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Gameleira no cruzamento da Av. Araguaia com a Av. Contorno, em processo de remoção pela Comurg. 07 de maio de 2025. Foto: Isis Borges.
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No cruzamento das movimentadas avenidas Araguaia e Contorno, no coração de Goiânia, a sombra frondosa de uma gameleira centenária agora é apenas uma lembrança para quem a cruzava todos os dias. A árvore, da espécie Ficus doliaria, que resistia desde antes mesmo da fundação da cidade, teve sua vivência longeva interrompida após um incêndio no início de outubro de 2024, que consumiu parte de seu miolo e fragilizou a estrutura ao ponto de criar um risco iminente de queda. Por essa razão, a Agência Municipal do Meio Ambiente (AMMA) autorizou a remoção do espécime histórico, citando a necessidade de preservar a segurança da população.
A decisão provocou tristeza e inquietação nos moradores da capital, muitos dos quais, tão habituados com a existência da gameleira, sequer notavam de modo consciente a árvore imponente até saberem que iriam perdê-la de forma definitiva. Desde 2015, o exemplar arbóreo contava com a proteção da Lei nº 9.566, que reconhecia seu valor memorial e ambiental. Contudo, o incêndio abalou essa segurança. Para a AMMA, não houve solução viável para salvar o que restou da árvore, que enfim teve seu processo de remoção iniciado pela Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg) no final deste último mês, em abril de 2025.
PAISAGEM
Para alguns, o impacto não se mede apenas em questões técnicas ou ambientais, mas no valor sentimental. “Vai ser um baque”, comenta Moacir de Oliveira Assunção Júnior, de 60 anos, sobre a remoção da gameleira. Moacir é proprietário, há 32 anos, do sebo Hocus Pocus, localizado na avenida Araguaia, a alguns metros de distância das raízes do exemplar da ficus doliaria. “Você passar e não ver ela, é como se tivesse cortado um pedacinho da história”, afirma Moacir, destacando a questão afetiva de quem cresceu sob a sombra fresca da gameleira e as saudades que a mudança de paisagem vai deixar.
“Quando há um monumento ou uma árvore como essa, você não repara. Porque já faz parte da paisagem”, é o que diz o livreiro Paulo César de Oliveira Assunção, de 59 anos, irmão mais novo de Moacir e proprietário de outro segmento da Hocus Pocus, uma livraria na esquina da Araguaia. Assim como o irmão, Paulo César possui memórias com a árvore desde a sua infância, devido ao fato de ambos terem crescido no Criméia Leste, um bairro próximo ao centro, e manterem seus respectivos comércios nas imediações da gameleira há mais de três décadas.
“Fiquei muito sentido quando botaram fogo nela, porque ao mesmo tempo que eu parecia não repará-la, eu senti que tudo que está aqui hoje, amanhã pode não estar mais”, reflete Paulo César, que possui memórias com a árvore desde que era um menino e estudava no Lyceu de Goiânia, também no centro da cidade, e passava pela gameleira diariamente para ir e voltar para casa. Isso o leva a concluir seu raciocínio com certa melancolia na voz: “Então é preciso admirar, preservar as coisas pelas quais passamos sem perceber”.
INVESTIGAÇÃO
A Delegacia Estadual de Meio Ambiente (DEMA) iniciou uma investigação em outubro do ano passado para entender a origem do incêndio. Existiam suspeitas de que o fogo tenha sido criminoso, o que, se fosse comprovado, resultaria em sanções pesadas, incluindo multas que podem variar conforme a gravidade do dano. Até o momento, o inquérito permanece em andamento.
Em nota enviada para esta reportagem, a AMMA informou que, após a retirada da árvore, pretende dar continuidade a ações preventivas para evitar danos a outras árvores tombadas e ressaltou a importância de um processo específico para a poda e retirada de árvores na cidade.
Mas para além da investigação e das punições legais, resta o sentimento de vazio. A gameleira fazia parte do dia a dia de Goiânia e já era ponto de referência. “Todos vão sentir essa falta. Quem mora, quem trabalha, quem passa e sabe que ela estava ali, quietinha, resistindo ao tempo”, lamenta Reginaldo Silva, motorista de aplicativo que cruzava o trajeto várias vezes ao dia.
MEMÓRIA
Para quem vive e trabalha nas proximidades, a perda é também uma ruptura com o passado. Muitos se perguntam como ficará o vazio que agora restará ali, numa região que, mesmo com um parque nas proximidades, sente cotidianamente o impacto do trânsito intenso, do concreto e da ausência de verde na parte central da capital. “Sempre retiram as árvores, mas não as plantam de volta”, queixa-se Paulo César, ao lembrar-se da remoção de outras árvores por ali no passado, também devido ao risco de queda e acidentes.
Mas agora, com a remoção da gameleira, as memórias e histórias que por tanto tempo foram testemunhadas por suas raízes correm o risco de desvanecer. “Há muito essa questão de relembrar, como por exemplo ter passado com a namorada aqui por perto, ou com a minha família, tudo sob a sombra imensa dessa árvore”, rememora Moacir, também evidenciando, com um tom nostálgico, como pássaros sempre buscaram refúgio na copa alta e frondejante.
Assim, com o adeus à velha gameleira, o que resta, aos goianienses, é o dever de se manterem vigilantes em relação à preservação do verde urbano e de celebrar as vidas que se entrelaçaram sob seus galhos repletos de folhas, garantindo que futuras gerações saibam o valor do que se perdeu e a importância de se manter o que restou.