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Na última década, a ciência brasileira passou por grandes desafios devido às gestões governamentais que administravam o setor, com oscilações no financiamento para pesquisas científicas. Cortes orçamentários e contingenciamentos afetaram instituições de pesquisa e universidades, o que levou a dificuldades em novos projetos, manutenção de laboratórios e contratação de pesquisadores.
Em 2017, o governo de Michel Temer (MDB) acabou com o programa de incentivo à pesquisa criado em 2011, por Dilma Rousseff (PT). Conhecido como Ciências Sem Fronteiras, estimulava o intercâmbio acadêmico e científico, proporcionando aos estudantes brasileiros a oportunidade de adquirir conhecimentos avançados em suas áreas de estudo, bem como experiências culturais em diferentes países. Além disso, buscava fortalecer a colaboração internacional, a inovação e o desenvolvimento tecnológico no Brasil.
Embora considerado uma oportunidade valiosa para muitos brasileiros, também enfrentou críticas e desafios ao longo de sua implementação. Alguns dos pontos de crítica incluíram a falta de critérios claros de seleção, a concentração de bolsas em áreas específicas, a qualidade das instituições parceiras em alguns casos, e a suspeita de desvio de verba.
“Faltam recursos e uma política de Estado, não uma política de governo. Algo que atrapalha muito é a descontinuidade de apoio a uma pesquisa. A descontinuidade em apoiar uma pesquisa causa mais danos e perdas do que ela não ter sido contemplada desde o início”, defende o pesquisador Clóves Gonçalves, doutor em Física pela Unicamp.
A ciência no Brasil
O estudo realizado pelo CGEE, explora os interesses da comunidade científica brasileira, focando na produção de artigos de 2019 a 2022 na Plataforma Web of Science (WoS). Assim, destaca os números de 2022, índices de especialização regionais e os principais temas de pesquisa brasileira, usando análises de rede, contribuindo para o entendimento das agendas da comunidade científica no cenário nacional e internacional.
De acordo com o WoS, entre 2019 e julho de 2022, quase 250 mil artigos de pesquisadores brasileiros foram publicados. Porém, o Brasil representou só cerca de 3,5% do número total durante o ano de 2022.
Porém, pelo lado positivo, o país contou com um aumento de 32% na produção cientifica em cinco anos (2015-2020), em que cerca de 372 mil artigos contam com participação brasileira, assumindo a 13ª posição no ranking global de pesquisa.
O início da carreira científica
O passo mais importante na carreira de um cientista é sua formação, sendo o ponto inicial de seu trabalho como pesquisador. Dessa forma, o apoio das instituições de ensino e seus professores é parte crucial do processo de formação de novos estudiosos que deem continuidade à pesquisa.
“Comumente, a estreia de um cientista no mundo das publicações científicas se dá a partir de pesquisas desenvolvidas durante a graduação ou pós-graduação. Nesse estágio, a tutela de um orientador experiente é fundamental. Tive a fortuna de ser supervisionado pelo Professor Doutor Basílio Baseia, cujos ensinamentos foram extremamente valiosos para o meu desenvolvimento acadêmico”, destaca o Doutor Clodoaldo Valverde, com mestrado e doutorado em física pela UFG.
Colaboração internacional
O Brasil conta com ampla colaboração internacional no campo científico, com 5 países em destaque: Estados Unidos, Portugal, Inglaterra, Espanha e Alemanha, somando 18.199 publicações com essas potências no ano passado.
Com os avanços científicos e tecnológicos globais, é evidente o destaque da importância das colaborações internacionais para superar as barreiras do conhecimento, especialmente em áreas cruciais para o crescimento econômico e social, como indústria, comércio, educação e turismo.
Ainda assim, as redes de colaboração científica internacional envolvendo o país mostram desequilíbrios significativos, devido à posição menos proeminente do país em relação aos seus principais parceiros.
Dessa forma, a participação internacional atual é valiosa, conectando o Brasil a agendas científicas de destaque, mas uma estratégia de atração mais clara é necessária para diversificar as colaborações, permitindo ao país assumir um papel mais influente em pesquisas realizadas com cientistas de outras nações.
Desigualdade na ciência
Apesar dos avanços, o Brasil configura o 14º lugar no gráfico de crescimento científico anual, com 2,1% entre 2020 e 2021. Entre o grupo dos países Brics – que engloba Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – exibe desigualdades marcantes: enquanto China e Índia lideram a distribuição, Brasil e Rússia ocupam posições inferiores. A África do Sul nem chegou a ser contabilizada.
Essa desigualdade, por sua vez, mostra como o país carece de incentivos e estímulos à pesquisa, mas continua a transbordar de dificuldades que desafiam cada vez mais seus cientistas.
Como avalia-se a credibilidade de uma revista?
No campo científico, há fatores que determinam ainda mais visibilidade e renome de um cientista, um deles sendo o fator de credibilidade da revista em que publica seus artigos. Assim explica Doutor Francisco Osório.
“Para publicar nestes periódicos [mais bem avaliados] exige-se um alto padrão de qualidade, tanto no que diz respeito às técnicas experimentais e seus resultados, quanto aos cálculos e ferramentas teóricas utilizadas. Nós temos conseguido publicar em periódicos com fator de impacto elevado acima de 3 [chegando até a 4.8]. O CNPq considera publicações com fator de impacto acima de 1,5 como relevante.”, comenta o doutor em física pela USP São Carlos.
O CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) é uma agência que opera sob o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, que tem como principal objetivo promover e incentivar a pesquisa científica e tecnológica no país. Dessa forma, é uma das principais entidades responsáveis pela concessão de bolsas de estudo, financiamento de projetos de pesquisa, formação de recursos humanos altamente qualificados e apoio a atividades científicas e tecnológicas.
Dificuldades
Pensando nisso, existem diversos fatores que dificultam a produção científica no Brasil, como custos, falta de tempo e a fuga de cérebros.
“As dificuldades incluem, mas não estão limitadas a, financiamento insuficiente para pesquisa, falta de infraestrutura adequada, burocracia extensiva, baixa remuneração para pesquisadores e professores, e a falta de uma cultura de pesquisa e inovação”, diz Doutor Clodoaldo.
Fuga de cérebros
O fenômeno da fuga de cérebros um problema antigo que ainda atinge o Brasil. Também conhecida como brain drain, refere-se ao acontecimento de indivíduos altamente qualificados deixam seu país de origem para buscar oportunidades de trabalho, pesquisa e estudo em outros países. Isso ocorre devido a uma combinação de fatores, como melhores perspectivas de carreira, melhores condições de trabalho, investimento em pesquisa e desenvolvimento, ou mesmo por razões políticas e econômicas.
Pensando nisso, o governo brasileiro investe em bolsas de pós-gradução em outros países, com a condição de que os beneficiários retornem ao Brasil por, pelo menos, um tempo determinado, para que os conhecimentos adquiridos no exterior sejam aplicados aqui.
Segundo o CGEE, é possível que o Brasil tenha perdido cerca de 6,7 mil pesquisadores para outros países últimos anos.
Tempo escasso
Outro empecilho enfrentado é a falta de tempo, devido à dupla jornada como professor, explicada pelo Doutor Clóves.
“A maior dificuldade é o tempo disponível para se dedicar à pesquisa. No Brasil a maioria dos pesquisadores estão nas universidades, e o pesquisador precisa dar aula além de ter que cumprir diversas outras atividades ficando pouco tempo para poder se dedicar à pesquisa. Em alguns países, como por exemplo os EUA, os pesquisadores que trabalham nas universidades não dão aula, ou tem uma carga horária muito reduzida de aula para poderem dedicar o seu tempo à pesquisa”, explica.
Publicação científica como mercado de luxo
Além disso, o custo de publicação muitas vezes torna o processo inviável. Principalmente nas revistas de maior renome, o preço para publicar um artigo é muito elevado. Na revista Nature, por exemplo, o custo é de cerca de US$11.390.
“Existem periódicos científicos de renome internacional que cobram para publicação de artigos científicos. Recentemente, publicamos um artigo na Scientific Reports, uma das revistas do grupo Nature. Nos custou US$2400, que foram pagos parte pela UEG e parte pela UNIP. A UFG não dispõe de recursos disponíveis para pagar esse tipo de publicação. Esses artigos em revistas pagas têm maior visibilidade, pois não tem custo para o leitor, são open acess”, comenta Doutor Francisco.
Incentivos
Sendo assim, a única forma de reverter a situação do Brasil é por meio do incentivo à pesquisa, que deve ser feito de diversas formas.
A continuidade, manutenção e reajuste positivos de programas públicos como CNPq e CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) são necessários para a continuação de pesquisas em desenvolvimento, além de motivar novos experimentos e futuros pesquisadores.
Nesse contexto, é crucial direcionar investimentos significativos para a formação qualificada de indivíduos capazes de compor os grupos de pesquisadores em diversas áreas do conhecimento, consequentemente, direcionando esforços para aprimorar a formação profissional e fortalecer o sistema de ensino fundamental e médio nas escolas públicas.
Além disso, é fundamental enfrentar o desafio da desinformação científica, promovendo campanhas eficazes que valorizem tanto os professores quanto as profissões de nível superior.
Hoje, os departamentos de Física nas principais universidades de Goiás contam com renomados pesquisadores dentro e fora da sala de aula, como os Doutores Clóves Gonçalves (PUC-GO), Francisco Osório (UFG e PUC-GO) e Clodoaldo Valverde (UEG e UNIP-GO). Dessa forma, seguem motivando seus alunos e orientandos, aumentando a sede pelo conhecimento.
Essa abordagem é essencial para criar uma base sólida para o avanço da ciência e educação, bem como para garantir uma sociedade mais informada e comprometida com a busca do conhecimento.
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