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O formato do Stand Up Comedy se popularizou no século passado na década de 50. Um estilo único de apresentação de piadas contadas por um ou mais comediantes em cima do palco. E é uma forma de arte dominada por homens, de acordo com um levantamento do site Bitch nos anos de 2011 a 2014 nos EUA, analisando um clube famoso, o Carolines, mostrou que dentre os comediantes que se apresentavam no local, apenas 8,3% eram mulheres.
Não há muitos dados acerca do porquê de a comédia sempre cair mais para o lado masculino, mas uma pesquisa de 2015 realizada pelo Daily Mail, aponta que mulheres engraçadas não são consideradas atraentes por possíveis parceiros homens, o que pode explicar a aversão feminina a palcos de Stand Up.
A comediante e atriz goiana, Monyke Procópio, contou um pouco sobre a cenário atual da comédia no estado.
LN: Você me fala um pouco sobre a sua vida?
Monyke Procópio: Eu sou goiana, minha família inteira é de Goiânia. Me formei pela primeira vez em história na UFG, depois fiz curso de psicologia, fiz uma pós-graduação e comecei a atender no consultório. Fiquei um ano trabalhando no consultório, mas aí no ano de 2013 ligou uma grande chave na minha vida que foi o meu lado artístico. Foi quando eu abandonei a goianidade para estudar teatro e TV em São Paulo.
LN: Em quais áreas você atua?
Monyke Procópio: Eu atuo como produtora de conteúdo para o Guia Curta Mais e eu tenho meus próprios projetos, tenho um podcast. Todos são projetos autorais e tenho meus shows de stand up que são roteiros autorais também. E é isso, venho tentando desenvolver meu trabalho e me impulsionar através da Internet.
LN: Sobre os shows de stand up. Como a comédia veio para você? Porque você decidiu entrar nesse meio?
Monyke Procópio: Ela veio há muito tempo, o que faltava era coragem. Justamente por ser mulher, é muito difícil para a gente se expor, ainda mais no stand up porque ele é feito na primeira pessoa, né? Eu vim de uma formação de atriz que vestia personagens que não eram eu, então poderia ser o que eu quisesse porque estava protegida pelo personagem.
No stand up, você não tem essa proteção, é você por você, e contando histórias de certa forma autorais. Lógico que a gente escreve um roteiro para que ele fique mais cômico, tem uma técnica para ser escrito. Então sempre tive esse lado aflorado e as pessoas sempre me impulsionaram, dizendo que eu tinha que fazer stand up, mas faltava essa coragem, principalmente por ser mulher, porque eu sei que o julgamento para nós é muito pesado.
LN: Como é que foram essas primeiras experiências em cima do palco?
Monyke Procópio: Olha, a sensação de subir no palco é sempre um frisson, uma adrenalina louquíssima, uma vontade de morrer, de sumir, de ir no banheiro, de tudo ao mesmo tempo naqueles segundos que precedem ali o momento de você entrar no palco. Eu sou muito ansiosa. Daí eu fico nervosa, eu tremo um pouco a mão às vezes segurando o microfone. Depende muito de quem tá ali assistindo meu show, entendeu? E quando tem pessoas conhecidas assistindo, às vezes para mim é uma pressão a mais.
LN: Você acha que grande parte desse nervosismo seu vem do medo da não aceitação do público? Por você ser mulher? Porque tem essa diferença entre os stand ups masculino e o feminino.
Monyke Procópio: É, tem muita diferença o meu nervosismo, ele também é uma coisa muito minha. Eu sou muito ansiosa, eu tenho o meu podcast que chama Isso me Irrita, né? Então eu tenho isso, só que com certeza o medo se agrava muito, né? E o homem sempre foi mais livre para fazer comédia do que para falar qualquer coisa que seja.
LN: O que você já sentiu diferença entre as apresentações dos seus colegas homens e as suas?
Monyke Procópio: Olha, é muito difícil essa pergunta, porque cada noite é de um jeito sabe. Porque também tem comediantes homens que são péssimos assim e na comédia a gente costuma falar “entrega o show alto”, né? Então se você entrega o “show alto”, um show com plateia que ri bastante, então comediante que vem depois, pega esse show alto, para ele, então se você se apresenta antes de uma pessoa que não foi muito bem, tem diferença, agora se você se apresenta antes de uma pessoa que foi mal… Sabe, tem muito a ver isso, né?
Mas eu percebo no meu show especificamente às vezes um certo estranhamento de querer entender: ‘quem é essa menina? Afinal ela é o que na verdade?’, ‘Eu não entendo essa Persona que ela tá querendo vender, passar e tal’. Então às vezes, assim, até riem da piada, mas ficam com sensação de estranhamento no ar.
LN: Você já sofreu preconceito por ser uma mulher na comédia?
Monyke Procópio: É que na verdade tá tendo uma página aí. [Pausa longa] São dois comediantes que [Pausa longa], não tem como não entrar nisso, né? Que eles têm um discurso de extrema-direita e eles fizeram uma página, e é porque assim, eles têm apoio de alguns comediantes muitos famosos que endossam o posicionamento deles, entendeu? E aí eles fizeram uma página que só de stand up feminino que eles colocam trechos às vezes sempre descontextualizados, em que eles vão na página das meninas, roubam o vídeo, e a outra metade é um meme que é o rosto de um personagem de algum filme de super-herói que falam que esse personagem é fascista, e esse personagem tá com aquela cara de paisagem como se tivesse assistindo aquilo e fosse muito sem graça.
Colocaram um vídeo meu nessa página, como colocaram de todos os comediantes do Brasil. E aí o que me ofendeu na real, nem foi aparecer lá. Quando você é comediante, o pessoal vai te zoar, mas o que doeu foram os comentários muito pesados que tinha nessa página. Aí me deu uma sensação de revolta assim porque às vezes no Instagram, a gente quer crescer na plataforma, só que eles boicotam, porque se você fala um palavrão, o Instagram corta o alcance do seu vídeo, mas permite um post desses, que tem só comentário ofensivo e não bloqueia a página.
E o preconceito, ele existe também dentro dos próprios clubes de comédia, que oferecem muito pouca pauta para as mulheres, né? Um show dedicado somente a mulher e é isso.
LN: No dia das mulheres, você participou de um show exclusivo de mulheres. Você sente que depois do Dia das mulheres sumiu esse espaço de novo?
Monyke Procópio: A gente até já tá brincando com isso. Já é uma coisa sabida assim, por isso que agora eu tô criando as minhas próprias noites, porque se você depender que te chamem, ainda mais aqui em Goiânia, que tem cada dia menos comediantes mulheres na cena. E assim, às vezes eu me sinto mal, porque parece assim que eu vou me apresentar e os colegas torcem contra, sabe, torcem para dar errado.
LN: Dá para viver de comédia?
Monyke Procópio: Jamais. Não façam isso com a vida de vocês. Não tem como não, nem para homem tem. Tem os que estão aí vivendo de show, já estão há muito tempo na estrada e também trabalham com outras coisas com internet somente de comédia em Goiânia. Independente se é uma mulher, é impossível.
LN: É muito comum textos de stand up, principalmente masculinos, terem piadas misóginas, ridicularizando o público feminino. O que você acha sobre esse uso de piadas com mulheres?
Monyke Procópio: Essa é uma pergunta que eu até já fiz para outro humorista, sobre o limite do humor. É uma coisa muito delicada e eu acho que tem muito a ver com a boca de quem está sendo dito a piada, entendeu? Tem pessoas que tem lugar de fala pra fazer certas piadas. Tem pessoas que não tem. E eu acho que tudo é a questão do bom senso. Não sou a favor da censura ampliada, de ficar falando, é porque eu acho que o humor ele tá um pouco fora do politicamente correto, só que o humor ao mesmo tempo ele é político, ele é um sátira, ele é para fazer pensar, né? Então é uma faca aí de dois gumes. Acho que é tudo uma questão de bom senso de você saber se posicionar, se você tem o direito ou não de fazer aquela piada.
E piada de gay, de mulher, de homem brocha, de minoria. Ela serve muito conteúdo para formar piada, isso é inegável, entendeu? Então é uma opinião até difícil de dar assim e depende também muito do humorista, que tem humorista que vai ser ruim fazer qualquer tipo de piada e tem humorista que faz aquela piada absurda, mas que você não consegue segurar o seu riso. Mas a questão é o respeito. Igual os caras foram no show das mulheres para atrapalhar o show delas, né? [situação que aconteceu no show especial de dia das mulheres promovido pelo também humorista Tiago Santineli em São Paulo, onde 2 homens invadiram a apresentação carregando bandeiras dos EUA e assediaram as comediantes, segundo a Revista Fórum].
Agora o cara, ele tá ali no show dele no palco dele. Quem pagou para ver ele pagou para ver ele, entendeu? Agora uma coisa é ele na Internet falando mal dos outros, ofendendo as pessoas, sabe?
LN: Você falou que a diferença principal do stand up e do teatro, é que o teatro tem a personagem, tem a máscara, e no stand up é muito você e suas experiências pessoais. Sendo assim, dentro do seu show, o texto é focado na sua vida pessoal?
Monyke Procópio: Ele fala muito da minha questão do ser mulher, e de ser mulher que mora em Goiânia, da dificuldade de ser solteira em Goiânia, é bom, tem muito a ver com as implicações do que significa ser mulher, mas ainda não fiz piada sobre ser mulher, é sobre ser mulher comediante. É mais sobre muito essa questão dos relacionamentos e de coisas da vida feminina como menstruar, essas coisas do nosso íntimo, mas sobre mulher comediante ainda não fiz piada.
LN: Para uma mulher que quer ocupar esse espaço mesmo com todas as ressalvas. O que você tem para falar para essas mulheres que talvez um dia queiram se expor a essa carreira?
Monyke Procópio: A coragem, ela tem grande porcentagem dentro do sucesso, a coragem, a persistência, então assim, depende: é o seu dom e a sua vocação. Você quer fazer isso, então tem que ter coragem. Eu me encorajei vendo outras mulheres, entendeu? Então eu pensei, se elas podem, se elas estão fazendo isso daí, isso aí eu consigo fazer também.
E depende muito assim, para mim muitas coisas me facilitaram justamente por eu ser uma mulher muito livre. Então eu não tenho um marido em casa para encher meu saco, entendeu? Eu não tenho um filho que vai sofrer bullying na escola, porque a mãe dele tá lá fazendo piada na internet. Então eu entendo também a mulher que não consegue. É muito difícil da mulher se desprender do meio familiar, da figura da mãe de família, para fazer comédia. Eu acho muito difícil, eu não sei se eu conseguiria. Porque mesmo eu senti que demorei a ter coragem. Então eu acho assim, que tá tudo dentro do limite de cada um, né? Ah vou falar sem coragem vai, mete as caras, mas eu não sei se isso é para toda pessoa. É isso, a pessoa tem querer e ver o que isso vai implicar na vida dela.