Yanca Cristina, jornalista formada pela Universidade Federal de Goiás (UFG), atualmente atua como repórter na redação do G1, um dos portais mais lidos do estado. A jornalista conta mais sobre sua história de vida e como utiliza sua profissão para dar voz e apoio às pessoas pretas, quilombolas, povos ciganos, entre outras. Através de seu trabalho como gestora de comunicação na Coletiva Preta e fazendo parte de um projeto, juntamente com a UFG, promovido pelo Ministério da Igualdade Racial.
Você poderia começar contando o início da sua trajetória com o Jornalismo, como você decidiu escolher esse curso para seguir carreira?
Sendo sincera, eu nunca sonhei em cursar jornalismo. Acho que o jornalismo foi uma paixão, que floresceu aos poucos para mim. Porque, conforme eu fui crescendo, fui percebendo uma paixão muito grande pela escrita e pela leitura. E acho que esses dois amores que eu desenvolvi foi o que me levou ao jornalismo. Então, ali quando eu estava no terceiro ano do ensino médio, mais ou menos, eu fiquei um pouco pendente entre o jornalismo e a publicidade. Porque eu sabia que seria na área da comunicação, mas ainda estava na dúvida entre esses dois cursos. Eu poderia facilmente fazer qualquer um dos dois, mas acabei optando pelo jornalismo. Acho que me enxerguei muito no jornalismo, por sempre querer contar histórias, algo que marcou muito a minha trajetória e a minha decisão pelo curso. E penso que essa escolha foi um acerto muito grande, porque eu realmente me encontrei durante os quatro anos. E esse amor só floresceu ainda mais durante esse período da graduação, que foi quando eu realmente conheci o jornalismo e entendi o que é ser jornalista e o que aquilo significava. Ali entendi como seria a minha atuação, de que forma eu poderia atuar, como eu poderia impactar na vida das pessoas e fazer mudanças através da profissão. Porque é isso que eu enxergo, é isso que eu acredito. De que forma a minha atuação pode impactar a vida de outras pessoas, dar uma resposta que elas estão procurando? Então, eu acho que é esse o especial do jornalismo e é isso que me encanta na profissão.
Atualmente, qual é a sua principal área de atuação? O que você faz hoje é aquilo que desejava desde o início da sua carreira?
Hoje eu trabalho como repórter na redação do G1 Goiás, na área digital do Grupo Jaime Câmara. Desde que eu entrei no curso, eu sempre tive esse desejo de trabalhar com o Grupo Jaime Câmara. Então, estar onde eu estou hoje é uma realização de um desejo pessoal e profissional. Além de trabalhar como repórter, também faço alguns trabalhos paralelos, como gestora de comunicação na Coletiva Preta, que é um ponto de cultura de mulheres negras voltadas para o empreendedorismo, no qual a gente incentiva projetos de empreendedorismo de mulheres negras, que tem como foco a sustentabilidade, o trabalho digno e etc. Além disso, atualmente eu também estou fazendo parte de um projeto com a UFG, promovido pelo Ministério da Igualdade Racial, que tem como objetivo oferecer formação para gestores públicos através da ENAP (Organização de Administração Pública). Essas formações são para que esses gestores possam criar políticas públicas para quilombolas, povos ciganos, de terreiro, de matriz africana. Assim, o meu trabalho nesse projeto, atualmente, é desenvolver uma revista, a qual vai ser o produto final, que a gente vai entregar para o Ministério da Igualdade Racial. Temos desenvolvido algumas atuações como visitas de campo. Já fizemos visitas para um quilombo que fica em Piracanjuba, também visitamos os acampamentos ciganos em Itumbiara. Então, a gente tem realizado essas oficinas, ido até essas pessoas e conhecido a sua realidade, para que possamos levar essas demandas até os gestores públicos, para que mudanças sejam efetivamente feitas na vida dessas pessoas.
Nós sabemos que atualmente a área do jornalismo não é tão valorizada quanto deveria e acredito que como você trabalha em vários projetos, já deve ter passado por algumas dificuldades no meio. Quais foram os maiores desafios que você enfrentou para chegar onde chegou hoje profissionalmente?
O jornalismo é uma área em que existem oportunidades, mas que não são de forma igual para todos. Por exemplo, tem algumas oportunidades de trabalho que são com uma carga horário muito grande e com um salário que não condiz. Eu ainda não passei por nenhuma experiência negativa nesse sentido, de trabalhar a mais do que eu recebia, até porque eu me formei no ano passado, então tive a sorte de ter experiências profissionais muito positivas. Mas acho que a maior dificuldade é a de você ter o seu trabalho sendo reconhecido, a gente só consegue isso quando mostramos que o nosso trabalho não é igual. Porque, por exemplo, hoje em dia a gente tem um jornalismo, chamado Hard News, que são as notícias em massa, então, x coisas acontecem e vários portais vão contar a mesma versão daquela história. Acho que o maior desafio atualmente é se destacar no meio de tantas notícias que estão circulando ao mesmo tempo. Hoje em dia as pessoas não querem parar para ler um texto inteiro ou se inteirar completamente daquela história. Elas vão ler a manchete, vão ler o título que está ali, vão ver uma publicação no Instagram. Então, como que você atrai esse leitor para o seu texto? Eu falo isso da minha posição como como repórter. Como que eu faço essas pessoas irem para o meu texto, de fato lerem o que eu tô escrevendo? Hoje em dia, temos que competir com a inteligência artificial, que vai acabar fabricando alguns desses textos. Então, eu acho que o maior desafio hoje do jornalista, além do mercado de trabalho, que vai oferecer essas oportunidades que não são tão atraentes, é essa quantidade massiva de notícias que a gente tem o tempo todo. E o papel do jornalista nesse caso é oferecer a melhor notícia possível.
Como foi o processo de sair da faculdade e entrar no mercado de trabalho?
Então, eu terminei a faculdade em setembro de 2024, e em novembro fui contratada no G1, então assim que me formei já iniciei nessa experiência profissional. Antes disso, eu já tinha trabalhado em alguns outros lugares, mas não era contratada como jornalista, efetivamente. Eu era estagiária, que foi quando tive a experiência de trabalhar com o professor Ranie. Primeiro eu trabalhei na assessoria da UFG, e depois eu trabalhei na assessoria do CEAR (Centro Integrado de Aprendizagem em Rede). Então, todas essas experiências que eu havia tido anteriormente eram em assessoria de imprensa e eu sentia que eu já tinha aprendido o que eu precisava, queria algo novo, uma oportunidade que pudesse me desafiar, que pudesse aprender coisas novas, e eu acho que casou perfeitamente com o trabalho que eu tenho atualmente na redação do G1, porque são mundos completamente diferentes. Agora que trabalhando na redação, todo dia é uma coisa diferente. Você não pode se deixar afetar por nada do que acontece, você precisa escrever com agilidade, ter as informações corretas e ouvir as pessoas certas . Acho que isso é o mais difícil, precisar saber quais fontes ouvir, porque a sua pauta só vai ser publicada se você tiver fontes suficientes e verídicas. E quando a gente está falando de escrever para uma plataforma como a Globo, muitas pessoas acessam aquele material que você produziu, então é um compromisso muito grande com o seu texto. Porque por mais que o repórter não queira errar, a gente acaba errando às vezes, é muito difícil fugir do erro, ainda mais quando a gente está pensando em um trabalho diário e factual. Esse é o trabalho do jornalista que trabalha em redação, é estar sempre atento, isso eu falo de um ponto de vista de um jornalista que escreve para cidades.
Você pode contar alguma experiência que foi marcante para você, seja boa ou ruim, durante a sua carreira?
Eu acho que uma experiência que está mais fresca na minha memória é de um caso que eu cobri de uma jovem de 24 anos que desapareceu em Posse e eu acompanhei esse caso desde o início. A primeira notícia que a gente deu no G1 sobre esse caso, foi eu quem escrevi. Inicialmente, chegou uma versão da história de que essa mulher tinha sido vista pela última vez dentro de casa pelo marido, ele contou essa versão para a família e também para a polícia. O nome dessa mulher que desapareceu é Vanessa Soares. Quando a gente vai falar com uma fonte, ainda mais nesses casos de desaparecimento, temos que ter uma sensibilidade ainda maior, porque você vai estar falando diretamente com a família daquela pessoa, que está desesperada e vulnerável, ela não tem informações de alguém que é importante para ela. Então, você tem que ter a sensibilidade de saber como eu vou abordar essa pessoa, mostrar empatia com aquela família, para depois você entrar, de fato, no que você quer saber. A Vanessa ficou desaparecida por duas semanas, e durante esse tempo, fizemos várias notícias sobre esse caso. E aí, pouco antes de completar essas duas semanas, o marido dela foi preso. Desde a primeira notícia que a gente deu sobre esse caso, tinham muitos comentários do pessoal falando “pode investigar o marido, com certeza foi ele”, etc. Só que, como jornalistas, temos que ter muito cuidado com isso, porque não podemos acusar as pessoas sem ter prova, fomos muito cuidadosos em não apontar um culpado. Enfim, o marido dela foi preso, porque ele tinha sido a última pessoa a vê-la, e até então, as investigações da polícia apontavam pra ele, porque não havia nenhum outro suspeito, nenhuma pessoa que tinha visto a Vanessa. E acho que uns três dias depois, o corpo da Vanessa é encontrado, ele aponta onde estava o corpo dela, numa região de mata, numa cidade próxima. Eu lembro que eu fiquei abalada, porque eu acompanhei o caso de perto, eu estava falando com o irmão dela quase todos os dias, e ele muito esperançoso me disse “Eu não vou descansar enquanto eu não encontrar a minha irmã, não importa do jeito que seja”. Então, era tipo umas onze horas da noite, e o irmão dela me mandou mensagem falando que o corpo dela tinha sido encontrado. E ao mesmo tempo que eu fiquei abalada com a notícia, me senti em uma posição em que essa família confiava em mim pra eles estarem me passando essa informação, nesse momento tão difícil. Assim, eu percebi que quando a gente acompanha esses casos de perto, a gente também se envolve na história. Então, foi um caso em que eu me envolvi, que durou um certo tempo, em que eu escrevi a maioria das notícias, em que me senti muito tocada com a história da Vanessa e com a família dela. Acho que seria difícil que eu não me sentir abalada.
Por fim, que conselho você daria para as pessoas que estão começando na área do Jornalismo?
Eu acho que, para quem está começando, a pessoa tem que estar muito aberta a aprender, porque no início a gente fica inseguro, é normal, por você estar em um ambiente novo. Então, acho que o medo de errar acaba travando muito a gente, mas como eu disse antes, o jornalista está suscetível ao erro. E a gente também precisa entender que só nos tornamos um bom jornalista quando aprendemos a escutar acima de tudo. Porque a gente precisa escutar as fontes, um colega do lado, um professor, etc. Eu acho que esse é um dos maiores conselhos que eu poderia dar, não ter medo de aprender, de errar e de questionar. Eu acho que questionar é a raiz da nossa profissão. No início, isso pode acabar travando algumas pessoas, mas você tem que dar a cara a tapa mesmo. Se precisar ligar pra falar, liga, se precisar ir lá, vai, corre atrás da informação, porque nem sempre a informação vai vir até você, e você precisa ir até ela. E aí, cabe a você lidar com isso da melhor forma possível. Sempre procurar aprender, escutar as pessoas que já estão ali, que já têm experiência. Então, quando você chega, por exemplo, eu agora cheguei em uma redação de um dos portais mais lidos do estado, você precisa ouvir as outras pessoas que já estão ali, outras pessoas que já fazem aquilo há mais tempo que você. Porque é só assim que você vai poder aprender, é só assim que você vai poder evoluir. E, quem sabe, fazer o mesmo trabalho que elas fazem, ou até melhor.