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No último dia 23 de outubro, o documentário Artigo 28 estreou no ponto de cultura Casa de Vidro em uma sessão especial que reuniu realizadores e convidados. Fruto de uma colaboração entre o Santa Ganja, o coletivo antiproibicionista Mente Sativa e o coletivo Mães de Cannabis, o filme mergulha no debate sobre a legalização das drogas no Brasil e suas repercussões na saúde pública.


O artigo 28 da Lei de Drogas brasileira, sancionada em 2006, transforma o porte de drogas para uso pessoal, incluindo a maconha, em uma infração administrativa, ao invés de crime. No entanto, essa mudança, em vez de representar um avanço significativo, expõe as profundas contradições da legislação. O artigo se situa em um labirinto jurídico, onde o porte de maconha para uso pessoal é simultaneamente despenalizado e criminalizado na prática. Enquanto o texto da lei busca desestigmatizar o consumo, o modelo de repressão estatal do capitalismo brasileiro impõe sanções que funcionam mais como punição a grupos específicos do que como medidas de cuidado ou apoio ao usuário.

Esse paradoxo alimenta um debate intenso sobre a abordagem do Estado em relação às drogas, colocando em foco a necessidade de repensar a saúde pública, os direitos dos usuários e a real eficácia das políticas de repressão. A aplicação desigual da lei revela uma tensão entre a criminalização do uso da maconha e os avanços científicos que demonstram seus potenciais benefícios medicinais. Ao invés de se ajustar a essas novas compreensões, a legislação perpetua uma visão ultrapassada, reforçando ciclos de repressão que atuam diretamente contra a população negra e empobrecida do país.

Essa hesitação em enfrentar a realidade material do uso de drogas perpetua uma violência sistêmica e racista, ao passo que ignora as evidências científicas que contestam a visão tradicional da maconha como uma substância intrinsecamente prejudicial. O artigo 28, assim, se torna um símbolo de uma política pública que parece mais preocupada em manter o controle sobre corpos e subjetividades do que em desenvolver uma abordagem humanizada e informada sobre o consumo de substâncias.

Na contramão da lei, o documentário Artigo 28, dirigido e roteirizado por Milson Santos, 22, aborda de maneira profunda e humanizada as contradições da legislação sobre o uso de drogas no Brasil, especificamente no que se refere à maconha enquanto tratamento para diversos problemas de saúde. Com a colaboração visual de Camila Guimarães, responsável pelo pôster e animações que nos dão um olhar sensível e imagético, o filme investiga as nuances científicas e legais da erva na sociedade brasileira.

O filme constrói uma narrativa provocativa que desafia as concepções arraigadas sobre a criminalização da maconha e, colocando ciência e legislação em diálogo, o documentário ganha uma dimensão profundamente humana ao revelar as dificuldades enfrentadas por famílias e pacientes/usuários em um sistema que oscila entre a repressão e o cuidado.

Dados do Infopen revelam que 29% da população carcerária masculina e alarmantes 64% da população carcerária feminina estão presas sob o pretexto da Lei de Drogas, a qual se configura como a principal responsável pela prisão de milhares de cidadãos no Brasil. Em um contexto onde 68% dos encarcerados são pessoas negras, é impossível não questionar: como essa política pode ser vista como algo além de uma estratégia de repressão com viés categoricamente racista? A persistente criminalização do uso de substâncias, sob a alegação de “proteger” a sociedade, marginaliza comunidades já vulneráveis e também perpetua um ciclo de injustiça que ignora as evidências de uma abordagem mais humanizada e efetiva no tratamento da questão das drogas.

A presença de Fabrício Rosa, policial rodoviário federal e vereador pela cidade de Goiânia, traz uma perspectiva importante ao mostrar o ponto de vista de quem atua no sistema de segurança pública, mas que, ao mesmo tempo, milita por uma visão antipunitivista e em prol dos direitos humanos. Artigo 28 vai além de expor os dilemas legais; ele traz à tona um debate urgente sobre saúde pública, liberdade, justiça social e acessos. O documentário propõe uma reflexão necessária e empática, convidando o público a olhar para além do estigma, para a realidade das pessoas que vivem à margem de uma política pública que ainda falha frequentemente em proteger seus cidadãos.

Artigo 28 é a porta de entrada perfeita para quem não conhece as questões históricas e nuances que existem em torno da maconha. O documentário já está disponível no YouTube e você pode conferir clicando aqui, e explorar as questões provocativas que o filme levanta. Ao entrelaçar narrativas pessoais e dados alarmantes sobre a política de drogas no Brasil, a obra informa ao mesmo tempo que instiga uma reflexão profunda sobre um sistema que perpetua a marginalização e a criminalização de grupos vulnerabilizados. Prepare-se para desafiar suas convicções e embarcar em uma discussão essencial sobre liberdade, justiça, maternidade e os reais efeitos da legislação sobre o uso de substâncias na vida das pessoas.

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