
Fotografa: Marília da Silva
Júlia Barbosa, uma jornalista apaixonada pela comunicação social e defensora dos direitos humanos. Integrante do Coletivo e Laboratórios Integrados em Jornalismo Compartilhado Magnifica Mundi – UFG. Sua trajetória se destaca não apenas pela sua atuação como escritora, editora e diagramadora, mas também pela experiência enriquecedora que teve ao estagiar na Cátedra Sérgio Vieira de Mello, da Agência da ONU para Refugiados (Acnur Brasil).
Atualmente, Júlia é assessora de comunicação na Comissão Pastoral da Terra, onde utiliza suas habilidades para dar voz aos que muitas vezes são silenciados. Nesta entrevista, vamos explorar sua vida acadêmica, as lições aprendidas durante seu estágio e como sua experiência molda sua perspectiva sobre o jornalismo feminino e a importância de representar as vozes das mulheres na mídia. Prepare-se para uma conversa inspiradora que revela os desafios e as conquistas de uma mulher comprometida com a justiça social e a verdade.
Yasmin: Poderia compartilhar um pouco sobre a sua trajetória acadêmica no curso de jornalismo? Quais momentos foram marcantes para você?
Júlia: Ingressei na UFG em 2018. Desde o início, o jornalismo foi um sonho antigo para mim, uma profissão que sempre me encantou, e eu tinha a intenção de me formar para contribuir com as lutas sociais e os movimentos. Dentro do curso, logo conheci a Magnifica Mundi, um Coletivo e Laboratório oficial do curso de Jornalismo. Para mim, esse espaço representa uma luta pela comunicação popular. Desde o início da minha formação, busquei me aproximar desse Coletivo, onde pude me conectar cada vez mais com as lutas das comunidades e dos movimentos sociais.
Os momentos mais marcantes da minha trajetória foram ligados á extensão universitária, que busca levar a universidade além dos muros do Campus e estabelecer um retorno ás nossas comunidades. Acredito que construir uma comunicação que faça sentido nesses contextos é fundamental. Até hoje, continuo contribuindo com o Coletivo Magnifica Mundi, agora como jornalista formada, e sou grata por todo o aprendizado que tive ao longo dessa jornada. Dentro dos movimentos marcantes da minha trajetória, destaco a minha primeira vez que participei de uma transmissão de 24 horas, que acontece anualmente na jornada Magnífica. Foi um momento muito significativo, especialmente porque ocorreu no meu primeiro ano de graduação. Nesse mesmo período, também fiz minha primeira viagem com o Coletivo para uma atividade de extensão, onde participamos de um colóquio no Rio de Janeiro e em São Paulo. Essas experiências foram fundamentais para meu aprendizado.
Yasmin: Na sua opinião, quais são os principais prós e contas de se estudar jornalismo atualmente? Como essas questões influenciam a escolha da profissão?
Júlia: Acredito que os prós da profissão de jornalista são muitos. Para mim, é um ofício encantador especialmente quando se trata de um jornalismo popular, comprometido com o povo. O jornalismo deve estar a serviço da sociedade, e um dos pontos positivos é a capacidade de contribuir para transformações sociais. Além disso, a profissão proporciona a oportunidade de conhecer diversas pessoas, lugares e histórias, o que é realmente fascinante. O jornalismo também nos faz refletir pessoalmente sobre a importância da escuta e do olhar atento.
Por outro lado, os contras incluem o contexto em que estamos inseridos. Muitas vezes, encontramos um jornalismo descomprometido com o povo, servindo apenas os interesses do capital e do mercado, que é o que chamamos de jornalismo hegemónico. Esse cenário dificulta a busca por um espaço profissional onde possamos nos reconhecer e trabalhar em algo em que acreditamos. Uma das minhas preocupações durante a formação era me ver inserida em um ambiente que não valorizasse meu trabalho e crenças. Portanto, um dos principais contras é essa dominação da mídia hegemónica e a dificuldade em encontrar espaços autênticos dentro do jornalismo. É fundamental entender essa realidade e buscar ambientes que realmente façam sentido para nós.
Yasmin: Como foi a sua experiência durante o estágio? Que lições e vivências você considera mais valiosas para a sua trajetória profissional?
Júlia: Durante meu estágio obrigatório na Cátedra Sérgio Vieira de Mello, que atua com populações refugiadas e migrantes, tive uma oportunidade incrível de aprendizado. Essa experiência me permitiu entrar em contato com a luta dessas pessoas, algo que eu não conhecia tão de perto. Aprendi muito, tanto em relação à pratica jornalística quanto à formação política. O estágio foi o espaço de crescimento pessoal e profissional, onde conheci muitas pessoas e ampliei minha percepção sobre as possibilidades do jornalismo.
Foi uma vivência enriquecedora que levarei para toda a minha trajetória. Essa experiência me ensinou a reconhecer que não sabemos tudo, mas que devemos estar abertos a novas realidades. É uma vivência que marcou minha vida.

Cobertura do Festival Internacional de Cinema Ambiental- FICA 2023
Yasmin: De que maneira você acredita que o jornalismo pode contribuir para combater o preconceito e as desigualdades sociais?
Júlia: O jornalismo desempenha um papel fundamental na defesa e conquista de direitos, no combate o preconceito e nas desigualdades sociais. Quando comprometido com o direitos do povo, ele pode contribuir muito com essas lutas, a comunicação em si ela é articuladora social, ela tem essa potência de articular a sociedade e mobilizando pessoas e grupos. A comunicação tem esse poder de construir espaços e oportunidades para que as pessoas conquistem cada vez mais direitos, quando necessário, denuncia injustiças e combate abusos.
Yasmin: Como você define o papel do jornalismo na luta pelos direitos das mulheres?
Júlia: O papel do jornalismo na luta pelos direitos das mulheres é fundamental, acredito que o jornalismo deve ser comprometido com o povo, e as mulheres são também esse povo. Como disse a comunicação atua como importante articuladora social, e a luta pelos direitos das mulheres deve ser organizada, assim como ocorre com outros grupos, como trabalhadores, povos indígenas e negros. Assim, o jornalismo, ao se envolver nessas lutas, torna-se um poderoso instrumento para promover a comunicação e a conquistas desses direitos.
Yasmin: Como você percebe o tratamento dado às mulheres na profissão? E quais desafios específicos você enfrentou como mulher negra no ambiente jornalístico?
Júlia: O tratamento das mulheres no jornalismo reflete a realidade de outras áreas, onde o machismo e a misoginia se manifestam de diversas formas. Ao longo da minha trajetória acadêmica e profissional, enfrentei e enfrento situações machistas que questionaram ou subestimaram meu conhecimento e experiência, muitas vezes devido ao meu gênero e à minha identidade como mulher negra. Por exemplo, ideias e propostas minhas que foram tomadas ali em algum momento como de outra pessoa. Homens nessa tentativa de se aproveitar de um conhecimento duma percepção de que foi proposta ali por uma mulher, e um homem se sentiu à vontade de se apropriar disso. Além disso, no meu trabalho em equipe, que é composto por duas mulheres e um homem, apesar de trabalharmos de forma horizontal e sem hierarquia, as pessoas frequentemente assumem que o homem é quem ocupa posição de poder,como se fosse a pessoa que nos coordenava quando isso não é a realidade. Essa situação é uma realidade completamente machista. Assim, essa situação não é só do jornalismo; como mulheres enfrentamos desafios semelhantes em diversos espaços.
Yasmin: Como você aborda a questão da diversidade entre as mulheres ao selecionar suas pautas?
Júlia: Em relação ao meu trabalho, como você perguntou sobre a seleção das minhas pautas, as mulheres, especialmente as do campo, são cotidianamente parte dessas pautas. Elas não são apenas temas, mas também fontes e especialistas em diversas áreas, trazendo experiências e conhecimento variados. Assim, trabalhar a diversidade entre as mulheres é fundamental no meu trabalho jornalístico. Eu trabalho com o povo do campo, fortalecendo sua luta, anunciando seus protestos, seus direitos e as violências que essas pessoas sofrem. Esse é o meu trabalho diário. Atuo na Pastoral da Terra, onde há mulheres que defendem esses povos. Portanto, a questão da diversidade não é apenas abordada; ela é a base da essência desta comunicação.
Yasmin: Quais temas relacionados às mulheres você acha que ainda são tabus na Mídia e que precisam ser discutidos?
Júlia: Não são apenas tabus, mas muitas das vezes esses temas são tratados de forma superficial ou a partir de uma perspectiva masculina do mundo, quando também interseccionamos a raça, percebemos uma leitura branca e burguesa. Portanto, não se trata apenas de tabus, mas de questões que precisam ser aprofundadas, entendidas, fundamentadas e articuladas para serem levadas à sociedade. É fundamental apresentar novos olhares e novas experiências. Assim, não é apenas uma questão de tabu, mas de potencializar essas narrativas e experiências.
Yasmin: Como suas experiências pessoais como mulher influenciam sua abordagem no jornalismo?
Júlia: Minhas experiências pessoais, especialmente como mulher e negra, influenciam minha abordagem e meu fazer jornalístico. Por mais que este mundo capitalista tente nos fragmentar, é importante lembra que eu, Júlia, sou um ser integral, que trabalha e vive diversas experiências. A Júlia militante é a mesma Júlia da minha pessoalidade e intimidade. Tudo isso influencia meu trabalho. As leituras que tenho do mundo e a forma como eu olho e a forma como olho para as situações são afetadas pelas minhas experiências e pela minha construção pessoal. Como mulher, tenho visões de mundo que são guiadas por esse olhar feminino e feminista. Minhas vivências enquanto mulher negra também moldam meu olhar, meu entendimento e minha percepção do mundo, das coisas e das pessoas. Portanto, meu jornalismo é também influenciado por isso.
Yasmin: Quais mudanças você gostaria de ver na cobertura midiática sobre as questões que afetam as mulheres nos próximos anos?
Júlia: As mudanças que eu gostaria de ver na cobertura midiática sobre questões que afetam as mulheres envolvem a valorização da potencialidade das narrativas, das experiências e dos modos de vida das diversas mulheres. Não se trata apenas de pautas, mas de serem reconhecidas como fontes em suas especialidades. Por exemplo, uma cobertura midiática que convida as mulheres para falarem apenas quando o assunto está relacionado a elas é similar ao que aconteceu com pessoas negras, que são frequentemente chamadas para discutir temas relacionados ao racismo e à sua dor enquanto indivíduos negros, sem considerar suas potencialidades, especialidades e conhecimentos.
Acho que é necessário um aprofundamento nesse aspecto, não apenas no que é pautado ou narrado, mas também em quem fala, quem conta e quem compartilha suas experiências e conhecimentos. Isso é o que eu gostaria de ver: uma mudança na cobertura midiática sobre quem ocupa esse espaço de fala. E não se trata apenas de ser uma referência em um discurso muito limitado e direcionado, que não consegue ouvir as mulheres.
Yasmin: Por fim, Que conselhos você daria para os estudantes que estão começando agora o curso de jornalismo, especialmente aqueles no primeiro período?
Júlia: Conselho que eu daria é de buscar o que a universidade proporciona, porque a universidade realmente é um universo de possibilidades, quando o estudante se prende apenas na matriz curricular ali do seu curso, essa pessoa perde muito do que a universidade tem para oferecer. Então, buscar esses espaços como a extensão, laboratórios, coletivos, iniciação cientifica, o conselho que eu dou é esse. Eu sei que é um contexto que é complicado, principalmente para estudantes trabalhadores e trabalhadoras, como era o meu caso, uma estudante que também trabalhava, mas conseguir, no meio disso tudo, buscar esses espaços é muito importante para o pertencimento, porque entrar nesse espaço, que é a universidade, num curso sonhado como jornalismo é muito bom, mas se manter ali, você também tem que acreditar naquilo, você tem que encantar diariamente por aquilo, então buscar esse encantamento também com o que a universidade proporciona.