entrega de livros por aplicativos, o que potencializou a comunicação pelas redes sociais. Desde 2019, a Livraria Cultural está na internet e pode ser contatada pelo Instagram – além de utilizar a ferramenta do WhatsApp Business (quando o número de um telefone fixo pode ser incorporado ao WhatsApp).
O predomínio dos livros usados em detrimento dos novos
A tendência que se tem observado no mercado livreiro anapolino é a diminuição gradual na comercialização de livros didáticos novos, que representavam uma parcela significativa do lucro das livrarias. Atualmente, no entanto, 50% do estoque de livros da Livraria Cultural já é de seminovos, acreditam os proprietários.
Os números são um reflexo da adoção de apostilas pela rede de ensino particular de Anápolis. Isso porque, a partir de uma parceria direta entre as escolas e as editoras de livros, as obras não chegam às livrarias. Alonso Lopes conta: “Trabalhei com livros novos e escolares durante muitos anos, mas as escolas começaram a vender, surgiram muitas apostilas e isso foi desestimulando. Deixei de trabalhar porque mudam muito e era muito complicado: a margem de lucro é menor, o prejuízo é maior.”
Uma consequência direta dessa mudança foi a diminuição no quadro de funcionários dos comércios. Alonso afirma que houve uma época na qual empregava seis trabalhadores durante todo o ano. Apesar disso, atualmente, apenas ele e a esposa continuam na Livraria Marília.
Já Eduardo Dourado, gerente da Livraria Cultural que trabalha no estabelecimento desde a inauguração, diz que a mudança no fluxo de funcionários foi gradual: “No decorrer dos anos, em cada período foi mudando o itinerário da loja, e também do comércio em geral”. Hoje, quatro pessoas trabalham ali, mas esse número já excedeu 10, com os funcionários temporários durante a época de maior movimento.
Engana-se quem pensa que os únicos afetados foram as livrarias. Sirgilei de Souza, gerente da Papelaria Bom Jesus, explica que os livros didáticos já foram um produto viável, mas que seu rendimento diminuiu conforme aumentaram as dificuldades impostas. Ele destaca alguns aspectos determinantes: o deslocamento constante para transporte dos livros, a dificuldade na troca de envios errados e a pequena margem de lucro.
Frente aos obstáculos, representantes das papelarias anapolinas tentaram, durante alguns anos, promover um encontro com representantes das editoras em Goiânia, mas não obtiveram sucesso. Assim, os livros didáticos deixaram o estoque papeleiro de Anápolis.