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As Tranças Africanas são originárias da Namíbia, situada na África. Na época de sua relevância, eram utilizadas para identificar os grupos presentes dentro das tribos africanas. Assim, cada pessoa utilizava suas tranças de acordo com seus fatores, como: idade, riqueza, poder hierárquico, religião e estado civil.
“As tranças acabam tendo um papel muito importante na resistência negra contra a escravidão. Muitas vezes o cabelo era trançado como um mapa com caminhos para os quilombos, assim como sementes para serem plantadas eram trançadas junto do cabelo para serem levadas aos quilombos.” diz professora de História Joyce Silva, para o site “Em Pauta” da UFPEL.
E complementou: “Dessa forma, a trança acaba tendo um papel importante tanto para a resistência e sobrevivência das nossas negritudes, quanto da nossa gente.”.
Além disso, foram encontrados estudos indicando que as tranças tenham sido vistas pela primeira vez por povos egípcios antigos cerca de 3100 a.c. É possível identificar, através de pinturas e túmulos egípcios, sendo considerado um penteado popular tanto para os homens como para as mulheres da época.
Como as tranças estão em destaque nos dias atuais?
Passando-se de geração em geração, considerada um modo de “maneirar” o volume dos cabelos crespos e cacheados, quem utilizava as tranças sofria preconceitos. Infelizmente, na atualidade, ainda há casos de racismo em decorrência da utilização das mesmas. Como ocorreu com a funcionária do Colégio Militar em Mato Grosso (MT) neste ano, e também, com a estudante que teve suas tranças cortadas por uma colega em sala de aula, alegando que o cabelo da estudante era “ruim”
Mesmo que esse pensamento considerado racista continue presente, ele vem mudando no decorrer das décadas. O penteado tão utilizado vem se tornando um estilo próprio e demonstrando a personalidade da pessoa que utiliza. Tranças Nagô1 e Box Braids2 são as mais utilizadas durante a transição capilar, período em que a pessoa deixa de utilizar alisantes químicos, como selagem e progressiva, para reencontrar suas raízes novamente, através do seu cabelo, deixando-o natural.
Como é dito por Victória Guimarães de 22 anos, a estudante relata que as tranças ajudaram muito em sua autoestima, já que a mesma estava passando por um processo difícil, sendo a transição capilar, uma fase em que a mulher decide voltar ao cabelo natural, ficando mais vulnerável e não se sentindo tão bem consigo mesma:
“Só quem já passou por uma transição capilar sabe do que estou falando, é um processo muito pesado, muito doído, falo de forma mental sabe? Você tem que estar com a mente muito forte para passar e conseguir superar esse processo. É uma fase que a mulher fica mais vulnerável né? Você não se sente tão bonita, as pessoas te perguntam muito o tempo todo, “Desistiu de alisar o cabelo?” “Que que você tá fazendo!” aí essas duas texturas [cacheado e alisado] fica cobrança, querendo ou não os olhares são diferentes.”
Foi nesse período da transição capilar que eu resolvi colocar as tranças e foi a melhor coisa que eu fiz, sabe? Pra eu conseguir suportar o processo que eu estava passando, que pelo menos pra mim foi muito difícil. As tranças, elas me davam um poder! eu me sentia literalmente mais empoderada mesmo, mais bonita. Lembro que eu recebia muitos elogios, as pessoas falavam o quanto isso combinava, principalmente com o meu tom de pele, e o quanto as tranças me deram mais personalidade, que eu tinha ficado muito estilosa com as tranças, e eu ficava muito feliz, é claro que isso me alegrava e me deixava mais confiante, né? Então me ajudaram muito.” diz.
Além de ser uma forma para conseguir passar essa fase, as tranças reforça a existência da cultura negra e destacando a sua importância para a sociedade. Victória diz que vê essa importância “para a menina preta, para a menina negra” e para a nossa sociedade atual, ressalta que em sua visão, as tranças trouxeram a tona uma realidade antiga:
“Nossos antepassados, digamos assim, usavam muito as tranças, então já era da cultura negra usar e tudo mais, por muito tempo isso ficou apagado e voltou à tona atualmente. É uma questão de cultura mesmo, sabe? Eu vejo que as meninas pretas começaram ainda mais a valorizar o seu cabelo, seja ele crespo ou cacheado, e encontrar a possibilidade, assim como no meu caso, de retornar as origens, retornar ao [cabelo] natural, que por muitas vezes a gente alisava por medo de mostrar ao mundo [o cabelo natural] por medo de julgamentos.” completa.
Os influenciadores digitais também entram nessa questão, através deles, a população interessada no assunto recorrem aos vídeos por redes sociais, como no YouTube, Instagram e TikTok para saberem melhor como é o processo da colocação de tranças e a utilização das mesmas. Uma forma dos influenciadores mostrarem suas experiências e influenciar os seus seguidores a utilizar as tranças, tanto para o período de transição como para o dia a dia, melhorando sua autoestima.
Mariana Gomes de 19 anos, também como cliente, relata sua experiência. A jovem diz que as tranças era uma forma de sentir bem com ela mesma, já que não aceitava seu cabelo. Hoje em dia ela se sente bem com ele, tanto natural como trançado. Ademais, as tranças para ela a faz se sentir parte da cultura negra “além de elevar minha autoestima e ser algo “prático” no dia a dia” diz.
A jovem enxerga a importância das tranças tanto na realidade atual como a importância histórica para as pessoas negras, e relata seu posicionamento nessa questão:
“Hoje as a tranças se tornaram uma grande importância, para não deixar a cultura negra acabar e não deixar esquecermos de onde tudo começou e veio.” diz.
O mercado de trabalho é valorizado?
O mercado de trabalho como trancista atualmente é bastante promissor. A profissão de Cabeleireiro Étnico e Trancista está em percurso desde 2009. Abrindo muitas portas para novos profissionais da área e com grande crescimento em empresas e microempresas nesse ramo.
A Trancista Wine Carolina de 32 anos, atua na área a 7 anos formalmente e 10 anos informalmente. Wine relata que iniciou sua carreira nas tranças como se fosse um “hobby”3, considerando um trabalho informal. Havia o costume de fazer tranças em suas amigas na sua própria casa, atualmente são clientes em seu salão. Através do penteado que encontrou seu meio de trabalho, mesmo com os desafios enfrentados, se tornando sua principal fonte de renda:
“Logo quando terminei minha faculdade de pedagogia me vi sem estágio remunerado, sem emprego e pensei: Porque não abrir um salão afro? Foi desafiador! Pois não tinha o capital [dinheiro] necessário, não tinha [formação em] alguns cursos que precisava para outros procedimentos, não tinha todas as ferramentas de trabalho e muito menos a quantidade de clientes “ necessária“. Mas não me arrependo de nada, pois esse começo foi necessário para eu chegar onde cheguei.“
“Eu com muito trabalho [e] planejamento, procuro sempre estar atenta as tendências do mercado e do mundo das tranças. Além da qualidade do trabalho hoje consigo ter uma estabilidade financeira, hoje é minha principal fonte de renda.” relata.
Em maioria, os iniciantes da área começam a carreira de forma autônoma, recorrem a cursos da área para se profissionalizar e começam seus atendimentos a domicílio ou com a criação do seu próprio salão como a trancista. Apesar de ser uma profissão com a opção de conforto em sua própria casa é um trabalho árduo. Considerando que trancistas levam de 6 a 8 horas para concluir o procedimento, trabalhando a maioria do tempo em pé, dependendo do modelo escolhido e do cabelo da cliente.
Wine trabalha em seu próprio salão chamado “Studio Afrika 062”, ela diz que sempre esteve envolvida pela cultura e pela estética negra desde nova. Uma de suas motivações para abrir seu salão afro foi enxergar a necessidade de ter salões e espaços onde as pessoas negras se sentissem representadas. E relata que sente muito orgulho de ser o primeiro salão afro especializado em tranças de Anápolis- GO.
A trancista Kesia também possui seu próprio salão especializado para tranças, chamado “Kesia das Tranças Studio”, localizado em Goiânia GO. Relata que seu início de carreira foi difícil, aprendendo inicialmente a fazer as tranças em casa através de vídeos em canais do Youtube para aprender nela mesma:
“Tive muitos desafios, principalmente esperar dar certo, pela questão financeira.. não tinha experiência com atendimento ao público então foi bem complicado.“
A entrevistada Mariana Gomes como cliente da área, ressalta que, para ela, os trancistas do mercado “traz a cultura por onde passa”, ajudando a elevar e trazer autoestima e autoconfiança. Além disso, percebe que o mercado de trabalho não é tão reconhecido como deveria:
“Infelizmente ainda não é um trabalho tão reconhecido como deveria ser, mas o mercado a cada dia está crescendo.” conclui.
Mesmo com o mercado desvalorizado, em seu posicionamento, Wine percebe o aumento que houve de pessoas trabalhando na área. Enxerga que é importante sim, novas pessoas seguirem essa carreira, traz a percepção da autoestima que as tranças destacam em suas clientes e a importância da história em nossa sociedade:
“É muito importante que novos trancistas entrem no mercado , pois além da parte de não deixar morrer nossa ancestralidade, tem a possibilidade de crescimento e independência financeira, pois é uma profissão totalmente rentável.”
“Com certeza [há uma grande importância para a história], quando você se conecta com a estética negra ela se torna uma autoafirmação da sua negritude, das suas raizes. Percebo que meus clientes ficam muito mais confiantes.”
Kesia em sua fala, há a afirmação com os pontos falados pela Wine. A trancista sente o prazer em trabalhar com a autoestima das pessoas.Afirma que sim, há um crescimento na área como trancista, porém, enxerga a desvalorização deste mercado de trabalho:
“Ver as clientes chegando com vergonha do próprio cabelo, inseguras, tímidas… e saírem felizes, confiantes, não tem preço. E nesse cenário com certeza, as mulheres pretas se destacam, as que realmente conhecem o desafio [de] ser crespa e negra. As tranças tem uma importância gigantesca para as mulheres negras. Trazendo autoestima, autocuidado e apreço pela própria cultura.”
“A desvalorização realmente existe. Ouvir coisas do tipo “é só um trancinha” “ tão caro assim? Mas é só trançar“ são provas do quanto essa desvalorização existe. Mas não deixo que isso me desmotive. Existem mais clientes que valorizam do que os que desvalorizam.”
E continua “Em minha visão, houve sim um aumento nessa área. E a importância é a visibilidade desse trabalho tão lindo e importante para meninas crespas. Ter trancistas acessíveis, disponíveis é muito importante.”
Kesia relata que hoje em dia consegue reduzir suas horas trabalhadas, e assim, conciliar tranquilamente sua vida profissional e pessoal, trabalhando com suas amigas, se tornando menos cansativo.
Além do mais, ressalta, que as tranças hoje em dia é sua principal renda financeira, e que há ajudaram na maioria dos seus gastos;
“Hoje vivo inteiramente do meu trabalho como trancista. É um prazer imenso.” finaliza.
Victória, também como cliente da área, diz que percebe a importância da profissão de trancista para a nossa sociedade, mas que infelizmente por muito tempo elas não tinham espaço, mas atualmente, estão cada vez mais sendo valorizadas:
“Acredito que as trancistas por muito tempo elas não tiveram espaço na sociedade, né? Porque o cabelo liso que era o bonito, o cacheado nunca foi valorizado, principalmente o crespo, né? Meninas com cabelo crespo sofrem ainda mais, na minha opinião. E as trancistas vieram não para anular o cabelo cacheado e crespo, mas sim para mostrar para essas meninas cacheadas e crespas que elas têm uma outra opção, elas têm outras possibilidades também de ficarem tão bonitas quanto o próprio cabelo delas já são. Então acho que é muito importante, que mais e mais pessoas conheçam essa profissão da trancista, apesar de estar sendo mais vista, eu acho que ainda não tem o impacto todo que ela deveria ter, sendo uma profissão que eleva a autoestima de muitas meninas negras.” conclui.
Ademais, de acordo com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), essa profissão está em alta e é de grande vantagem o lucro obtido, sendo que em média o procedimento pode variar entre 150 a mais de mil reais. E como 70% das mulheres negras brasileiras possuem o cabelo cacheado e crespo a valorização da beleza negra vem crescendo gradualmente, tendo a movimentação de 700 bilhões em negócios anuais.
Para quem se interessa pela profissão e gostaria de entrar no mercado de trabalho, a Trancista Wine ressalta conselhos importantes, como:
Não desistir diante das dificuldades;
Persistência;
Estudo e dedicação;
Praticar muito;
Ter controle financeiro;
Ser excelente no atendimento mesmo se for em sua casa , desde a preparação do ambiente para seu cliente;
Estar atento as novidades e inovações do mercado das tranças;
E muita força de vontade.
Além da Wine, Kesia também deixa uma mensagem para aqueles que se interessam em trabalhar na área, para desenvolver sua própria renda financeira:
“ Não existe trabalho melhor que reconstruir [a] autoestima. Não desista do seu início, por mais difícil que seja, são essas experiências que vão te construir como Trancista. Estude muito, pesquise o mercado, treine muito. E boa sorte nessa caminhada”
No negócio atual, além das tranças Box Braids e Tranças Nagô, há existência de Dreads, Entrelace (aplique feito a partir da trança nagô), Gypsy Braids, Goddess Braids, entre outras mais.
- uma técnica de trançado realizada próximo ao couro cabeludo e que pode se estender por todo o comprimento do cabelo ↩︎
- tranças de origem africana e que consistem em trançar o cabelo natural com alguns fios sintéticos até adquirir o comprimento desejado das tranças ↩︎
- atividade exercida exclusivamente como forma de lazer, de distração; passatempo. ↩︎