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Isabella Lima, formada em Jornalismo pela Universidade Federal de Goiás, é repórter na TV UFG, fotógrafa e co-fundadora do Jornal Ampulheta. Em entrevista ao Lab Notícias, Isabella compartilha sua trajetória profissional, as dificuldades de ser uma mulher no jornalismo, o impacto das fakenews em seu trabalho e as experiências emocionantes que a fizeram ter certeza de sua escolha.

Fonte: redes sociais da entrevistada

Diante de tantas possibilidades de curso, o que te levou a escolher o jornalismo?

Muitas pessoas falam que nasceram com o dom, nasceram com aquela vocação, já sabiam o curso desde muito criança, sempre quiseram ser jornalistas. Quando escolhi meu curso, não foi isso sabe? Não tinha uma vocação, não tinha um curso que eu queria. No terceiro ano do ensino médio foi quando eu escolhi o que eu queria fazer e foi mais por exclusão, eu não queria fazer medicina, curso na área de exatas e biológicas. E eu era muito boa em humanas, gostava muito de ler e da comunicação, apesar de ser muito tímida, eu era uma pessoa falante quando eu gostava da pessoa ou criava intimidade com ela. Certo dia, meu pai virou e disse: “Você tem perfil para jornalista, nem precisa aparecer se você não quiser, você pode escrever, ficar nos bastidores e ele te dá oportunidades para fazer outras coisas também, como um concurso, trabalhar em órgão público, na comunicação, assessoria de imprensa”.
Quando eu escolhi o jornalismo, foi pensando nisso, na exclusão do que eu não queria fazer e no que eu me encaixava, com a proposta na minha cabeça de, “eu faço dois anos e se eu ver que não era o que eu queria, se não gostar, então mudaria depois desse tempo”. Só que assim que eu entrei no curso, depois de duas semanas de aula, veio a pandemia. Fiquei seis meses em casa, as aulas voltaram no final de 2020 e eu estava muito em crise. Eu não sabia se era jornalismo, estava tendo todo o contexto de pandemia, problemas psicológicos, reclusão, ficar em casa. Mas eu entrei para a rádio, eu comecei a participar do projeto Matéria Prima e eu falo que foi ali que eu percebi que realmente queria fazer jornalismo, eu gostava do jornalismo. Porque foi uma experiência prática da minha profissão, no início do meu curso ali no primeiro período e foi uma experiência de colocar em prática o que eu estava aprendendo na faculdade. Mesmo que a distância, foi um trabalho bem manual, um trabalho exploratório, a gente estava descobrindo como fazer rádio à distância. Nós fizemos a cobertura das eleições de 2020, fizemos debate com os candidatos á prefeitura e entrevistas com vários candidatos que aceitaram conversar conosco. Eu me tornei a monitora do projeto, no primeiro período mesmo e nesse tempo pensei: “realmente, é o jornalismo. Mesmo que não seja tudo o que eu sonhei, é o que eu quero fazer. Eu tenho talento para isso e só preciso ir com paciência, com calma, que vai dar certo no final”.

Qual foi a experiência mais marcante na sua vida profissional?

Dentro do curso, foi realmente participar dos laboratórios da rádio, foi onde eu descobri que eu gostava de ser jornalista, tinha talento pra isso e era algo que me agradava. Então, eu participei da rádio universitária no Matéria-Prima durante o primeiro semestre, continuei por mais dois anos, saí um tempo e voltei ainda como monitora. Foi uma experiência muito enriquecedora, porque a gente pensa que o rádio é um veículo já morto. Quando a gente vem pro jornalismo, a maioria pensa em TV, assessoria, online, escrever, mas quase ninguém vem pensando em rádio. E participar da rádio me mostrou que, sim, ainda é uma área da comunicação, uma área de jornalismo que está ativa, que é muito importante e é muito legal fazer, já que você tem que conversar com o seu público, falar com quem está te ouvindo, passar informação e ao mesmo tempo manter eles interessados no que você está dizendo. Então assim, além de ser interessante é um desafio para o seu público profissional, como você vai passar a sua informação, o seu conteúdo, mas para a pessoa, então você não pensa de forma técnica, você pensa em quem você está falando. Então é um desafio muito interessante para quem é jornalista, porque você aprende a melhorar o seu texto, tornar a informação mais clara, escrever pensando na pessoa e não de forma técnica. Porque assim, a técnica é importante no jornalismo, mas é muito mais importante você saber quem é o seu público, com quem você está falando, porque é para isso que você faz jornalismo, para informar as pessoas, não é só para ter técnica.
Fora do jornalismo, em 2024, no último semestre da faculdade, já tinha terminado a maioria das matérias e fui contratada pela TVUFG, onde eu fiz meu estágio e assim que eu voltei como contratada, que eu já tinha feito o estágio ali, eles me deram a produção de um projeto. Que é um documentário para a TV Brasil, um concurso que teve entre todas as filiais da TV Brasil, foram mais de 30 emissoras competindo, 13 emissoras passaram e a gente conseguiu passar um roteiro pela TVUFG. O tema era “cidades turísticas fora do convencional” e a gente fez sobre Niquelândia, uma cidade aqui de Goiás, que é totalmente fora do convencional. Quando eles me falaram isso, eu não conhecia Niquelândia, eu não sabia onde ficava Niquelândia ou o que faziam lá. E assim, foi a melhor experiência que eu tive profissionalmente, nesse quase um ano como profissional, como formada. Porque é um projeto muito grande, é um documentário, a gente teve que ir para a cidade, eu fiz a produção de todo o conteúdo, eu tive que entender o roteiro, entender a história da cidade, eu conversei com dezenas de moradores, fazendo toda a produção aqui em Goiânia para chegar lá com o roteiro já pronto, o que a gente faria em cada dia, quem seriam os entrevistados, sobre o que a gente falaria com cada entrevistado. Então foi assim, realmente colocar em prática tudo o que eu aprendi durante o curso, e fazer isso na prática, eu fui para a cidade, a gente ficou lá uma semana mais ou menos. Na primeira viagem, eu conheci as pessoas e tem todo aquele jogo de cintura de conversar com a pessoa, pedir entrevista, explicar o conteúdo, explicar porque é importante, e entrevistar as pessoas, conseguir extrair delas, pessoas tímidas que nunca deram entrevista na vida, que não estão familiarizadas com a câmera, que são mais fechadas, conseguir com essas pessoas o que a gente precisava para o documentário. Ele está quase finalizado, vai ser lançado esse ano, porque é um trabalho muito complexo, nós fizemos em uma equipe de 4 pessoas. E está lindo! É meu xodó, o trabalho que faz meus olhos brilharem e que me fez refletir: “nossa o jornalismo é lindo. Eu quero fazer isso aqui mais vezes”.

O que te inspira a continuar na profissão mesmo com a baixa confiança da população na mídia tradicional?


É muito complicado, porque mesmo eu trabalhando em uma TV pequena, uma TV universitária, as pessoas têm muita desconfiança, mesmo quando a gente fala que é TV da Universidade Federal de Goiás. Elas têm muita desconfiança e quase uma antipatia pela televisão, pelo jornalismo e pelo jornalista. Casos de ficarem gritando na rua ofensas para nós jornalistas, principalmente em 2022, 2023, já aconteceu também de eu ir para as ruas tentar entrevistar as pessoas, fazer um “Povo Fala” e uma delas dizer: “você é lulista! você é petista!”, é complicado. Mas o que me inspira a continuar, eu acho que é quando eu vejo o resultado do meu trabalho. Porque apesar de ter muitas pessoas que estão criando essa aversão, que estão criando essa desconfiança, quando eu vejo uma pessoa que fala, “nossa, eu te vi”, “eu vi o seu programa”, “ah, o conteúdo de vocês, eu assisto, meu filho adora assistir”, isso dá um quentinho no coração. Se tem pelo menos uma pessoa que realmente gosta, que acompanha, que acha aquilo importante, já dá um ânimo, sabe?. Não é o que a gente queria, porque a gente queria realmente que mais pessoas acompanhassem, vissem a importância desse trabalho, mas é aquilo, uma pessoa já vale muito. Inspira também ver o estado do seu trabalho, ver que você está levando a informação para as pessoas. E onde eu trabalho, eu acho que também contribui muito para isso, porque a gente não tem tanto alcance quanto uma emissora comercial, só que a gente é uma emissora que foca na acessibilidade, tem a tradução para libras, em todos os nossos conteúdos tem libras, a gente tenta também fazer a nossa autodescrição para as pessoas cegas, de baixa visão e também no próximo ano vai ter o Closed Captioning, que é a legenda embaixo de todo o conteúdo. Então pensar que estamos focando nisso, estamos tentando ser acessível, tentando levar a informação para todos os públicos, todas as pessoas, saber disso e ver como isso acontece. Já entrevistei um casal de pessoas surdas e eles falaram que realmente acompanham, que veem o conteúdo que a gente transmite, porque é o único que tem libras e eles conseguem se atualizar por esse conteúdo. Então, acho que isso me deixa motivada, me inspira a continuar. É um passinho de cada vez, uma pessoa por vez.

Para você, quais são as dificuldades que uma mulher enfrenta para se firmar e ser respeitada no jornalismo, uma área predominantemente masculina?


Existe ainda muito machismo na área. Ao ir para a rua, nós temos que gravar muito conteúdo na rua, sempre tem aquele engraçadinho no carro, na moto que passa, gritando alguma gracinha, assobiando, sendo que você está ali trabalhando, não para outra coisa. Sempre tem isso na rua, mas também dentro do trabalho, você vai para uma entrevista e não é tão levada a sério, dá para ver o tratamento que eles dispensam para um jornalista homem e o que eles te dão. Não é tão escancarado, é sempre nas entre linhas, como: “a menininha ali vai querer entrevistar” ou “a mocinha”. Isso, “mocinha”, “menininha” eu estou ali como profissional, não é legal, enquanto para o jornalista homem eles falam: “o jornalista”, “o repórter da TV tal, está ali”. Também tem aqueles elogios dos entrevistados: “ah, mas é porque você é bonita, que você aparece, né”, descaracterizando todo o trabalho que eu tive, o estudo que estava ali por trás, o tempo me preparando para isso. “Você é muito bonita né, por isso que você aparece”, “a menininha”, “a moça”, sempre velado mas sempre ali presente. Nunca sofri nada escancarado, mas pequenas palavras usadas, frases, que você só ri, porque você não pode enfrentar a pessoa, e tem que manter as aparências , então sorri e fala “prazer”, “é realmente” e segue a vida, porque é isso.

Quais são os pontos positivos e negativos que você observou até agora desde a criação do seu jornal independente, o Ampulheta?


O Ampulheta é um projeto que eu e mais duas jornalistas começamos a pensar ano passado e foi realmente sair do papel esse ano, é um projeto que temos pensado muito, tem muita coisa que queremos fazer, mas que ainda não está onde gostaríamos, ele ainda é uma criança, um neném, aprendendo a andar.
Os pontos positivos são: ter liberdade para escolher as suas pautas, falar sobre o que você quer e poder fugir um pouquinho, tentar trazer pautas que não se vê tanto nas mídias tradicionais. Ele foi criado com o objetivo de ser um jornal que produz conteúdo jornalístico nas redes sociais, a maioria da população atualmente, seja jovem ou adulto, se informa por elas, seja TikTok, Twitter ou Instagram. Lá tem uma circulação muito grande de informação, mas também uma circulação muito grande de fake news e desinformação, porque apesar de ter muitas notícias sendo produzidas, temos poucos jornalistas que fazem conteúdo para as mídias. Agora os grandes jornais estão começando a fazer essa produção de conteúdo, mas está muito inicial ainda, além de ser poucos jornais que têm essa capacidade pessoal, de preparação da equipe para produzir para as redes. O que vemos muito também é tentar adaptar conteúdo de texto, TV para as redes sociais, mas não dá certo, porque a linguagem que usamos em uma televisão ou em um jornal online não é a mesma. Então pelos conteúdos feitos para as redes sociais ainda serem poucos jornalistas que fazem, criamos o nosso para isso! Para tentar, principalmente aqui, um jornal voltado para o regional, mitigar e combater as fake news e a desinformação, tentar levar a informação de qualidade com fonte, com referência para as redes sociais e nos tornarmos referência nisso. A gente está muito no início, está ainda começando. Um ponto negativo é justamente porque é um projeto independente, não temos dinheiro, a gente não tem equipamento, e a gente tenta fazer o que dá no tempo livre, porque somos três meninas, totalmente feminino, a gente trabalha, a gente precisa nos sustentar, precisamos de dinheiro. Então, assim, a gente faz quando dá, no tempo livre, e tentando sempre procurar um tempinho. Realmente o ponto positivo é o alcance que a gente tem nas redes sociais, poder escolher nossas pautas, poder ter essa liberdade que a gente não tem em veículos tradicionais. Todo veículo, todo veículo tradicional, veículo de comunicação, tem as suas diretrizes, as suas pautas, o que pode e o que não pode ser dito, independente qual seja a emissora, qual seja o jornal. E lá a gente está criando isso, criando do nosso jeito, então não está pronto, a gente pode mexer nisso, a gente pode modificar e colocar como vemos que dá certo, como queremos que seja. De negativo é isso e a linguagem utilizada lá, estamos aprendendo ainda por ser diferente do que a gente se aprende no curso, que é muito mais voltado para as mídias tradicionais. Pelo menos até eu terminar o curso não tinha disciplinas voltadas para o digital, produção de vídeos e tudo mais. E também por sermos independente, não tem um respaldo jurídico, não temos uma equipe de advogados ali para qualquer inconveniência, estamos muito vulneráveis e expostas ao público, as redes sociais não são fáceis. Então, assim, qualquer coisa que a gente falar, temos que tomar muito cuidado também para não sofrer ataques, porque nós somos mulheres, jornalistas e ainda por cima jornalistas independentes. Então é assim, ao mesmo tempo que você tem liberdade, você também está muito exposta nas redes.

Você é uma inspiração para as novas jornalistas, que conselho gostaria de deixar a elas?


Para as novas jornalistas, eu acho que vou dar uns conselhos que eu gostaria de ter ouvido também quando eu estava iniciando o curso ou quando eu estava no curso. Primeiramente, na universidade, aproveite tudo que a UFG tem para te oferecer. Participe de projetos de extensão, faça pesquisa, faça iniciação científica, faça tudo o que for possível. Realmente aproveite esses anos iniciais. Se você tiver condições, se tiver a possibilidade, se dedique pelo menos os dois primeiros anos a realmente ser uma universitária, aproveitar esse momento, fazer pesquisa, fazer iniciação, viajar para o Congresso, fazer tudo o que der para fazer. E depois, quando você começar os seus estágios, foque em diversificar o seu currículo. Se você já tem uma área específica que é aquela que você quer, o seu sonho, ok, foque nela. Mas se você ainda está descobrindo o jornalismo, aproveite porque tem várias experiências, seja um estágio em TV, jornal, escrita online, podcast, faça tudo o que der para fazer no estágio, tenha várias experiências, porque isso vai te ajudar a escolher o que você quer e também te tornar mais preparado para o mercado, porque apesar de quando você for contratado, você vai ser contratado para fazer uma coisa, a experiência em outras áreas é sempre muito bem vinda, porque é isso, a realidade do jornalismo atualmente é essa, querem que você faça de tudo, saiba tudo, multifunções. Enfim, aproveite muito a universidade! O jornalismo é difícil, você vai ouvir muito isso dos seus veteranos, que já estão mais desanimados, das pessoas que estão no mercado de trabalho, vão te falar muitas coisas, mas calma, é também uma profissão muito bonita, uma profissão muito linda, e que vai te dar futuro. Então não perca a fé no jornalismo, seja realista, porque você não vive só de sonho, mas não perca a fé, que o seu trabalho faz a diferença, que o que você produz, outra pessoa vai estar ali vendo o seu conteúdo, então que você faz a diferença, sabe? Você não vai ser um morto de fome desempregado, calma, que vai dar certo no futuro, e é um trabalho muito importante, que realmente precisa ser feito e ser feito com amor e com ética, apesar de a gente pensar em dinheiro, a gente também tem que ter amor àquilo que a gente faz e ter ética, nem tudo é por dinheiro. Eu acho que é isso, meus conselhos para os futuros jornalistas, aproveitem, façam o que deve ser feito, mas também não se cobrem tanto, porque nenhum grande jornalista chegou onde esta do dia pra noite, então tenha calma, porque o processo é bem difícil, a caminhada é longa, vá com calma, confie no seu processo, confie no seu trabalho, que você vai conseguir chegar onde você quer chegar.

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