- Futebol e doação de sangue: ‘Seu gol de Placa é realmente salvar vidas’ - 24 de janeiro de 2024
- Eleições Municipais Goianienses: Entenda fatores que podem influenciar nas eleições - 12 de janeiro de 2024
- Futebol e Inclusão : Movimento de torcidas autistas cresce no Brasil - 13 de dezembro de 2023
O futebol é inegavelmente o esporte mais acompanhado do mundo, segundo pesquisas do Kantar Ibope, em média 68% dos brasileiros são fãs de futebol, por isso são necessários cada vez mais cenários inclusivos e isso vem acontecendo. Um exemplo disso são os Movimentos de Torcidas Autistas no Brasil, esses movimentos têm como característica o lema: respeito e inclusão, com o objetivo de tornar os estádios um ambiente confortável para pessoas com o Transtorno do Espectro Autista.
O Transtorno do Espectro Autista é um transtorno neurotípico que pode afetar ou não a comunicação dos pacientes. O TEA se caracteriza por níveis de suportes 1, 2 e 3, sendo o nível 1 o que possibilita o paciente de ter uma maior independência e o nível 3 mais acentuado. A pessoa com autismo também pode ter sensibilidades a barulhos ou ruídos, por exemplo.
Por causa da sensibilidade, muitas pessoas com TEA ficavam impossibilitadas de realizar atividades como acompanhar seu time de coração dentro dos estádios, por isso as torcidas se mobilizaram para formar os chamados Movimentos de Torcidas Autistas no Brasil
O pioneirismo de trazer o símbolo do autismo como inclusão social vem da torcida fogo serrana, do Botafogo, que desde o ano de 2017 trás o símbolo do autismo em camisas e bandeiras com a ideia de promover a inclusão.
O primeiro movimento de torcidas autistas começou no dia 02 de abril de 2022, com o Autistas Alvinegros, primeira torcida de autistas do Brasil. A faixa posicionada na Neo Química Arena e no Estádio Alfredo Schürig (Parque São Jorge) impulsionou e ajudou a dar visibilidade para a iniciativa.
Rafael Lopes, criador do movimento junto com juliana Prado contou que ambos sempre acompanharam o Corinthians e que o fato de sempre terem acompanhado o time ligado ao diagnóstico tardio influenciou o inicio do projeto.
“A gente sempre acompanhou o Corinthians e a gente teve essa ideia de confeccionar uma faixa eu e a Juliana que começamos o projeto. O caso dela é parecido com o meu, ela também teve um diagnóstico tardio e tivemos essa ideia de confeccionar faixa para estar levando nos jogos e daí em diante se deu tudo que a gente vê hoje, né nos estados, em todos os lugares.”
PREVALÊNCIA DE DADOS
No Brasil não existe uma prevalência de dados de pessoas dentro do espectro autistas. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas IBGE estima que no Brasil existem aproximadamente 2 milhões de autistas.
Apesar de não existir uma prevalência de dados de pessoas atípicas, o IBGE implementou uma pesquisa no censo de 2022, e essa foi a primeira vez que foi realizada uma pesquisa para quantificar pessoas com autismo.
SOBRE OS MOVIMENTOS
Vale lembrar que desde 2007 o dia 2 de abril é considerado como o Dia Mundial da Consciência do Autismo pela Organização das Nações Unidas ONU. Rafael Lopes, falou que coincidência entre a data criada pela ONU e a criação do movimento de torcida foi intencional. Ele explicou que a ideia tinha surgido um pouco antes e que a faixa ficou pronta na exata semana da conscientização.
Além de ter sido o pioneiro na criação do movimento de torcidas autistas, o Corinthians também foi o pioneiro na criação da sala sensorial, que foi criada pelo clube em 2019, antes mesmo do Autistas Alvinegros que surgiu em 2022. Rafael Lopes relatou que antes do movimento a sala já funcionava mas que era frequentada por poucas pessoas por falta de informações corretas sobre, e que depois do movimento as pessoas passaram a ter mais conhecimento sobre o ambiente.
“A sala existe desde 2019. Mas antes do nosso movimento ela era bem pouco frequentada, porque as pessoas não tinham as informações corretas e não sabiam bem do que se tratava, logicamente que depois do nosso projeto as pessoas vieram nos procurar e até atribuir a nós a questão da sala, mas nós não somos as pessoas que tomam conta da sala, o espaço já existia, mas acho que depois do movimento as pessoas começaram a se interessar mais e a gente acabou tendo que colher mais informações para para estar orientando as pessoas a questão de reserva de ingresso e como que fazia para estar indo nos jogos”.
O movimento foi abraçado de forma ampla e hoje em dia existem 22 movimentos voltados para torcedores autistas no Brasil, sendo apoiado por torcedores, clubes e jogadores. Um exemplo disso é o Goleiro Cássio Ramos do Corinthians, que durante uma entrevista na zona mista demonstrou apoio ao projeto e ressaltou que o Autistas Alvinegros é um movimento sério e revelou também que sua filha Maria Luíza tem TEA.
Rafael Lopes declarou que a sala inclusiva da Neo Química Arena é um espaço amplo com mesas e desenhos ilustrativos, televisão com conteúdos infantis e brinquedos sensoriais porém apesar do espaço ser excelente, em decorrência do aumento do fluxo de pessoas a sala precisa de algumas adaptações
“Então a sala é um espaço relativamente grande, um espaço bem amplo, não sei exatamente o número exato de pessoas que comportam, mas eu sei que é uma galerinha boa que comporta o espaço, o espaço é composto de mesas que tem os desenhos ilustrativos para as crianças desenharem e pintarem, uma televisão que passa os conteúdos infantis, alguns brinquedos também sensoriais, mas assim a gente a gente tem a noção do que a sala ela precisa de melhorias tanto é que daqui para o mês daqui para o ano que vem a gente vai tentar conversar com o pessoal do Corinthians para ver se a gente consegue algumas melhorias pra sala, porque a gente vê que o fluxo de pessoas aumentou na sala, então ela precisa de uma adaptação na questão sensorial, mas o espaço em cima é um espaço excelente”.
“Para dar o suporte necessário para as pessoas autistas precisa de equipamentos sensoriais que realmente consiga dar um suporte para as crianças, uma coisa que seja mais voltada para pessoa autista mesmo, e também alguns profissionais terapeutas, que que precisam estar naquele lugar também para dar um suporte é caso aconteça alguma coisa alguma coisa fora do previsto”.
Sobre o fato de hoje em dia existirem 22 movimentos de torcedores autistas Rafael Lopes destacou que é muito gratificante ver o projeto ser abraçado por outras torcidas, e que esse era o objetivo do projeto.
Fernando Landuche, torcedor que frequenta o camarote inclusivo da Neo Química Arena com o filho desde 2021, pontuou que ficou sabendo do projeto no início e que assim que o instagram do movimento foi criado ele entrou em contato. Ele contou também que o suporte de inclusão é feito corretamente.
“Todas as vezes são muito boas, os funcionários lá fazem um trabalho legal, todo o suporte, toda a parte de inclusão é muito bem feita por parte da equipe que fica lá para nos receber”
Fernando também destacou que o projeto oferece fones abafadores de ruídos, e que esses abafadores podem ser utilizados tanto na sala inclusiva quanto nas arquibancadas. Outro ponto explicado por Fernando é que além do torcedor tea possuir a gratuidade ele também tem direito a 3 acompanhantes.
Sobre os dias de jogos Fernando falou sobre a troca de experiências com outras famílias no camarote que vão além de apenas ver o jogo.
“A gente vê famílias. Na primeira vez que estivemos lá vimos portadores de outras deficiências ou transtornos, que já frequentavam a sala, a gente troca experiências, a gente vai conhecendo pessoas é bem bacana, cuida do filhote lá, deixa bem à vontade, além de assistir o jogo“.
EXPANSÃO DO MOVIMENTO
No estado de Goiás até o momento a adoção do movimento de torcedores autistas já foi concretizada por dois clubes, sendo eles Goiás e Vila Nova.
O Autistas Esmeraldinos foi fundado no dia 19 de novembro de 2022, o Estádio Hailé Pinheiro, casa do Goiás, possui um camarote exclusivo para acolher os torcedores com TEA e para o acompanhante.
No dia 14 de maio de 2023, dia das mães, em partida contra o Botafogo do RJ, o Goiás entrou em campo usando como uniforme principal uma camisa para homenagear os torcedores autistas e promover a inclusão, a camisa foi feita com a participação de torcedores mirins TEA, também nessa partida 10 crianças TEA entraram em campo junto com os jogadores.
O Goiás também possui parceria com a clínica Caminhando Pela Infância, que disponibiliza terapeutas para ajudar no camarote inclusivo e prestar suporte caso algum torcedor precise.
O movimento de torcidas Autistas Colorados Vilanovenses foi criado em Novembro de 2023 e apesar do movimento ser recente o Vila Nova pretende abraçar o projeto durante o Campeonato Goiano de Futebol, mais conhecido como Goianão, que começa dia 17 de Janeiro.
Nota da Redação: O LabNotícias tentou entrevistar os responsáveis pelos movimentos Autistas Colorados Vilanovenses e Autistas Esmeraldinos mas até a data de publicação desta reportagem não conseguiu contato.
OLHAR CLÍNICO
O LabNotícias entrevistou as psicólogas Evelyn Arantes e Larice Reis para entender o que é o Transtorno do Espectro Autista e os níveis de suporte.
O que é o Transtorno do Espectro Autista. E como ele se caracteriza?
Evelyn A. O autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento, ou seja, ele se apresenta na primeira infância e para o diagnóstico de autismo, nós temos que ter dois critérios, antes do dsm-5 a gente tinha o que a gente chamava de Tríade e hoje a gente só tem aí duas características que é a alteração na comunicação e comportamentos repetitivos estereotipados, antes a gente tinha alteração na comunicação e atraso de linguagem, mas hoje a gente entende que a comunicação e a linguagem é uma coisa só, e mesmo às vezes não havendo atraso de linguagem atraso na comunicação na fala, a gente sabe que existem outras alterações que se apresentam ali no autismo na comunicação além do atraso da fala.
LARICE REIS. Então é um transtorno do neurodesenvolvimento a pessoa então nasce com autismo ele não pode ser adquirido depois de uma fase da vida, ninguém nasce sem autismo e adquiri autismo, né? Então é um transtorno do neurodesenvolvimento.
O autismo tem marcadores biológicos como genética tem marcadores genéticos para diagnosticar e a criança ela começa demonstrar e apresentar sinais a partir ali dos oito meses, né, quando ela começa a olhar o mundo, descobrir o mundo o que é esperado para as crianças típicas, já as crianças autistas continuam as que estão dentro do espectro olhando para si mesmo. Vamos dizer assim, então o que espera a criança é uma interação olhar no olho de outra pessoa, do adulto ou de outra criança, o que não vai acontecer com tanta facilidade na criança TEA.
É ela fazer solicitações atender ao próprio nome igual você vai chamar a criança, muitas vezes, ela não vai olhar e daí a partir desses marcadores a família começa a perceber que tem algo diferente ali, então as manifestações vem por esses traços e daí de acordo com que a criança vai crescendo se ela não tiver em um processo terapêutico em um tratamento vai ficando mais aguçado essas características podendo ser de suporte nível 1 2 ou 3, né?
O suporte nível 1 são crianças que estão mais perto das crianças típicas, né de um desenvolvimento esperado para idade.
As crianças suporte nível dois dependem mais do auxílio do adulto para algumas tarefas e suporte nível 3 vai precisar 100% do adulto para desenvolver as tarefas, as atividades da vida diária.
É mais difícil obter o diagnóstico de TEA em adultos e quais são as consequências dos diagnósticos tardios.
LARICE REIS. Atualmente com o avanço da ciência esse diagnóstico está sendo feito de forma mais precoce, antigamente se fazia tardio por ausência ou limitação da família da sociedade da da própria equipe da saúde, e ao perceber esses marcos esses alertas do desenvolvimento atualmente, eles são mais falados. Então as pessoas começam a observar mais e correm mais cedo atrás deste diagnóstico, prejuízo é perda de autonomia mesmo. Então assim, uma família que vai perceber que o filho precisa de um suporte médico, aos sete anos ela já vai ter fechado janelas de oportunidade para estimulação então. É esperado que com sete anos ela já tenha uma convivência com pares da mesma idade e essa convivência seja equivalente às crianças típicas, aí uma criança com sete anos que tem um atraso motor que tem um atraso na fala que tem um atraso cognitivo, ela vai um diagnóstico tardio, ela vai perder essa chance de ficar mais perto da outra criança típica vai perder uma janela de oportunidade.
EVELYN A. É difícil obter diagnóstico em adulto porque geralmente os adultos chegam com outros diagnósticos e as alterações, e quando você chega na vida adulta, esse adulto ele já aprendeu a lidar com muitas questões do autismo, por exemplo questões sensoriais, às vezes ele tem até alterações sensoriais, mas ao longo do tempo ele foi trabalhando isso ele já sabe lidar com isso, e para a gente fazer um diagnóstico de autismo, a gente precisa de sintomas começados na na primeira infância. Então como que a gente faz um diagnóstico Clínico de qualquer transtorno? É difícil de fazer porque a gente vai de acordo com o histórico do paciente, com relato do paciente e aquilo que a gente observa e talvez aquilo que ele apresenta naquele momento não tenha tantos sintomas, porque ele já aprendeu a controlar aquilo na infância. Então eu fiz um diagnóstico recente de uma professora de 46 anos, o pai havia falecido, a mãe havia falecido, então não tem como a gente ter exatidão nesses relatos, entende? Então é muito difícil nesse sentido porque pra gente fazer o diagnóstico de autismo não importa a idade, mas importa que esses sintomas se iniciam na infância então, talvez essa seja a dificuldade, porque no adulto ele já aprende a lidar com aquelas questões e a gente vai fazer um histórico ali, vai regressar ali para ver como que foi a infância dele.
A matéria está errada, a pioneira no futebol brasileiro foi a Fogo Serrano (Botafogo), criada em 2020, com o intuito de garantir a inclusão dos autistas nos estádios
Artur, você está relativamente correto, acabei me esquecendo de adicionar essa informação na reportagem pois quis dar foco as salas inclusivas realizadas pelo times com iniciativa dos torcedores, por isso acabei não adicionando a informação de que a fogo serrana foi a pioneira trazendo em faixas e camisas desde 2017 o símbolo do autismo pensando na inclusão social. Porém quando se fala em pioneirismo do movimento de torcidas autistas tendo em vista a ideia de um espaço adaptado para as sensibilidades causadas pelos graus de suporte o pioneiro foi o grupo autistas alvinegros. Agradeço pelo comentário e irei adicionar a informação na matéria.