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Fernando Henrique Cardoso, Luíz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Desde que a reeleição foi instituída em 1997, todos os presidentes que tentaram reeleição foram reconduzidos ao cargo. Porém, dia 30 de outubro de 2022, o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro entrou para a história do país como o primeiro presidente que não conseguiu se reeleger.
Com a disputa para o cargo de Chefe de Estado do Brasil mais “apertada” da história do país, Lula venceu a corrida presidencial com 50,9% dos votos, ante os 49,1% de Bolsonaro. Ainda, Bolsonaro ficou atrás do atual presidente até mesmo nas pesquisas de intenção de voto durante a campanha e pré-campanha.
Apesar das eleições presidenciais de 2022 terem algumas peculiaridades, como a diminuição de votos nulos e brancos e diminuição da taxa de abstenção no segundo turno, esses fatores por si só estão longe de serem determinantes para o feito histórico de Jair Bolsonaro. O Lab Notícias conversou com especialistas para tentar entender alguns dos possíveis motivos responsáveis pela derrocada do ex-presidente.
Perda de força dentro do Congresso Nacional
Além do cenário negativo que se encontrou o país no segundo semestre de 2021 e primeiro de 2022, no que se refere a economia, Jair Bolsonaro possuiu um baixo desempenho no Congresso Nacional. Já no primeiro ano de governo, Bolsonaro não se comprometeu com uma agenda política e, assim, fracassou na aprovação de leis. Das 39 Medidas Provisórias enviadas pelo governo Bolsonaro, apenas 9 passaram no Congresso Nacional até o dia 3 de dezembro de 2019. Em comparação com governos anteriores, durante o mesmo período, Bolsonaro teve uma taxa de aprovação historicamente baixa.
Assim, o governo do ex-presidente é marcado por reformas travadas, na qual ele cria inconsistências legislativas e irresponsabilidades políticas, incapaz de obter maioria parlamentar para aprovação de suas MPs, mas sem hesitar em editá-las, pretensiosamente a seu favor. De acordo com o Observatório Legislativo Brasileiro (OLB), em 2021 Bolsonaro obteve um baixo número de projetos aprovados no Congresso Nacional, tendo aprovação em apenas 27,7% das propostas do governo.
Além disso, Bolsonaro prometia a apoiadores que iria governar para combater o establishment, abandonando a “velha política”, e assim, consequentemente, o presidencialismo de coalizão. Para Patrícia Cunha, recém formada em administração pública na Escola de Direito e Administração de Brasília – EDAP, Bolsonaro não conseguiu propor e muito menos exercer uma nova forma de governar:
O atual presidente, por mais que tenha se elegido criticando a formação de coalizões e indicações de cargos somente para ter uma base, teve que ceder a esse sistema para que conseguisse aprovar, por exemplo, a Reforma da Previdência.
A ruptura desse tipo de presidencialismo de coalizão é praticamente impossível devido ao sistema brasileiro ser multipartidário. Além disso, o Presidente tem que ter uma boa relação com o poder legislativo, para colocar sua agenda em funcionamento e para atender à necessidade daqueles que o elegeram.
Muitos cientistas políticos apontam que a falta de governabilidade de Jair, advinha da sua incapacidade de seguir, ou até mesmo formular, uma agenda política. Para a administradora pública, a falta de coalizões foi determinante para o fracasso:
O governo de Bolsonaro por não ter o apoio dos parlamentares, não conseguiu formar coalizões para conseguir colocar sua agenda política em prática: uma das explicações para o baixo índice de sucesso. Tudo indica, então, que a estratégia inicial de apostar na nova política e rechaçar os mecanismos do Presidencialismo de Coalizão não possibilitou que o Presidente obtivesse desempenho equivalente ao de seus predecessores.
Governo Bolsonaro durante a pandemia de covid-19:
O Brasil teve o primeiro caso confirmado de covid-19 no dia 25 de fevereiro e o primeiro falecimento, três semanas depois. As primeiras atitudes politicas tomadas nos primeiros dias de março determinaram o rumo da pandemia no país, que se consolidaram com o pronunciamento do até então presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, em 24 de março, com conteúdos negacionistas sobre a pandemia que assolava o território.
As primeiras medidas para conter o vírus foram anunciadas no dia 13 de março, quando o país registrava ainda apenas 151 casos da doença, número esse que possibilitava a implantação de um plano de contenção mais efetiva. Porém, as medidas até o momento eram o cancelamento de cruzeiros turísticos no país e a obrigatoriedade de quinze dias de isolamento a todos os passageiros que ingressassem no país vindos do exterior, medida essa que foi revogada pelo ex-ministro da saúde, Henrique Mandetta.
Oito meses depois de registrado o primeiro caso de covid-19 no Brasil, o país entra na lista de países com os piores indicadores relativos a óbitos e contaminações. Com a ocorrência da situação, assegura-se que seria resultado da falta de estratégia por parte do governo.
Pedro Santos Mundim, professor de Ciência Política da Faculdade de Ciências Sociais da UFG e coordenador do Centro de Pesquisa em Comunicação Política e Saúde Pública (UnB), avalia que um dos motivos que ajudaram Bolsonaro a não ser reeleito, em parte, foi o mau enfrentamento da pandemia:
O país passou por um trauma muito grande, morreram mais de 700 mil pessoas, o governo foi completamente errático, né? Isso de fato, assim os dados mostram né? Abalou a popularidade governamental em 2020 e principalmente em 2021, mas quando a gente entra em 2022 o governo consegue recuperar uma boa parte dessa popularidade que ele havia perdido nos anos anteriores em função da péssima condução do combate à pandemia, e aí ele conseguiu reverter um pouco esse cenário da forma como a gente sabe…
Mandetta, Teich, Pazuello e Queiroga foram os quatro ministros da saúde na pandemia no governo Bolsonaro nos intervalos dos anos de 2019, 2020 e 2021. A troca constante de ministros na época levantou dúvidas se seriam motivações técnicas ou políticas. Para Mundim, não há dúvidas de que se tratava de politicagem:
Claramente era questão política, porque o governo a gente pode especular o porquê que eles fizeram isso, porquê que eles foram negacionistas, porquê que eles afastaram os ministros que em tese seriam mais técnicos do ponto de vista da saúde e como acabaram colocando generaleco [Eduardo Pazuello] lá que não sabia nem o que era o SUS né? Que chega a ser meio absurdo, mas enfim, foi uma decisão política.
Além disso, em resposta à decisão do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro de restringir o acesso a dados sobre a pandemia, foi criado um consórcio de veículos de imprensa formado por Estadão, G1, O Globo, Extra, Folha de São Paulo e UOL. Os veículos decidiram formar uma parceria e trabalhar de forma colaborativa para buscar as informações necessárias sobre os casos e as mortes pela doença por todo Brasil.
O cientista político comenta:
Foi um papel bem importante que a imprensa teve, entre outras razões, porque uma das coisas que eles precisavam era que as pessoas ficassem sabendo [sobre os dados], inclusive para balizar o seu comportamento em relação a pandemia. Era o que estava acontecendo, que se deixassem simplesmente em função daquilo que o governo queria repassar ou transmitir, a gente ia ficar meio que no escuro em relação a série de indicadores e dados relativos ao combate à pandemia ou a evolução dos casos. Então esse consórcio de veículos acabou sendo fundamental no sentido de prestação de contas mesmo, né?
Bolsonaro VS Sistema Eleitoral Brasileiro
Ao radicalizar os ataques ao Poder Judiciário, com um enfoque nos ministros Alexandre de Morais e Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), Jair Messias Bolsonaro colocou em xeque as instituições democráticas, mas principalmente o sistema eleitoral brasileiro. Nesse sentido, à medida que Bolsonaro atacava essas instituições públicas, os parlamentares governistas mais moderados, sobretudo aqueles dos partidos do Centrão, começaram a dificultar a tramitação dos projetos do governo.
Bolsonaro não conseguir a reeleição é bastante curioso, pois possuía as vantagens de um presidente no exercício da disputa pela reeleição. Por controlar a máquina pública, o presidente de um país pode usar isso a seu favor para conseguir apoio político e popular. O Executivo elabora e executa parte do orçamento e pode direcionar os recursos de acordo com seus interesses eleitorais, de forma legal, e tomar medidas que conquistem a simpatia dos eleitores.
Além disso, o fato do Brasil adotar o Sistema Proporcional de eleições foi uma das grandes vantagens para o ex-presidente. Uma delas é de ordem mais simbólica. Em uma política tão personalista quanto a brasileira, em que a maioria da população diz não se identificar com um partido, a Presidência dá uma enorme visibilidade a um político. É o que diz a cientista política Flávia Biroli, professora da Universidade de Brasília (UnB), em entrevista à BBC Brasil: “A pessoa já ganhou uma eleição, e isso se amplia porque se cria uma memória política, gera vínculos com o eleitor. Isso é um fator importante que desequilibra a disputa”.
Apesar disso, Bolsonaro preferiu tentar desmoralizar as urnas eletrônicas, deslegitimando o voto popular com ataques infundados, como por exemplo, usando um inquérito da Polícia Federal que investigou uma invasão hacker ao sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2018. O ataque, no entanto, ocorreu meses antes do pleito e não teve qualquer consequência sobre as eleições daquele ano.
Em contraponto, a historiadora e professora da Universidade Federal de Goiás, Luciane Munhoz de Omena, especialista em análise institucional e conflitos e coalizões políticas, afirma que os ataques ao sistema eleitoral brasileiro possuíam intuitos específicos:
Ele estava fazendo barulho, ou seja, criou uma cortina de fumaça para tirar a atenção
das questões ligadas ao processo inflacionário, ao alto custo dos combustíveis, às crises educacional,
do meio ambiente e sistema de saúde. Acredito que o sistema de votação está consolidado e criticá-lo significava também questionar o processo eleitoral para os outros cargos institucionais.
A historiadora ainda ressalta que o distanciamento dos congressistas de Bolsonaro e seus aliados se deu pelo perigo da ascensão da extrema-direita e não pelos ataques às urnas. Além disso, ela pontua outros fatores que já eram sinalizadores de que o enfraquecimento do ex-presidente era visível:
A CPI da Covid escancarou a ausência do Estado e a promoção de medicamentos ineficazes. Penso que isto acabou o enfraquecendo politicamente. Ademais, o ano passado, quando tivemos as cartas –
Faculdade de Direito e a FIESP – em defesa à democracia, já era um sinal de que o mercado financeiro e as indústrias não mais o apoiariam.