Jornalismo é a graduação com o maior índice de arrependimentos

Graduação em jornalismo possui o maior número de alunos arrependidos, segundo pesquisa
abr 29, 2024 , ,
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FOTO: FREEPIK

O dia 17 de junho de 2009 entrou para a história da imprensa brasileira. Jornalistas, profissionais e pretendentes de jornalismos receberam a decisão do Supremo Tribunal Federal que revogava o Decreto nº 972/69, inciso 5º do artigo 4º, que exigia o diploma como pré-requisito para o exercício da profissão. 

O debate sobre o tema tomou o espaço das aulas, em Alagoas os alunos que já ingressaram no curso e que acabaram de passar no vestibular, pensam em desistir da faculdade. 

Para os coordenadores dos cursos superiores de jornalismo cadastrados pelo Ministério de Educação em Alagoas, o momento é de tranquilizar os estudantes e convencê-los de que para entrar no mercado de trabalho a qualificação continua sendo importante. O Fenaj convoca sindicatos da categoria Presidente do Sindicato dos Jornalistas de Alagoas, Valdice Gomes informou que a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) convocou todos os sindicatos da categoria para uma reunião em São Paulo no próximo dia 17 de julho. Por ter sido tomada na instância máxima da Justiça, a decisão do Supremo Tribunal Federal pela não obrigatoriedade do diploma no exercício da profissão é irreversível. 

Em entrevista a aluna Eduarda Leite graduanda pela UFG comenta sobre esse decreto e as expectativas para o futuro do jornalismo. 

Falando de jornalismo em geral, eu não me vejo muito realizada no momento, eu ainda não tive experiência com rádio além da universidade, não tive experiência com TV além da universidade, mas uma coisa que me tira um pouco as expectativas é a não exigência de diploma para exercer o fazer jornalístico, né? Porque essa é uma ainda pauta em vigor, porque o sindicato dos jornalistas ainda está discutindo e infelizmente é uma realidade. . Dentro disso, o jornalismo não é muito valorizado. Ainda mais com essa questão das fake news, que se tornou tão presente, com o aumento da acessibilidade à internet e tudo mais. Então, é difícil você se colocar como um profissional relevante no mercado, dentro de tantas variáveis. Então, a minha expectativa não está tão alta para o futuro da minha profissão em relação à quando eu comecei. Mas, de modo geral, eu não me arrependo de fazer jornalismo porque eu me encontrei dentro do jornalismo. 

PRINCIPAIS MOTIVOS DE ARREPENDIMENTO 

O fato é que muitas pessoas que se graduam em jornalismo acabam se arrependendo depois de ter contato com o mercado de trabalho. Salários baixos, poucas vagas, plantões em finais de semana e feriados, além dos inúmeros ataques contra profissionais da imprensa, certamente estão entre as principais causas desse arrependimento. 

O ex estudante de jornalismo Robson Rodrigues comenta sobre o motivo de ter abandonado o curso. 

Na verdade, foram vários motivos que eu desisti. Primeira questão é justamente a profissão em si está muito defraudada, né? Perdeu muita credibilidade. Primeiro na questão de salário, depois a credibilidade com respeito à profissão em si, lamentavelmente. Essa é a minha opinião. Depois a mídia, justamente por isso ela perdeu a credibilidade por causa das manipulações. Isso foi um dos outros motivos que eu saí, eu não estava a fim de falar aquilo que alguns querem impor que eu falasse, porque eu sei que muita coisa não é verdade. Depois a faculdade, na minha opinião, o curso está muito abandonado. Eu falo no geral, na área de comunicação, na minha opinião, está muito abandonado o ensino primeiramente. Segundo período pra mim foi muito claro isso, então deixou muito a desejar na minha opinião. E terceiro ponto por causa da minha fé. Quarto ponto, quinto ponto por causa da minha fé. Esses foram os motivos que eu desisti do curso de jornalismo. 

JORNALISMO LIDERA RANKING DE ARREPENDIDOS 

De acordo com o ranking divulgado pelo The College Payoff, o curso de jornalismo é a graduação com maior número de arrependidos segundo a Universidade de Georgetown nos Estados Unidos. 

A pesquisa foca no aspecto de educação e força de trabalho, mas utiliza uma análise de dados em profundidade considerando aspectos como disputa por vagas, remunerações baixas e desvalorização no mercado de trabalho.  

É por isso que 87% das pessoas que estudaram para trabalhar com reportagem se arrependem da escolha profissional, de acordo com o “The College Payoff”. 

O jornalista e apresentador Oloares Ferreira explica o motivo da desistência da maioria dos estudantes. 

Na minha opinião, parte da desistência dos estudantes de jornalismo é que muitos acabam entrando para querer ser famosos na televisão, porque antigamente a minha geração por exemplo, a gente tinha que ir para o jornal impresso, ir para o rádio e só depois ir para a televisão, hoje a pessoa quer fama, ela não quer prestígio, ela não quer uma profissão, ela quer fama, e a televisão é o caminho mais fácil que essas pessoas veem às vezes para ficar famosa, aí quando elas percebem que na internet não precisa de formação, aí ela deixa o sonho de ser jornalista para virar digital influencer, para virar blogueiro, virar youtuber, essas coisas,  eu acho que isso é modismo, isso vai passar, e assim como passou a febre dos youtubers vai passar a fase dos digitais influencers. Eu acredito que o jornalista profissional, esse sempre vai ter mercado e espaço. Bons jornalistas, não jornalistas que querem ser celebridades na internet.

A REDUÇÃO DOS JORNALISTAS NO MERCADO DE TRABALHO

Segundo o site da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), e com base nos dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) o mercado de trabalho formal no Jornalismo demitiu mais do que empregou em 2023. 

Segundo o Caged, o mercado formal para jornalistas continua em declínio. Os dados levam em conta o apanhado de janeiro a dezembro de 2023 e mostram que houve uma redução de 883 postos de trabalho ao longo do ano em todo o Brasil. Ou seja, conforme a matéria da Fenaj, houve mais de 9,5 mil contratações de profissionais do Jornalismo no período, mas o número de desligamentos foi maior: em torno de 10,4 mil. Resultado: saldo líquido negativo. 

Nesse caso, houve aumento de postos de trabalho em 2023 apenas em relação a duas ocupações: Designer Gráfico (+17 postos) e Repórteres de Rádio e Televisão (+ 62 vagas). O maior encolhimento de vagas, porém, afetou três funções: Editor (-238 postos no total), Revisor de Texto (-139) e Jornalista (-122). 

Os dados assustam quem está no mercado, mas principalmente quem está desempregado, seja um profissional com mais experiência, seja um recém-formado. Também desanima muito quem acabou de escolher o Jornalismo como graduação. Entre 2013 e 2021, o Brasil registrou 21,3% postos a menos no mercado de trabalho com carteira assinada nessa área. 

E as big techs contribuem muito para a falência do jornalismo profissional, ao usarem conteúdo produzido por veículos de comunicação, e não pagarem nada por isso. Inclusive, já existe propostas em discussão para que o uso do conteúdo jornalístico seja remunerado, visto que geram ganhos financeiros às plataformas digitais e gera valor às big techs. 

O jornalista e assessor de imprensa Marcelo Henrique relata sobre o atual momento do jornalismo e uma possível solução para essa baixa. 

Sim, é real. Porém, precisamos refletir sobre o que há nos novos rumos nesse mercado das comunicações, e o jornalismo não está isento dessas transformações. Estou na jornada há 13 anos pós-universidade, embora tenha sido estagiário em diversas mídias. Confesso que não me arrependo por ter escolhido o jornalismo. E não é papo de paixão. É de realização. Sou muitíssimo realizado com o jornalismo. São casos raros? Talvez. Ouço diversas histórias negativas, e conheço muitos que não passaram nem dois aninhos na labuta.

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL É UMA DAS PRINCIPAIS RESPONSÁVEIS PELA BAIXA NO JORNALISMO? 

Em maio de 2020, o jornal The Guardian anunciou que o site do MSN-Microsoft, substituiu parte de seus jornalistas por sistemas de inteligência artificial (IA). Longe de ser um fato isolado, trata-se de uma tendência do ecossistema de mídia, como indica o Relatório Digital News Project: Journalism, Media, and Technology Trends and Predictions 2021, publicação do Reuters Institute e da Oxford University. 

Segundo o Relatório, 69% dos entrevistados destacaram o protagonismo da IA nos próximos anos – 18% apontaram a conectividade 5G. Para atender a diversidade de formatos de consumo de notícias, o Relatório sinaliza a necessidade de modelos híbridos, combinando mídia e tecnologias digitais, denominados de “Media Tech” (Media Technology). O termo se aplica a qualquer dispositivo/tecnologia para criar, produzir, distribuir e gerenciar mídia. 

O termo “Media Tech”, inclusive, foi utilizado pelo presidente executivo do Grupo Globo, Jorge Nóbrega, para definir o novo modelo de negócio do grupo pós restruturação. A disputa por publicidade com as big techs, em parte, tem afetado os resultados financeiros dos grupos de mídia tradicionais: o lucro da Globo, por exemplo, passou de 2,7 bilhões de reais em 2010 para 0,1 bilhão em 2020. 

As organizações de mídia, gradativamente, estão se apropriando da IA para mudar a maneira como as notícias são geradas. No momento, a função principal dos algoritmos de IA é varrer e classificar publicações em vários canais. A seção “comentários” do New York Times, por exemplo, é moderada por 14 jornalistas que revisam manualmente mais de 11.000 comentários diários, tarefa em vias de ser desempenhada pelo sistema de IA criado pela Jigsaw/Alphabet, controladora do Google – reduz custos e aumenta eficiência, motivações iniciais para adoção da IA.  

A Conferência “Artificial Intelligence and the future of journalism: will artificial intelligence take hold of the fourth estate?”, em maio 2021, organizada pela Federação Europeia de Jornalistas (EFJ), debateu o dilema se a IA é uma ameaça ou uma oportunidade para o setor de mídia. 

Faculdades com maior número de arrependidos 

Confira a seguir, quais são os cursos de nível superior que as pessoas mais se arrependeram de terem feito, com base na pesquisa da ZipRecruiter. 

  • Jornalismo: 87% de arrependimento; 
  • Sociologia: 72% de arrependimento; 
  • Artes: 72% de arrependimento; 
  • Comunicações: 64% de arrependimento; 
  • Educação: 61% de arrependimento; 
  • Marketing: 60% de arrependimento; 
  • Assistência Médica: 58% de arrependimento; 
  • Ciências Políticas: 56% de arrependimento; 
  • Biologia: 52% de arrependimento; 
  • Letras: 52% de arrependimento. 

O Ministro da Educação Mendonça Filho afirma que há uma necessidade de uma reforma no ensino Médio no Brasil segundo ele “O Brasil tem apenas 8% dos alunos de ensino médio em programas vocacionais. A falta de orientação contribui para que haja uma desistência significativa dos jovens que ingressam no ensino superior. 

A evasão no ensino superior não é um prejuízo só para as universidades mais também para os alunos devido ao desperdício de verbas.

CURSOS QUE GERAM MENOS ARREPENDIMENTO 

A pesquisa da ZipRecruiter também divulgou as graduações com menos arrependimentos e com boas perspectivas de empregos e salários iniciais considerados atraentes,   

  • Ciência da computação: 72% 
  • Criminologia: 72% 
  • Engenharia: 71% 
  • Enfermagem: 69% 
  • Saúde: 67% 
  • Administração de Empresas: 66% 
  • Finanças: 66% 
  • Psicologia: 65% 
  • Construção: 65% 
  • Recursos Humanos: 58% 

Melhor profissão do mundo 

Recordamos aqui as palavras de Gabriel García Márquez, escritor, jornalista e Nobel de Literatura, que em seu artigo intitulado “A melhor profissão do mundo”, descreve o jornalismo como “uma paixão insaciável que só se pode digerir e humanizar mediante a confrontação descarnada com a realidade”. 

“Quem não sofreu essa servidão que se alimenta dos imprevistos da vida, não pode imaginá-la. Quem não viveu a palpitação sobrenatural da notícia, o orgasmo do furo, a demolição moral do fracasso, não pode sequer conceber o que são. Ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir numa profissão tão incompreensível e voraz, cuja obra termina depois de cada notícia, como se fora para sempre, mas que não concede um instante de paz enquanto não torna a começar com mais ardor do que nunca no minuto seguinte”, conclui. 

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